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Nem uma biblioteca a menos neste país!
PublishNews, Volnei Canônica, 08/11/2024
Em novo artigo, Volnei fala sobre o fechamento da biblioteca do Instituto de Leitura Quindim e do desafio de empreender a favor do livro no Brasil

Existe aquele exercício filosófico de George Berkeley da floresta e da árvore que diz: “Se uma árvore cai na floresta e ninguém está perto para ouvir, ela fez barulho?” É sabido que ela emite ondas sonoras mesmo que ninguém ouça. Assim como é sabido por todos que, por mais barulho que possamos fazer para garantir o acesso ao livro e à leitura no Brasil, muitos podem não escutar.

Celebração do Prêmio Caxias do Sul | © Divulgação
Celebração do Prêmio Caxias do Sul | © Divulgação
No ano em que o Instituto de Leitura Quindim completa 10 anos, tendo enfrentado ao longo de sua história a epidemia da Covid-19, a falta de editais e recursos para desenvolver projetos, mudança de espaço, entre tantos outros desafios, ter a sua sede fechada e precisar cancelar seus projetos e eventos é muito doloroso. É como se fossem arrancadas, uma por uma, todas as folhas de um livro, separando personagens, enredos, embaralhando tudo, enfraquecendo a força daquele feixe de páginas que dava sentido a existência da obra.

O trabalho de alcançar o livro ao leitor e à leitora em nosso país é árduo por inúmeros motivos que se eu for elencar cada item vai parecer uma lista de compras de supermercado ou a própria lista de presentes que o Papai Noel está esperando receber. Você pode não ter reparado, mas o ano já está quase acabando e as luzinhas de pinheiro já estão todas acesas.

Mesmo com essas inúmeras dificuldades sempre tem um ser quixotesco que se imagina com forças para enfrentar gigantes. No início desta semana fiz um anúncio que nem no meu pior pesadelo poderia pensar: o fechamento da biblioteca do Instituto de Leitura Quindim. O locador solicitou, em 30 dias, a devolução do espaço onde fica a sede do Quindim. Com esse prazo tão curto e pego de surpresa, não tive possibilidade de pensar rapidamente em um planejamento, nova sede, reestruturação de projetos, recursos financeiros, entre outras dificuldades. Fui obrigado a fechar e começar a difícil tarefa de encaixotar tudo.

© Divulgação
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Essa insegurança e sensação de que a qualquer momento mais um susto pode acontecer, revela a fragilidade que é a continuidade de projetos de promoção da leitura e a manutenção das bibliotecas em nosso país. Nunca estamos preparados e protegidos. Infelizmente essa história de horror não é só nossa. Talvez eu não tenha notícia. Talvez você que está lendo esse artigo não faça ideia. Mas pode ter certeza que portas de bibliotecas estão sendo fechadas, projetos de leitura sem recursos e sendo descontinuados. Como a analogia da floresta e da árvore, essas bibliotecas e instituições estão caindo e fazendo barulho. Mas será que estão sendo ouvidas? Ou melhor, tem alguém interessado em ouvi-las?

A cada livro que eu encaixoto fico pensando nos personagens e aventuras sufocadas dentro de caixas de papelão bem lacradas para que ninguém fuja de lá. Coloco os livros para adormecerem, privando-os dos leitores e seus dedos passando as páginas, com seus olhos observando o contorno das letras e o colorido dos personagens. Privo os livros de ouvirem as vozes de espanto, dos risos e dos choros.

Estou prestes a trancar a porta de uma biblioteca que apresentava conceitos como: “o brincar é importante no processo de aquisição de conhecimento e fruição artística”, “criança pode mexer em todos os livros”, “a biblioteca é um centro cultural e as diferentes manifestações artísticas dialogam com a literatura”, “o silêncio é só uma pausa dramática para dar força à personagem”, “criança é aquela que cria e não pinta desenho pronto”, entre tantos pensamentos que eram pilares dessa biblioteca que inspirou muitos leitores, professores, pais e bibliotecários.

Não saem da minha cabeça cenas de pais tentando abraçar os 15 livros escolhidos em conjunto com seus filhos para levar pra casa. Ou bebês arrastando os móveis e colocando os livros na boca. Ou ainda pais acomodando seus filhos no peito e o livro abraçando os dois, enquanto a história acontecia em vozes compartilhadas.

O que será de um escorregador que não vai ter fila pra usar? Que triste o abandono de um escorregador num depósito sem ver nenhuma criança.

Um dia sem livro na mão do leitor pode ser um desastre irreparável. Pode romper esse laço. E, talvez não tenhamos cola, linha, esforço e desejo que unam essas duas pontas novamente.

Eu sei que não estou sozinho para enfrentar os moinhos de vento. Nesses momentos a própria literatura me acompanha. João Cabral de Melo Neto já me ensinou como se tece uma manhã:

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; (...)”

Então, precisamos gritar, fazer barulho, acordar o dia. Precisamos fazer isso por todas as bibliotecas, a minha, a sua, a do vizinho, a do desconhecido. Vamos manter em pé a nossa floresta de bibliotecas. Nem uma biblioteca a menos neste país!


Volnei Canônica é formado em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em Literatura Infantil e Juvenil também pela Universidade de Caxias do Sul, e especialização em Literatura, Arte do Pensamento Contemporâneo pela PUC-RJ. É Presidente do Instituto de Leitura Quindim, Diretor do Clube de Leitura Quindim e ex-diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, do Ministério da Cultura. Coordenou no Instituto C&A de Desenvolvimento Social o programa Prazer em Ler. Foi assessor na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Na Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, assessorou a criação do Programa Permanente de Estímulo à Leitura. o Livro Meu. Também foi jurado de vários prêmios literários.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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