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Vetos e dados: os R$ 16 bilhões
PublishNews, Felipe Lindoso, 14/10/2015
Em sua coluna de hoje, Felipe Lindoso tenta explicar de onde a equipe econômica de Dilma tirou que professores gastariam R$ 16 bilhões em livros nos próximos quatro anos

Na quinta-feira passada, dia 8, nosso editor do PublishNews publicou um artigo intitulado De onde vêm os 16 bi da Dilma, comentando o publicado no blog do Planalto, onde afirmava que o custo de uma das “pautas-bomba” vetadas pela Presidenta e em exame na Câmara dos Deputados custaria R$ 16 bilhões até 2019. O artigo vetado dizia respeito a uma proposta que modificava a legislação do Imposto de Renda cuja primeira formulação é de 1995, com valores reajustados todos os anos. A modificação deste ano é a tal Lei 13.149/2015, parcialmente vetada, e que isentava os professores de pagar Imposto de Renda se comprassem o valor em livros.

Foi uma matéria importante e oportuna, pois o Leonardo Neto levantou um assunto para o qual poucas pessoas (eu inclusive) não estavam prestando atenção. O Leonardo Neto fuxicou um pouco o assunto e, com base nas informações do mercado (produção editorial e faturamento), divulgada pelo SNEL e pela CBL, concluiu: “A matemática palaciana parece equivocada. Tomando por base a pesquisa encomendada à Fipe, pela CBL e pelo SNEL, o faturamento total das editoras em 2014 foi de R$ 5.409 bilhões. Dados da Nielsen dão conta que no ano passado o mercado varejista de livros faturou R$ 1.461 bi. Muito a grosso modo, pelas contas da presidente Dilma e de sua equipe econômica, a isenção que seria dada a professores na compra de livros seria algo em torno de R$ 4 bilhões/ano ou 74% do faturamento das editoras ou quase três vezes o tanto que o varejo faturou com a vendas de livros, segundo os dados da Nielsen.”

A notícia chocou e provocou comentários irados de leitores, que diziam que “era assim a tal Pátria Educadora”, “como é possível negar dinheiro para os professores comprarem livros”, etc. Confesso que também levei o maior susto, quando li a notícia.

A conta do Leonardo Neto estava certa, com os dados que usou. Só que houve um equívoco, quanto aos dados a serem comparados. Essa certeza adquiri depois de, eu mesmo, fuxicar dados e a própria legislação. Com a minha idade, já tenho uma casca de ceticismo bem grossa quanto às afirmações do governo. Todo governo – seja lá qual for sua tendência política – tende a mascarar ou manipular dados. Só que o esforço de transparência nos dados, aqui e alhures, torna essas tentativas de manipulação mais evidentes. É possível conferir quase tudo indo direto às fontes.

No caso, não houve nenhuma tentativa de mascarar ou manipular dados. A razão de divulgar o veto dessa maneira é que mostrou-se incompetente.

Mas comecei buscando ver de onde vinham os tais R$ 16 bi. Macaco velho, fui direto no site da Receita Federal. Todos que já preencheram uma declaração de IR sabem que ali deve ser declarada a profissão, que indica a origem principal dos rendimento declarados. Portanto, “professor” seria, necessariamente, um dado na compilação de informação da Receita Federal.

E me perdi no site, diante da enorme massa de informações fiscais disponíveis. Fui para o Portal da Transparência, por onde se exerce o direito de informação legal, fiz o cadastro e perguntei: “Necessito de informações sobre o recolhimento de imposto de renda de pessoas físicas, consolidado anualmente de 2010 a 2014, com especificação da categoria profissional dos declarantes (p. ex. professor, advogado, etc.)”.

Três horas depois recebi a resposta da SRF, com os links que me levaram precisamente aonde eu queria. O link me levou ao site onde estão as informações, e lá dentro o link me levou direto aos grandes dados das declarações de Imposto de Renda – ano calendário 2013, Declaração de Imposto de Renda de 2014. É o último ano consolidado, já que as declarações referentes ao ano calendário 2014 ainda estão em processamento.

É um catatau de 52 páginas, em PDF, com explicações metodológicas, tabelas e gráficos. Na página 41 encontrei o que queria, a “Tabela 14 - Resumo da Declaração por Ocupação Principal do Declarante”.

E fiz minha própria tabelinha a partir daí:

De fato, só nessas categorias, o IR devido em 2013 foi de mais de R$ 6,5 bilhões. Isso sem contar o que todos os profissionais (advogados, engenheiros, médicos, etc.) eventualmente ganham como professores universitários. Não é a principal fonte de renda deles, mas é um fator de aumento da renda nos escritórios e consultórios. Quando o médico diz que é “professor-doutor” de uma universidade renomada, cobra mais por consulta.

Portanto, os valores mencionados no blog do Planalto até subestimavam o tamanho da encrenca.

Mas o problema não se reduzia isso. Por que não deixar que os professores, em vez de pagar direto ao governo, pudessem usar a grana para comprar livros? Esses R$ 7 bilhões anuais se somariam aos tantos milhões dos programas do MEC e do MinC, e professores e o mercado editorial ficariam felicíssimos.

Fui ver qual a justificativa do veto, parte da Mensagem enviada ao Congresso Nacional.

A justificativa da presidenta para o veto nem menciona valores, que aparecem no comentário publicado pela Secretaria de Comunicação da Presidência, mas não na justificativa do veto.

São essas as razões do veto encaminhadas ao Congresso: “Além de as medidas resultarem em renúncia de arrecadação, não foram apresentadas as estimativas de impacto e as devidas compensações financeiras, em violação ao que determina o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, assim como o art. 108 da Lei no 13.080, de 2 de janeiro de 2015 (Lei de Diretrizes Orçamentárias).”

Ou seja, a proposta aprovada a trouxe-mouxe pelo plenário conduzido pelo Deputado Cunha simplesmente infringia a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, já aprovada e sancionada.

O deputado que a apresentou (que não cito o nome para não aumentar a auto-propaganda de um demagogo irresponsável), queria simplesmente jogar no lixo uma das conquistas mais importantes dos últimos anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Demagogo irresponsável e inconsequente porque sabia perfeitamente que a tal emenda era uma provocação a ser vetada. O parlamentar ficava bem com sua base (eventualmente de professores) quando da aprovação à la Cunha e faturava mais ainda quando enchesse a boca para acusar a Presidenta de inimiga dos professores.

Demagogo e irresponsável, e não idiota. Os idiotas não foram eleitos. Mas, sim, um deputado muito “esperto”. Dessa esperteza malandra de quem se habituou a passar conto de vigário nos eleitores.

O Imposto de Renda é o tributo mais democrático que existe, em seu princípio. Quem tem mais riqueza, paga mais para o bem geral. Foi pauta dos movimentos socialistas durante todo o Século XIX. É o embrião do tão reclamado imposto sobre as grandes fortunas – que não é mais que um adicional do Imposto de Renda.

O Imposto de Renda é tão mais democrático quanto mais universal for. E essa á a razão para que se combatam suas distorções, inclusive, no nosso caso, o achatamento do desconto-padrão, que não acompanha a inflação. E outras distorções ainda mais graves, como a isenção de cobrança de imposto nos dividendos distribuídos pelas empresas aos seus sócios, por exemplo.

Já foi pior. De 1934 a 1964 havia categorias profissionais cujos rendimentos eram isentos do Imposto de Renda. Sabem quais eram? Escritores, jornalistas, professores e juízes. Durante alguns anos, até os funcionários públicos e a chamada “parte variável” dos subsídios aos parlamentares também não pagavam Imposto de Renda. Jornalistas, aliás, tinham outros belos benefícios. Tinham o “direito”, por exemplo, de pagar passagens aéreas pela metade do preço. A “viúva” pagava a diferença para as companhias de aviação.

Nós sabemos em que país vivemos. Alguém aí tem alguma dúvida que, se tal emenda fosse aprovada, na próxima declaração de IR o número “professores” iria subir astronomicamente? Todos os hipócritas moralistas iriam querer dar um jeito de “virar professores”. Seria realmente um espetáculo de crescimento da categoria...

O veto da Presidenta foi correto, portanto. Independente dos valores, essa esperteza iria provocar uma profunda desorganização no sistema tributário – que todos reclamam que é complicado – e uma inevitável demanda por aumentar o imposto dos demais.

É a tal história, há uma grita geral pela responsabilidade fiscal, pela transparência e correção das contas públicas. Mas, bem ao modo da Pindorama, nas contas dos outros. A que me protege – ou à categoria ao qual pertenço – fica fora dessa conversa. Primeiro defendo o meu – é a eterna “razão” dos hipócritas, daqueles que acusam os outros de corrupção mas não se pejam de pagar “uma cervejinha” para o guarda não multar o carro. E que acabam arrastando os desavisados.

Simples assim.

Mas ainda cabe mais uma observação.

A que o Leonardo Neto levanta já em seu artigo original, é que nenhuma das entidades do livro sabia o que estava sendo proposto. Estavam totalmente alheias ao que acontecia no legislativo. Portanto, nem pensar em fazer o lobby correto para conseguir vantagens reais e possíveis para os professores – e para o mercado editorial também. Que tal, por exemplo, lutar para que a alíquota de 6%, que é possível descontar como incentivo fiscal para a cultura ficasse mais fácil e aberta para os professores, por exemplo? E por que não para todos os cidadãos?

Isso abriria uma frente de apoio de todos os segmentos culturais e, adicionalmente, diminuiria o poder dos departamentos de marketing das grandes empresas, que são as únicas que podem efetivamente usar o incentivo fiscal. E esse é apenas um exemplo singelo de oportunidade perdida.

Só que não, a passividade se revelou.

Mas nem sempre foi assim. Em outras gestões da CBL, quem acompanhava os assuntos governamentais lia o Diário Oficial todo santo dia, precisamente para poder desarmar armadilhas e defender posições para o mercado editorial. Isso acabou.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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