
Se o primeiro painel do Rio International Publishers Summit, na manhã de quarta-feira (11), focou na bibliodiversidade e na importância das pesquisas brasileiras sobre o setor, as outras mesas do dia tocaram mais de uma vez no tema da inteligência artificial e inovação. Os debates do Summit continuam nesta quinta-feira (12) com outros temas, como os programas do livro no Brasil e as possibilidades de produção para o áudio, e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), que organiza o evento, vai entregar a primeira edição do novo prêmio Incentivadores do Livro e da Leitura, voltado a reconhecer e valorizar indivíduos e iniciativas que se destacaram no fomento à leitura e no incentivo ao acesso ao livro.
“Não é só sobre tecnologia, é sobre comportamento social, uma mudança no ambiente. É importante trazer essas mudanças para dentro das empresas”, disse, durante o Summit, Meike Knops, executiva alemã que é CEO da MVB desde novembro de 2024.
Em conversa com André Palme, head da Estante Virtual, ela expandiu o conceito da palavra inovação e a relacionou com o trabalho feito pela MVB: reunir e organizar dados para contribuir em assuntos como, por exemplo, a fixação e a recuperação de preços. “A questão central é sobre como olhamos para os dados, os organizamos e lidamos com eles. Se a empresa possui o dado correto, mas não a pessoa para entendê-lo, não dá para sair do lugar”.
Knops lembrou que “inovação leva tempo” e que um bom caminho dentro das empresas é dar oportunidade para os funcionários apresentarem suas ideias e depois criar espaços para que essas ideias sejam discutidas e eventualmente transformadas em algo inovador.
Inteligência artificial e audiolivros
“A IA pode sim ser um desafio. Mas é uma ameaça para a nossa indústria? Acredito que não”, opinou Knops.
“Temos que ver a IA como uma oportunidade", completou Jens Klingelhöfer, CEO da Bookwire, no painel seguinte. "Ela pode nos ajudar na monetização, por exemplo, mas sempre vamos precisar da curadoria humana”.
O bate-papo com Klingelhöfer girou em torno das suas percepções sobre o mercado digital brasileiro e mundial. “Podemos dizer que o Brasil está bem, crescendo significativamente”, disse.
Para ele, o Brasil é um mercado especial. “O que pode ser tomado como lição é que temos que ter paciência quando falamos do mercado digital. Leva tempo”, afirmou, ao comentar sobre a participação de 9% do conteúdo digital no setor editorial brasileiro. “O Brasil pode se inspirar em outros mercados e ter o pensamento de que dá sim para seguir o mesmo caminho”.
A trajetória do mercado com as companhias telefônicas e a “nova” maneira de atingir os consumidores foi um ponto positivo apontado pelo CEO da Bookwire. Por outro lado, na sua visão, o que falta ainda por aqui é investir mais no modelo de impressão sob demanda (PoD) e na monetização de conteúdo. “Temos vários temas que podemos focar. Achar clientes e entender o que o consumidor quer são algumas opções”, aconselhou.
Em uma visão macro, o Brasil tem um mercado muito novo quando se trata do digital. Para Jens, ainda estamos no “boom de produção”. “Em termos de receita, o potencial ainda não foi alcançado. É preciso criar um catálogo, construir e produzir”, disse. Para ele, é o momento de o mercado não deixar o consumidor frustrado e fazer com que ele encontre toda obra que quiser em todos os formatos.
Pedro Doria e Cora Rónai
Uma conversa descontraída entre Pedro Doria e Cora Rónai deu um tom mais leve na parte da tarde. Ao darem suas opiniões e compartilharem experiências sobre o uso da inteligência artificial em suas narrativas, os autores tiraram risadas do público ao mesmo tempo que ofereceram ideias e reflexões interessantes.
“Uso IA, mas não é ela que escreve pela gente. Uma vez que nos acostumamos com ela, é difícil largar”, disse a jornalista e escritora. “Eu sinto falta de um debate. Na hora de escolher um título por exemplo, gosto sempre de debater e pra isso a IA tem sido maravilhosa. Porque jogo as ideias e ela me dá outras em troca”.
“Quando escrevo minha coluna, peço ajuda para uma frase mais clara, peço uma checagem de palavras repetidas – e no fim peço uns 30 títulos diferentes, e a ferramenta tem me ajudado maravilhosamente nisso”, compartilhou. “Não consegui usar nenhum título sugerido até agora, mas me ajuda com novas ideias”, brincou, tirando risos do público presente.
“Pronta, pronta, ela não tá, mas tá quebrando muitos galhos, não é?”, questionou.
"Eu diria que não tá quebrando meu galho não. Tá fazendo mais do que isso”, seguiu Pedro Doria, autor de Coleção História do Brasil (HarperCollins), entre outros. Ele compartilhou que a tecnologia mudou sua maneira de ler e que usa o Kindle para fazer anotações. “Pego tudo o que já li e marquei e jogo no ChatGPT. Uso essencialmente tudo o que li sobre o tema nos últimos anos e jogo lá para criar esse diálogo e evoluir o meu processo”, disse.
“Qualquer um cuja profissão se baseie acumular informações e buscar essas informações – não sei como é possível fazer isso usando só livros de papel”, concluiu.
Para Cora, o processo é outro: “Continuo preferindo o papel, leio muito pouco no Kindle. Mas isso porque gosto de folhear, ir para frente, para trás, e o Kindle não me dá essa oportunidade. Eu gosto de saber o quanto falta... o Kindle dá a porcentagem, mas eu gosto de saber quando centímetros faltam, usamos medidas diferentes”, brincou.
IA e direitos autorais
O último painel do dia focou em discutir os desafios jurídicos da inteligência artificial no mercado editorial.
Entre as questões abordadas, entraram os limites da utilização da IA para textos e imagens, os esclarecimentos ao público consumidor, as responsabilidades dos editores e o uso da IA na narração de audiolivros.
Segundo os painelistas Anita Huss-Ekerhult (IFFRO), Marcos Alves de Souza (MinC), Dalton Morato (ABDR) e Antonio Murta (representante do escritório Murta Goyanes Advogados) e Gustavo Martins (Consultor Jurídico SNEL), é inegável que a IA generativa utiliza obras protegidas. Portanto, segundo a legislação vigente (LDA), demanda autorização prévia para usos e, na falta dela, implica violações.
Segundo Marcos Alves de Souza, hoje, cada obra utilizada no treinamento da IA sem licenciamento prévio viola seis ou mais artigos da lei de direitos autorais brasileiras.
O painel também explicou os princípios da PL 2338/2023, que garante a observância dos direitos autorais. Ainda segundo os participantes, os debates no Brasil em torno do tema seguem bem e podem ser referência em relação ao seu detalhamento e proteção.
Prêmio Incentivadores do Livro e da Leitura
Nesta quinta-feira (12), durante o Summit, o SNEL vai entregar a primeira edição do novo prêmio Incentivadores do Livro e da Leitura, voltado a reconhecer e valorizar indivíduos, empresas, organizações e autoridades públicas que se destacam no fomento à leitura e no incentivo ao acesso ao livro.
"Com este título, buscamos prestigiar o empenho daqueles que despertam a paixão pelo livro e, assim, promover um ciclo virtuoso de valorização da leitura, fundamental para a educação e para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária. Ao premiar quem defende o acesso ao livro, o SNEL reafirma o seu compromisso com o desenvolvimento da sociedade brasileira, criando uma rede de reconhecimento e apoio que se espalha por todo o território nacional", afirma o presidente do SNEL, Dante Cid.
A entrega do certificado para os 14 selecionados em quatro categorias será às 17h, "O livro transforma — educa, inspira, conecta. E pelo país afora, vemos se multiplicarem iniciativas que fortalecem o hábito da leitura e ampliam o acesso aos livros. Valorizar essas ações com o título Incentivadores do Livro e da Leitura é uma forma de reconhecer quem faz a diferença, inspirar novas ideias e engajar mais gente nessa missão. Precisamos encarar a formação de leitor uma responsabilidade de todos nós: sociedade civil, educadores, poder público, empresas e personalidades", aponta a editora Raquel Menezes, idealizadora do título.
O SNEL concederá o título àqueles que vêem na leitura uma ponte para o futuro, seja por meio de iniciativas políticas, educacionais, culturais ou empresariais. Conheça os premiados em cada categoria, com as justificativas fornecidas pelo SNEL:
Categoria: Empresas e Organizações / ONG’s
- TikTok – A plataforma tem desempenhado um papel significativo no incentivo à leitura, especialmente entre os jovens, por meio do fenômeno conhecido como BookTok. Essa comunidade de criadores de conteúdo literário tem impulsionado a venda de livros e promovido o hábito da leitura. Além disso, o TikTok tem investido em projetos que valorizam e incentivam a leitura, fortalecendo o mercado editorial e aproximando novos leitores da literatura.
- O Globo – Jornal que completa 100 anos em 2025 e que, ao longo de sua história, tem valorizado a literatura nacional com cobertura jornalística, suplementos culturais e apoio institucional a eventos literários.
- Favelivros – Criado por dois amigos e mantido de maneira voluntária e à base de doações, o Favelivro está perto de chegar a 50 bibliotecas comunitárias instaladas em favelas da cidade, da Zona Oeste à Zona Sul, em cinco anos.
- Bar do Papa – Botequim em Cascadura, sede do Rolé Literário, mutirão de escritoras e escritores do subúrbio. Espaço que promove eventos literários comunitários, como a Feijoada de São Jorge.
Categoria: Poder Público (Parlamentares)
- Fernanda Melchionna – Deputada federal engajada na defesa de políticas públicas para o livro e a leitura, com atuação destacada na Comissão de Cultura da Câmara.
- Dani Balbi – Deputada estadual do Rio de Janeiro, com atuação político-cultural focada na promoção da leitura e democratização do acesso à cultura.
- Renan Ferreirinha – Secretário Municipal de Educação do Rio de Janeiro, com atuação decisiva nas iniciativas relativas ao Rio Capital Mundial do Livro.
- Lucas Padilha – Secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, com atuação decisiva nas iniciativas relativas ao Rio Capital Mundial do Livro.
Categoria: Professores e Bibliotecários
- Bel Santos Mayer – Educadora e coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC), tornou-se referência em leitura comunitária e bibliotecas livres nas periferias.
- Kelly Xavier Madaleny (9ª CRE - GET Dulce Araújo) – Professora, graduada em Pedagogia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), instituição onde também concluiu o mestrado e o doutorado. Sua trajetória profissional se destaca pelo foco na valorização das infâncias negras e indígenas, das identidades plurais e das narrativas historicamente silenciadas.
Categoria: Personalidades
- Antonio Fagundes – Ator e leitor assíduo, com atuação destacada nas redes sociais em defesa do livro e da leitura, comentando lançamentos de diversas editoras brasileiras.
- Taís Araújo – Atriz e incentivadora da leitura para a infância e juventude, por meio de clubes do livro e sugestões de livros nas redes sociais.
- Alessandra Orofino – Diretora Executiva da Peri. Uma das criadoras do podcast Calma Urgente, que se desdobrou em um clube do livro de grande repercussão.
- Bianca Monteiro – Rainha de bateria da Portela. Em 2024, criou um clube de leitura do samba na quadra da escola. A Portela também criou a primeira festa do livro de uma escola de samba (Fliportela) e mantém uma biblioteca comunitária.
*A jornalista viajou a convite do SNEL.