Vivemos tempos de aceleração vertiginosa. A cada piscada, uma nova ferramenta de Inteligência Artificial (IA) surge, prometendo revolucionar (ou perturbar) mais um pedaço do nosso cotidiano. E sinceramente isso é um pouco cansativo para quem acompanha este desenvolvimento!
Nesse turbilhão, é fácil se perder entre o hype e o pânico. E para ajudar (ou piorar!) cinco pesquisadores experientes em IA resolveram criar o relatório “AI 2027” sobre as perspectivas de desenvolvimento desta tecnologia nos próximos três anos. Daniel Kokotajlo (ex-OpenAI e autor do texto "What 2026 Looks Like"), Scott Alexander, Thomas Larsen, Eli Lifland e Romeo Dean fundamentam o relatório em tendências e dados atuais, sobre o que pode ser o desenvolvimento da IA nos próximos anos e o impacto que isso pode ter na sociedade.
O texto não é uma profecia, mas um cenário narrativo. O relatório "AI 2027" pinta um quadro onde a IA super-humana não é mais ficção científica distante, mas uma possibilidade palpável até o final desta década. Seus autores preveem um impacto que pode ser maior que o da Revolução Industrial, com agentes de IA transformando radicalmente o trabalho e a própria estrutura social. Eles admitem que muito é hipótese, mas ainda assim escrevem o relatório para "preencher uma lacuna", articulando um caminho plausível e provocando uma conversa global sobre para onde estamos indo e como podemos navegar em direção a futuros positivos.
É um convite à reflexão. E é precisamente essa reflexão que parece estar em marcha lenta no mercado editorial, especialmente no Brasil.
O elefante (artificial) na sala da editora
A IA já não bate à porta das editoras; ela já entrou, muitas vezes pela porta dos fundos, e está sentada no sofá, muitas vezes sem ser formalmente apresentada. Ferramentas de IA já são usadas, mesmo que discretamente, para otimizar metadados, sugerir palavras-chave para cadastro em livrarias, analisar tendências de mercado, em plataformas de marketing digital, em verificadores gramaticais e de plágio e, sim, em testes (muitas vezes não declarados) de geração de conteúdo, desde sinopses até rascunhos iniciais.
No entanto, essa presença é frequentemente subestimada ou tratada como uma mera ferramenta operacional, e não como o prenúncio de uma mudança de paradigma. O relatório "AI 2027" sugere que a sociedade está "longe de estar preparada" para a superinteligência. O mercado editorial, como microcosmo e formador de opinião, reflete essa falta de preparo. Falamos muito sobre usar o ChatGPT para tarefas pontuais, mas pouco sobre as implicações de sistemas que podem, em poucos anos, redigir, traduzir, editar e até ilustrar com uma proficiência que desafia a capacidade humana atual.
Regulamentar o futuro: um convite à governança interna (e à ISO 42001)
A discussão sobre regulamentação da IA é urgente e complexa. Enquanto debates nacionais e internacionais se arrastam, muitas vezes focados em proibições ou em um temor paralisante, há um caminho mais pragmático e imediato que cada editora e empresa pode trilhar: a autorregulação e a governança interna.
E aqui, não estamos falando de achismos ou do simples e confortável não. Já existem instrumentos profissionais para isso. A norma ISO 42001, por exemplo, oferece um sistema de gestão específico para a Inteligência Artificial, ajudando organizações a implementar a IA de forma responsável, ética e eficaz.
Adotar uma norma como a ISO 42001 não é apenas uma questão de compliance ou de evitar riscos. É uma declaração de maturidade. Significa que a editora reconhece a IA como uma força transformadora e está disposta a investir em processos para compreendê-la, geri-la e, alinhar seu uso aos seus valores e objetivos estratégicos. Isso envolve definir princípios éticos claros, estabelecer responsabilidades, treinar equipes e criar mecanismos de supervisão. É preparar o terreno interno para um futuro onde a IA será onipresente e muito mais poderosa do que hoje. Essa governança interna é crucial não apenas para o uso ético, mas para construir confiança com autores, leitores e a sociedade em geral.
Desafios que inspiram e não paralisam
As previsões do "AI 2027" podem ser assustadoras. A ideia de uma IA superando a capacidade humana em múltiplas frentes em poucos anos nos traz desconforto ao ponto de ser questionada por muitos. No entanto, o medo não pode ser nosso guia. A história da tecnologia é uma história de disrupções que, embora inicialmente ameaçadoras, abriram novas possibilidades. A questão não é se a IA avançará, mas como nós, como indivíduos e como setor, nos posicionamos diante deste avanço.
Pessoalmente, não acredito que a abordagem deva ser a de tentar frear o desenvolvimento tecnológico mas de nos empoderarmos com ele. Precisamos transformar o potencial disruptivo da IA em uma força para a inovação e a qualificação do nosso trabalho. Isso exige curiosidade, aprendizado contínuo e, acima de tudo, uma mentalidade proativa. Os desafios apresentados pela IA devem nos motivar a buscar soluções criativas, a repensar nossos processos e a encontrar novas formas de agregar valor.
Navegando na periferia: a situação brasileira
Para um país como o Brasil, situado na periferia do desenvolvimento tecnológico de ponta, esse desafio é ainda mais difícil. Não estamos na frente da criação dos grandes modelos de linguagem nem temos o mesmo volume de investimento em pesquisa e desenvolvimento que as potências globais. Essa realidade poderia levar a uma sensação de impotência, mas ela deve, ao contrário, reforçar a urgência de uma estratégia lúcida e clara.
Se não podemos ditar o ritmo da inovação, podemos nos tornar bons na sua aplicação inteligente e adaptada à nossa realidade. Isso significa fomentar um ecossistema de aprendizado e experimentação, capacitar nossos profissionais não apenas para usar ferramentas prontas, mas para entender seus princípios e limitações. Significa, também, participar ativamente das discussões globais sobre ética e governança da IA, trazendo nossa perspectiva e defendendo nossos interesses. Ignorar o avanço da IA ou adotá-la passivamente são duas faces da mesma moeda e apenas nos deixará em uma posição ainda mais subalterna no cenário mundial. A paralisia, neste caso, é a receita para ficarmos ainda mais para trás.
Além do modismo: cinco passos para as editoras mergulharem de cabeça (e com estratégia) na era da IA
O momento pede mais do que apenas surfar a onda do hype ou temer o desconhecido. Pede ação estratégica e aprendizado contínuo. Aqui estão cinco sugestões práticas para editoras que desejam não apenas sobreviver, mas prosperar na era da IA:
O futuro não espera, mas pode ser moldado
O relatório "AI 2027" nos lembra que o futuro está chegando mais rápido do que imaginamos. A Inteligência Artificial não é apenas uma nova ferramenta; é uma plataforma tecnológica que está reconfigurando a maneira como criamos, consumimos e interagimos com a informação e a cultura. Para o mercado editorial, isso representa tanto um desafio existencial quanto uma oportunidade sem precedentes.
Ignorar essa transformação não é uma opção. Tampouco é reagir com medo ou com um entusiasmo acrítico. O caminho é o do engajamento profundo, da reflexão estratégica e da ação corajosa. As editoras que prosperarem serão aquelas que não apenas adotarem a IA, mas que a compreenderem, a questionarem e a integrarem de forma inteligente e ética em sua missão de conectar autores e leitores, de promover o conhecimento e de enriquecer o debate cultural. O futuro não está escrito. Ele está sendo construído agora. E o mercado editorial tem um papel fundamental a desempenhar nessa construção
Links úteis:
* José Fernando Tavares é especialista em Publicações Digitais e produtos digitais com mais de 14 anos de experiência no mercado editorial, especializado em tecnologia para negócios e Inteligência Artificial para produtividade. Em 2014, fundou a Booknando, empresa especializada em publicações digitais e livros acessíveis. No ano passado, criou a Volyo Audiobooks, focada na produção de audiolivros com uso de Inteligência Artificial. Com formação humanística, busca utilizar a tecnologia para melhorar o mundo. Tem paixão por vinhos e pelo aprendizado diário.
**Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!
Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.
Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.
O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?