
Quando a gente pensa em Arlindo Cruz (1958-2025), primeiro logo vêm uns sambas na cabeça, e, logo depois, aquele sentimento confuso de lembrar que o cantor, compositor e músico viveu os seus últimos oito anos em estado vegetativo, sem escrever um verso sequer. E é justamente pelos dias que antecederam o AVC sofrido por Arlindo em 17 de março de 2017 que começa a narrativa da biografia O sambista perfeito: Arlindo Cruz (Editora Malê), um calhamaço de mais de 400 páginas escrito pelo jornalista Marcos Salles.
A história volta no tempo e resgata a infância de Arlindo no seu lugar, Madureira, subúrbio carioca, onde morava com a sua família, o pai que foi músico do mestre Candeia e encarou uns tempos na prisão, os primeiros acordes do Fundo de Quintal e como a carreira solo deslanchou, sem esquecer da popularidade que conquistou quando colocou o rosto nos programas de televisão. Além de diversas curiosidades, o livro posiciona Arlindo no alto escalão do samba e mostra o seu legado de superação.
“Se formos falar de superação, Arlindo Cruz é um negro e gordo, que foi pobre e venceu. Compositor com mais de 700 músicas gravadas, cantor que viajou o mundo, e músico que fez cerca de 3.000 gravações tocando seu banjo”, enumera Salles, destacando que a missão do artista foi mais do que cumprida. Era o próprio Arlindo quem costumava dizer: “Gosto do povo cantando! Sou a favor do refrão! Samba não tem que ter só essa preocupação social, tem que ter alegria. Samba é alegria. Uma melancolia ou outra, uma tristeza, uma fossa, até vai, mas samba é alegria. Minha missão é fazer samba e tentar dar um pouquinho de mim pro povo ficar feliz e se lembrar de mim com alegria”.
Arlindo continua presente onde houver dois ou três cantarolando a sua obra. Alegria é a prova dos nove. Marcos Salles respondeu a três perguntas do PN.
PublishNews — Você conheceu o Arlindo Cruz tão logo se aproximou do Cacique de Ramos. Lembra qual foi a sua primeira impressão dele? E o que fez você aceitar o convite-intimação da Bárbara Cruz - sua companheira e, agora, viúva - para escrever a biografia do sambista perfeito?
Marcos Salles — A primeira impressão foi de ver um bom músico, versando com criatividade o partido-alto, cantando bem. Mas isso foi em 1981, com o Arlindo ainda se desenvolvendo como compositor, cantor e músico. Já o convite-intimação, como digo brincando, chegou no início de 2021. Arlindo já era muito grande, um gênio da música, com uma história fantástica, a qual já conhecia boa parte, daí que não tive outra resposta. Aceitei. Já imaginava a história que teria em mãos. Foi uma honra e uma baita responsabilidade.
PN — Quando Arlindo deixou de ser um nome apenas do samba e passou a ser visto como uma celebridade? Quem gravou mais músicas dele? Quais são os parceiros dos maiores sucessos?
MS — Com o DVD MTV Ao Vivo, em 2009, quem ainda não o conhecia passou a conhecer, a virar fã, a cantar suas músicas. A partir daí, Arlindo vai para o topo e cresce ainda mais como artista. Ele viraliza. Quem mais gravou músicas de Arlindo foi o cantor Reinaldo, conhecido como Príncipe do Pagode. Um carioca que foi fazer carreira em São Paulo e se tornou uma das lindas vozes do samba. Foram 38 músicas. Arlindo teve vários parceiros e os principais foram Franco, seu irmão Acyr Marques, Sombrinha, Marquinho PQD, Maurição, Jorge Davi, Rogê, Zeca Pagodinho, JR. Dom e Aluisio Machado. Nesta ordem, foram os que mais gravaram em parceria com Arlindo.
PN — Você conversou com mais de 120 amigos e profissionais ligados ao Arlindo Cruz. Quer contar alguma curiosidade desses depoimentos? Algum, ewm especial, mudou os rumos da escrita? Houve surpresas?
MS — O capítulo com Rogê e Marcelo D2 é importante, justamente por eles terem se tornado grandes amigos do Arlindo e não terem vindo do samba. Foi a união do balanço do Rogê e do rap do Marcelo com o samba do Arlindo. Viraram amigos de infância. Estavam sempre juntos. A curiosidade maior era que em várias conversas parávamos para chorar. A gente chorava, respirava e voltava a falar de Arlindo. Por já conhecer bem o Arlindo não me surpreendi com muita coisa, mas aprendi, por exemplo, com a sua generosidade e o prazer com que levava o seu trabalho.