Adeus smartphone, bem-vindo smart speaker?
PublishNews, Fernando Tavares*, 09/11/2020
Em artigo para o PN, Fernando Tavares aponta para um possível declínio do uso de smartphones e um crescimento das caixas de som inteligentes. Quais oportunidades essa tendência oferece ao mercado editorial?

Você já deve ter ouvido falar que o acesso à internet através de dispositivos móveis já supera de longe os computadores. E o primeiro relatório realizado pela McKinsey sobre o Brasil (Brazil Digital Report - 1st Edition), feito em abril de 2019 (na era antes covid), confirma justamente esta informação.

Este fato está levando produtores de conteúdo web a pensarem os vários formatos (áudio, vídeo, texto) em primeiro lugar para smartphones. Esta deveria ser uma preocupação também para quem produz e distribui livros digitais nos vários formatos existentes, pois a leitura nos smartphones tem aumentado significativamente.

Nada de novo até aqui (ou tudo novo!).

Porém, segundo alguns estudos, a era dos smartphones está chegando ao fim (mas Fernando, eu nem cheguei nela ainda!). O fato é que os dispositivos chamados smart speakers estão tendo um crescimento grande no exterior e no Brasil. Gradativamente, mais e mais pessoas começam a adotar alto-falantes inteligentes que permitem, além da automação de inúmeras tarefas, acesso ao mundo virtual através de comandos de voz que, cada vez mais, se assemelham a conversas naturais.

Existem três grandes competidores nesta área: a Apple com a Siri; a Amazon com a Alexa e o Google com o Google Assistant. Exceto pela Siri, podemos encontrar no Brasil os outros dois a valores abaixo de R$ 500 (menos que um smartphone médio). Me refiro aqui à caixinha de som sem tela e com a qual podemos conversar, pois a versão destas interfaces inteligentes já estão em todos os celulares do mundo. Quem nunca pediu algo com o “Ok Google”, levanta a mão!

Um smart speaker utiliza uma tecnologia chamada Processamento de Linguagem Natural (Natural Language Processing), que mescla inteligência artificial e linguística para compreender a nossa língua e transformar o que falamos em comandos para o computador. O som é transformado em texto; o texto é interpretado; a resposta é gerada em forma de texto e depois devolvida ao ouvinte em forma de áudio. Tudo de forma suave e natural e sem uso de tela (screenless).

O Reuters Institute’s Digital News Report 2020 afirma que no Reino Unido houve um crescimento de 19% em um ano no uso de smart speakers. Não é difícil encontrar vários artigos e estudos mostrando o crescimento exponencial da venda deste tipo de produto.

Um artigo acadêmico de 2019 traz um estudo exploratório sobre os desafios e oportunidades que esta nova tecnologia traz para o mercado como um todo e, sobretudo, para o radiofônico.

Um exemplo disso é que a BBC vem trabalhando numa iniciativa chamada "smart audio", uma forma de produzir conteúdo para este tipo de aparelhos.

Oportunidade para os audiobooks

Para os editores, quais oportunidades esta tecnologia pode trazer?

Me parece óbvio que um formato como o audiobook, encontra aqui terreno fértil para a difusão. Não é acaso que a venda deste formato vem crescendo constantemente, talvez ainda não motivado pelos smart speakers, mas com certeza é o formato que mais tira vantagem deste tipo de dispositivo. Então, se somarmos o aumento das vendas destes aparelhos com uma tendência natural ao uso dos audiobooks, este formato está se revelando um bom negócio.

Sem entrar aqui em questões mais filosóficas sobre o som como nossa forma mais natural de comunicação ou se ouvir é o mesmo que ler, é um fato que a tendência de crescimento de aparelhos screenless, que usem apenas a voz como comando é bem presente e não deve ser ignorada.

O contraponto a este cenário é o fato que produzir audiobooks tem um custo alto para a maioria dos pequenos editores e autores, além de um tempo de produção relativamente longo.

Além disso, não é uma tarefa banal produzir um bom audiobook, pois trata-se da produção de outro produto digital, diferente de um e-book e diferente, obviamente, do impresso. Sobre a questão do audiobook e dos problemas relativos à narração de um conteúdo, recomendo o artigo do Antonio Hermida aqui no PublishNews.

Livros digitais acessíveis

Conversando com pessoas que possuem algum problema de visão fiquei sabendo que algumas utilizam o seu smart speaker para ouvirem o e-book comprado. O comando de voz e a capacidade boa de leitura facilitam o acesso para quem não precisa da tela. Tarefas que antes pareciam impossíveis tornam-se relativamente mais simples tanto para quem tem problemas de visão quanto para quem tem problemas de movimento.

Não se trata de audiobooks onde a voz é gravada por um narrador profissional, mas sim de leitura feita pelo próprio dispositivo a partir do texto presente no livro digital e que tem como objetivo a acessibilidade do conteúdo.

A capacidade de leitura artificial destes alto-falantes inteligentes está melhorando rapidamente, e com recursos de inteligência artificial (deep learning), podem alcançar uma qualidade equiparável à humana. Isso em inglês, por enquanto. Em português ainda precisamos melhorar um pouco, mas o caminho já está traçado.

Portanto, um e-book em formato ePub3, feito de forma acessível, além de cumprir a Lei de Acessibilidade e ajudar na inclusão social, pode ser lido, por softwares especiais chamados screen readers e também através de smart speakers.

Como é possível pensar um livro digital para que seja acessível a ponto de ser lido em voz alta por estes sistemas? Deixo aqui duas dicas práticas:

1) Descrição das imagens. Este é um ponto essencial. Por mais “inteligente” que um smart speaker seja, ele não vai conseguir ler (por enquanto) as imagens que estiverem no seu e-book. Portanto, como editor ou autor, quando criar/converter seu conteúdo para o digital não esqueça de colocar uma descrição alternativa para as imagens que você quer que “apareçam” para o seu ouvinte/leitor.

2) Boa qualidade técnica. O ePub3 desfruta das tecnologias bem conhecidas da web e utiliza os padrões para a acessibilidade já conhecidos. Não deixe de usar estes padrões no seu e-book. Realmente pense nele como um produto diferente e não uma simples conversão. Uma atenção aos detalhes técnicos vai ajudar a evitar muita dor de cabeça além de deixar ele mais apto para ser lido ou por screen readers ou por um smart speaker da vida.

No meu blog, listo outras dicas práticas, você pode acessá-lo clicando aqui.


* José Fernando Tavares é paranaense, trabalha com livros digitais desde o início de 2009 e é o embaixador do Business Club da Feira do Livro de Frankfurt no Brasil. Fundou a Booknando, uma empresa voltada às novas tecnologias e à educação corporativa. Cultiva a ilusão de que a leitura irá ajudar as pessoas a mudarem o mundo para melhor e a tecnologia pode contribuir para isso. É especialista em Tecnologias para negócios (PUCRS) e mestrando em Ciências da Computação (UEM-PR). Nunca rejeita uma boa macarronada e um bom vinho!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews

[09/11/2020 10:10:00]