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O Brasil à lusitana
PublishNews, Henrique Rodrigues, 28/10/2019
Em sua coluna, Henrique Rodrigues relata a impressão que teve ao participar de programações culturais em Portugal

Por esses dias aconteceu a Feira do Livro de Frankfurt, maior evento do mundo na área editorial, conforme acompanhado e muito bem relatado aqui pela equipe do PublishNews, que desbundou solerte pelos salões alemães, detalhando as principais negociações e novidades do universo livresco. Mas nem só de Nilo e Amazonas vive a dimensão dos rios: há inúmeros outros vivendo simultaneamente, além de córregos, riachos e filetes onde várias águas atravessam diferentes vastidões para desembocar num oceano mais próximo. Assim é o mar imenso da leitura.

Estive em algumas missões literárias em Portugal por esses dias, o que me permitiu continuar com um pouco mais de profundidade uma investigação que me inquieta há uns anos. Como a literatura brasileira vem sendo divulgada, distribuída e lida em Portugal?

Fui acompanhar os vencedores do Prêmio Sesc de Literatura 2018, Juliana Leite e Tobias Carvalho, no Festival Literário de Óbidos. Em sua quarta edição, trata-se de um evento recente, com clara inspiração na Festa Literária de Paraty. Vim pela segunda vez, mas pelo que acompanhei desde o início os brasileiros convidados para as programações principais são, em sua maioria, autores que já participaram da Flip, apontando também uma influência curatorial da festa paratiense. Creio que seja uma referência quase inevitável quando se tem um olhar de fora para o Brasil, uma vez que o evento de Paraty se estabeleceu muito bem nesses 17 anos. O debate os dois prêmios sesquianos foi excelente, como sempre, ainda que metade da plateia fosse constituída de brasileiros que vivem por aqui e foram ao FOLIO.

Seguimos para Lisboa, onde levei os dois autores para conversar com jovens numa escola pública. Pouco antes, o motorista do Uber ouviu que conversávamos sobre visita ao Liceu Secundário Pedro Nunes, e revelou com entusiasmo que estudara nessa escola, assim como vários presidentes, incluindo o atual, recém-eleito. Alguns podem discordar – e é bom que assim seja visto que a discordância move ideias –, mas dentre os autores com quem trabalho é consenso que o público mais surpreendente para uma conversa é o de alunos. Pelo menos é o relato que temos do Arte da Palavra, circuitão que leva dezenas de autores para escolas públicas e unidades do Sesc pelo país. E no caso dali, mesmo considerando a timidez típica dos portugueses, gerou um debate bem rico, que nos acompanhou quando saímos da escola.

Se o encontro com jovens foi bom, em Loures a emoção saltou forte com um público formado por idosos. A Biblioteca Municipal José Saramago, inaugurada em 2001 com a presença do Nobel português, é gigante e paradisíaca. Falávamos ao lado de um grafite enorme do escritor num muro externo, de modo que aos olhares de afeto se somava o daquele senhor de expressão firme. No dia seguinte, encerramos o circuito com um encontro parecido na própria Fundação José Saramago, em Lisboa.

Segui para Coimbra, onde iria dar uma palestra sobre o panorama da literatura brasileira contemporânea. Resumi as duas últimas décadas, desde o surgimento dos blogs até o fenômeno dos saraus – o qual, acredito, é o movimento literário mais importante no Brasil hoje. Havia até uns chineses assistindo, e a professora era alemã, de modo que alguns aspectos que para nós são corriqueiros soaram como grande novidade. Em seguida, os alunos me levaram para um tour das letras, visitando espaços naquelas ladeiras onde viveram grandes autores portugueses.

De todos esses encontros, do grande evento, passando por bibliotecas, universidade, fundação e escola pública, além da conversa informal com brasileiros residentes no país e livreiros locais, tentei desenvolver o questionamento inicial.

Numa comparação geral, vejo um desequilíbrio grande nos índices de leitura entre Brasil e Portugal. Enquanto portugueses são festejados como grandes estrelas em nosso país, com grande número de leitores e constituindo principais nomes de vários eventos – a Flip contribuiu bastante para essa renovação nos últimos anos –, o mesmo não ocorre em terras lusas. À exceção de um Jorge Amado, Clarice Lispector e outros best-sellers (o destaque atual é Augusto Cury), não percebo um interesse proporcional por brasileiros. Há que se mencionar os esforços da ótima Revista Pessoa, a recente vitória do Prêmio LeYa para o baiano Itamar Vieira Jr. pelo romance Torto arado e o lançamento português de O sol na cabeça, do Geovani Martins. Mas no quadro geral de volume de leitores, a balança ainda pesa muito para um lado.

Outros fatores podem contribuir para esse quadro. Um deles é a dificuldade de entrada de livros estrangeiros em terras europeias. As taxas são altas, deixando o produto final com preço impraticável. O normal para participação em eventos é que os autores brasileiros tragam seus livros acomodados nos 23kg de mala.

A troca precisa ser de mão dupla e com o mesmo número de faixas. José Pinho, da lindíssima livraria Ler Devagar, vem buscando soluções para que essa ponte tenha mais tráfego nos dois sentidos. E a nova Livraria da Travessa em Lisboa pode não só ajudar como também servir de termômetro para o interesse dos leitores portugueses para a nossa produção atual.

Sempre observo a disposição dos setores nas livrarias. E esse aspecto também diz muito sobre o funcionamento da etapa final da cadeia produtiva dos livros em cada comunidade leitora. Nas lojas daqui, como é normal em todo lugar, depois das gôndolas de novidades e best-sellers, as primeiras seções fixas são da literatura nacional. Quem já entrou nas muitas livrarias de Buenos Aires, por exemplo, pode ter notado. Em Portugal é o mesmo. Mas no Brasil é justamente o contrário: quase sempre o setor de literatura nacional fica escondido, muitas vezes resumido a uma pequena estante – procure poesia brasileira ao rés do chão.

Naturalmente, trata-se de um negócio, em que o produto mais divulgado é o que tem mais saída, mas entramos também num efeito tostines de que vende menos porque é menos divulgado, e vice-versa. Será que é mais uma faceta da chamada síndrome de vira-latas, em que atribui maior qualidade ao que vem do exterior? E um puxadinho da pergunta: como queremos que nossos irmãos da Terrinha valorizem a literatura brasileira se nós não fazemos isso?

Saio dessas questões sem muitas respostas, mas com várias perguntas se multiplicando. E me lembro do João, adolescente alto como são altos os seus sonhos, lá da escola pública, que ouviu atentamente o papo com Juliana e Tobias e levou os livros para casa, tendo descoberto ali naquele encontro algo que se comunicava com sua própria história

Agora sigo para uma residência artística em Bruxelas, onde vamos criar um filme sobre meio ambiente, tema caríssimo nesses dias. Mas isso é assunto para a próxima coluna. Até!

Henrique Rodrigues nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro, em 1975. É curador de programações literárias e consultor para projetos e programas de formação de leitores. Formou-se em Letras pela Uerj, cursou especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestrado e doutorado em Letras pela PUC-Rio. Já foi atendente de lanchonete, balconista de videolocadora, professor, superintendente pedagógico da Secretaria de Estado de Educação do RJ, coordenador pedagógico do programa Oi Kabum! e gestor de projetos literários no Sesc Nacional. É autor de 24 livros, entre poesia, infantis, juvenis. www.henriquerodrigues.net

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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