
Em 2019, quando assumiu Barnes & Noble, o fundo de investimento Elliott Management comprou a rede por US$ 683 milhões e fechou o capital da empresa – um ano depois de comprar a Waterstones, a maior livraria do Reino Unido. Desde então, a expansão tem sido crescente. A B&N, por exemplo, abriu 57 lojas em 2024 e até o fim deste ano estima abrir outras 60. Já a Waterstones abriu 12 novas filiais em 2024 e planeja abrir o mesmo número este ano.
Em 2022, Daunt – que foi condecorado pela Rainha Elizabeth II no mesmo ano – participou virtualmente do InterLivro, evento realizado pelo PublishNews durante a Bienal do Livro de São Paulo, e recebeu elogios dos livreiros brasileiros ao compartilhar seus conceitos essenciais de administração.
O fato é que críticas também fazem parte do jogo. Recentemente, Daunt e a B&N viraram notícia mais uma vez por conta das contínuas reclamações das editoras independentes sobre o quão difícil se tornou para elas trabalhar com a maior rede de livrarias físicas dos EUA. Elas afirmam que a B&N favorece e protege as chamadas Big Five (Penguin Random House, Hachette Book Group, HarperCollins, Macmillan e Simon & Schuster).
As reclamações cresceram após a participação do livreiro britânico em um podcast. Segundo o Publishers Weekly, Daunt disse aos apresentadores que um dos segredos por trás da recuperação da B&N foi sua decisão de cortar os livros "chatos" e "tediosos" — descrições que ele também usou em outras entrevistas — de seu estoque, apontando, entre outras coisas, manuais de instruções e observando que tais títulos podem ser facilmente adquiridos na Amazon. A fala foi vista como uma crítica às editoras menores, bem como uma indicação da falta de interesse do livreiro e empresário em trabalhar com editoras independentes. Em outra parte do podcast, Daunt reconheceu que a B&N reduziu o volume de novos livros em estoque em cerca de 20% — um número que as editoras independentes acreditam vir principalmente de suas listas. Ainda ao PW, James negou que suas decisões de compra se baseiem no tamanho das editoras.
Entre elogios e críticas, Daunt respondeu algumas perguntas do PublishNews feitas por e-mail e novamente falou sobre sua administração, sua visão sobre o mercado editorial, a influência das redes sociais e mais.
PublishNews – Em 2022, quando você conversou pela primeira vez com o PublishNews, você listou alguns princípios fundamentais para administrar uma boa livraria. A lista incluía: manter a loja bem abastecida, administrá-la de forma eficiente sem desperdiçar dinheiro — e ser rigoroso quanto a isso —, criar algo bonito (já que a aparência importa) e ter bons livreiros. Você adicionaria algo a essa lista hoje?
James Daunt – Não — essa é a lista — além de investir em bons sistemas de TI e distribuição para facilitar ao máximo a vida dos livreiros — e essa tem sido minha lista desde 1990.
PN – Você é, de modo geral, otimista em relação ao mercado do livro? O que acha que diferencia esse mercado de outros?
JD – Sim, continuo otimista. Os livros continuam sendo uma boa experiência e relativamente barata. Mesmo em tempos difíceis, eles continuam atraentes. Comparados a gastos com restaurantes, férias, cinema, os livros oferecem um valor muito bom e duradouro. Teremos sucesso se continuarmos administrando boas livrarias.
PN – Você supervisionou a reestruturação e expansão de duas grandes redes de livrarias. Qual diria que foi a fase mais desafiadora desse processo?
JD – Montar as equipes das livrarias. Precisamos de equipes vocacionais e comprometidas, e isso leva tempo. Antes, o modelo de contratação era voltado à minimização de custos, o que impedia o desenvolvimento de livreiros de carreira (e com salários bem melhores).
PN – Quanto tempo, em média, uma nova loja leva para começar a ter um bom desempenho e se tornar lucrativa?
JD – Esperamos que as lojas tenham bom desempenho desde o início e buscamos um retorno do investimento de capital em aproximadamente 3 anos.
PN – Acredito que um dos segredos para o sucesso da sua gestão seja ter dado liberdade aos gerentes de cada loja — ter pessoas que saibam administrar o negócio de maneira pessoal e local. Esse é um conselho que você daria a donos de grandes redes? Manter o toque pessoal?
JD – Sim. É essencial. A liderança da loja precisa ser de livreiros, não de varejistas.

JD – Infelizmente, não nos EUA ou no Reino Unido. Sim, livrarias independentes podem prosperar, mas é uma atividade difícil, considerando o alto custo para abrir uma livraria e a fragilidade da economia do setor. Ninguém vira dono de livraria para ficar rico.
PN – Você acompanha o mercado brasileiro? Alguma notícia interessante chegou até você recentemente?
JD – Não acompanho, além de admirar a tradição literária e o talento contínuo dos escritores brasileiros.
PN – Ainda no tema Brasil, as entidades e associações do livro têm lutado por anos pela aprovação da Lei Cortez – semelhante à Lei Lang, na França – como você enxerga essa Lei, principalmente em relação às livrarias? Um dos elos da cadeia do livro mais afetados pela concorrência do preço.
JD – Nunca trabalhei em um mercado sem uma concorrência feroz de preços, principalmente por parte da Amazon. Deve ser muito bom, e eu apoiaria, com a ressalva de que pode levar à acomodação por parte dos livreiros. Não precisamos disso, desde que nossas livrarias sejam atrativas. A Amazon e, muito menos, os supermercados jamais conseguirão competir com esse apelo: um livro comprado em uma BOA livraria é um livro melhor do que o mesmo livro comprado em qualquer outro lugar.
PN – As redes sociais têm impulsionado o mercado do livro — o BookTok, por exemplo, tem atraído crianças e adolescentes para as livrarias. O que a Barnes & Noble e a Waterstones têm feito para manter esse público engajado e garantir que não seja apenas uma moda passageira?
JD – É exatamente isso que nossos livreiros fazem todos os dias: administrar livrarias divertidas, acolhedoras, atrativas e bem abastecidas — e eles próprios são ativos online em todas as plataformas de redes sociais. Fazem isso por diversão, mas isso movimenta o negócio.
PN – Sei que você não tem conta no TikTok. Pretende criar uma algum dia?
JD – Hahah. Sou um dinossauro.
PN – Hoje em dia, em parte por causa das redes sociais, parece ainda mais importante criar um senso de comunidade e uma conexão mais forte com o público. Você acredita que esse é um dos segredos para o sucesso de uma livraria?
JD – Sem dúvida!
PN – Consegue apontar alguma tendência para o mercado editorial a médio ou longo prazo?
JD – Mais do mesmo: autores bestsellers vão surgir de repente e gerar grande entusiasmo e grandes vendas; as tendências continuarão mudando rapidamente e de forma empolgante, com temas e gêneros explodindo; e nós, como livreiros, vamos reagir e amplificar essa energia.
PN – Como você enxerga o papel da inteligência artificial — especialmente no dia a dia das livrarias, como no desenvolvimento e otimização de processos?
JD – Talvez no atendimento ao cliente; talvez em alguma parte da logística; mas de forma alguma nas nossas lojas.
PN – Você acha que o mercado editorial está acompanhando bem as mudanças no comportamento digital dos leitores?
JD – Coletivamente, sim — e até impulsionando essas mudanças em certa medida. Individualmente, há vencedores e perdedores (embora essa seja uma corrida imprevisível — vencedores e perdedores trocam de lugar o tempo todo).
PN – Se pudesse deixar uma mensagem para os livreiros brasileiros, qual seria?
JD – Continue aprimorando sua livraria; compreenda e foque nos elementos mais importantes que fazem uma grande livraria; e divirta-se.
PN – E por fim — alguma recomendação de leitura?
JD – Acabei de ler dois livros que serão lançados em setembro: o incomparável Mother Mary comes to me, uma autobiografia de Arundhati Roy (com uma capitalização um tanto estranha!), e o romance Buckeye, de Patrick Ryan — ambos são fabulosos.