Três Perguntas do PN para Marcelo Moutinho
PublishNews, Guilherme Sobota, 28/01/2025
Escritor lança o novo volume de crônicas 'O último dia da infância', em que faz uma reflexão profunda sobre o passar do tempo

Nos últimos anos, Marcelo Moutinho despontou como uma das lideranças de uma geração de cronistas brasileiros que precisam viver entre a volatilidade de formatos na era digital e a agilidade da crônica enquanto gênero literário – são nomes, além dele próprio, como Luís Henrique Pellanda, Tati Bernardi, Socorro Acioli, Antonio Prata, Joaquim Ferreira dos Santos e Henrique Rodrigues, entre outros, devidamente citados no novo livro O último dia da infância (Malê).

O volume é uma reunião de crônicas guiadas por um fio: a estrutura familiar do autor – que, como narra na primeira crônica do livro, sofreu uma alteração brusca com um acidente levou a vida de sua mãe. Do outro lado da morte, surge a vida, representada pela filha que agora lhe empresta a visão de enxergar aspectos novos em funções antigas. Em meio a essa reflexão profunda sobre o passar do tempo, o autor entremeia temas clássicos da crônica brasileira – dos bares e ruas aos pássaros e ao futebol – para construir um retrato ao mesmo tempo certeiro e particular de uma época, ultra-contemporânea, no coração do Rio de Janeiro.

Depois de um lançamento no Rio neste fim de semana, o autor vem a São Paulo nesta quinta-feira (30) para o lançamento do livro, na Livraria Simples (Rua Rocha, 259 - Bela Vista, São Paulo / SP), às 19h, com bate-papo do autor com Fabrício Corsaletti, mediação de Ana Lima Cecílio e sessão de autógrafos.

Marcelo Moutinho respondeu a três perguntas do PN.

– As crônicas do livro passam por temas que se ligam intrinsecamente à história do gênero no Brasil: ruas, bares, pássaros, relações familiares, além da morte (e da vida), que aparece de maneira incisiva no início e no fecho do volume. O que pode ser (e o que não pode ser) tema de crônica para você?

Tudo pode ser tema de crônica. Não há interdições em termos de assunto. A questão está muito mais na forma como ele é tratado. Hoje, muito em razão de as colunas dos jornais em geral trazerem artigos, e não crônicas, tem havido certa confusão entre os gêneros. O próprio Prêmio Jabuti da categoria é exemplo disso. Se olhamos as listas dos semifinalistas, vários dos livros são coletâneas de artigos, não de crônicas. O artigo tem um fundo opinativo, quase sempre persuasivo. A crônica não quer provar coisa alguma. É um olhar de deriva, que pode redundar em lirismo ou humor, sobre a matéria aparentemente ordinária do mundo. Acho que O último dia da infância se filia a essa tradição. À vida “ao rés do chão”, da qual falava Antonio Candido em seu célebre texto sobre o gênero.

– Ao ler as crônicas do livro, senti um efeito impactante de "registro", "fixação", uma espécie de gravação do tempo nas páginas de um livro. O formato que recebe as crônicas (seja o livro, uma newsletter, um jornal ou um site) importa na hora da elaboração dos textos? Como essas duas facetas (conteúdo e receptáculo, digamos) se relacionam nas suas crônicas?

Fico feliz com essa sua percepção porque foi uma marca que procurei mesmo imprimir a O último dia da infância. A ideia de identificar algo que se fixa em meio ao decurso do tempo. Penso agora nos versos do poema “Memória”, no qual Drummond diz que “as coisas findas/ Muito mais que lindas/ Essas ficarão”. Quanto à pergunta em si, acredito que o suporte no qual será publicada a crônica certamente influencia a escritura do texto, mas, quando se trata de um livro, há uma mudança de perspectiva. Penso sempre na organicidade quando elaboro meus livros, e com o que acaba de sair não foi diferente. Então, a seleção dos textos se deu a partir de uma ideia de conjunto, não como mera recolha. Na divisão das crônicas em quatro seções, e na própria ordenação delas, procurei criar uma espécie de movimento interno. O livro abre com o texto sobre a perda da minha mãe e fecha com a carta que a neta concebeu para enviar à avó falecida. Entre o preâmbulo e o epílogo, temos dois conjuntos de crônicas. O primeiro, situado no âmbito da família, da casa, da intimidade, tematizando também a pandemia. O segundo, com os pés plantados na rua. Assim, o leitor vai da morte para a vida, da clausura para a plena fruição da experiência coletiva. De modo que, ao serem agrupadas no livro, essas crônicas ganham autonomia com relação ao suporte original.

– O livro tem uma presença muito marcante de Lia, sua filha. Qual foi o efeito da paternidade no cronista Marcelo Moutinho?

O efeito de um cavalo de pau na vida. O nascimento da Lia mudou radicalmente a minha perspectiva e restaurou a capacidade do espanto. À medida que envelhecemos, vamos criando calos nos dedos, e os olhos muitas vezes passam a não mais enxergar as pequenas coisas tão importantes. Como se nos faltassem os óculos para perto. Lia me atirou de volta à minha própria infância e acompanhar uma pessoa crescendo, aprendendo a falar, descobrindo o mundo, é uma experiência esplêndida. É claro que essa vivência se espraia para meus textos, sobretudo as crônicas.

Nesse novo livro, até pela preponderância do tema da infância, Lia é quase que um fio condutor. Sua presença foi uma janela para a alegria durante a dura temporada da Covid, suas tiradas desconcertantes sempre me ensinam formas originais de ver as coisas, de descrevê-las. Quando escrevo sobre algo, escrevo sobretudo para que ela possa um dia ler e, assim, ficarmos mais perto um do outro. Todos os meus livros desde 2015, quando ela nasceu, são cartas para a Lia.

[28/01/2025 10:00:00]