Todos os caminhos de Frankfurt levavam a Roma. Ou melhor, à Piazza da Itália, país convidado de honra da 76ª Feira do Livro de Frankfurt. Entre as colunas da piazza, encarando as luzes do teto que simulavam uma constelação, relaxei enquanto me hidratava e repassava meu itinerário. Me sentia energizado pela troca com Andréa e Fátima, cujos encontros narrei nas duas primeiras partes deste diário, mas ainda faminto de histórias.
À tarde, a névoa continuava encobrindo os prédios ao redor da feira. O frio, no entanto, não impedia leitores de formarem longas filas de autógrafos na praça externa do evento ou buscarem por opções de comida entre os foodtrucks. Uma das trilhas levava ao percurso pelo qual mais jovens pareciam cruzar. Era o nosso próximo destino.
Era a primeira vez que a Feira de Frankfurt dedicava um pavilhão inteiro ao mundo dos livros New Adult, sucesso nas redes sociais e constante nas listas dos mais vendidos. A classificação engloba livros destinados ao público na casa dos 20 anos, que estão fazendo a transição da adolescência para a vida adulta. Com o mote “Ler é uma história de amor para a vida toda”, editoras alemãs apostavam em estandes visualmente atraentes, destacando as romantasias e os dark romances.

Em um dos corredores do pavilhão bastante movimentado, uma bandeira arco-íris chamou minha atenção. Ali, uma pequena editora chamada Ylva, dedicada a títulos sáficos, tinha uma frase curiosa em um panfleto: "Safo leria romances lésbicos". Abri um sorriso. Curioso para saber mais sobre a editora, perguntei a uma das funcionárias presentes quem ali falava inglês. Foi a própria fundadora quem me atendeu.

Orgulhosamente celebrando histórias de amor entre mulheres, a Ylva traz um catálogo em alemão e inglês que busca suprir o vácuo de representação lésbica no mercado editorial local. Entre as apostas, livros com finais felizes, em que as identidades destas mulheres não eram negadas ou arrastadas à infelicidade, à tragédia inescapável. Pessoas LGBTQIAP+, afinal, também merecem seus clichês românticos.
A Ylva esteve na Feira do Livro de Frankfurt antes da pandemia de Covid-19. Mas a aposta na feira não foi expressiva para a editora. Astrid se sentia intimidada em um ambiente que ela encarava como ‘conservador’, reticente ao universo sáfico. “Este ano, com o novo pavilhão New Adult e com os jovens leitores aqui, decidimos investir. Hoje temos um estande de 16 metros quadrados extremamente bem-sucedido, todos os jovens estão super felizes!” A Ylva não estava sozinha; o estande vizinho, da editora Second Chances, publicava exclusivamente romances aquilianos.
Mas como Astrid, dona de uma editora lésbica independente, via a publicação cada vez maior de títulos queers pelas grandes editoras? “Para nós, pequenas editoras queer, é curioso. Nós estamos aqui há muito tempo. Por que ninguém nos notou antes? Bem, por causa do orçamento de marketing, claro”, ironizou. “Mas, por outro lado, estar aqui e ver que vendemos centenas e centenas de livros para jovens, alguns com lágrimas nos olhos ou um grande sorriso no rosto, faz a diferença. A nova geração é mais aberta e empolgada para ler mais livros diversos.” Apesar de resultados assustadores nas últimas eleições na Alemanha, com jovens apoiando partidos de extrema-direita, Astrid acreditava na mudança e na perspectiva de um futuro promissor. Principalmente, acreditava no poder de influência político da literatura queer.
No final da nossa conversa, empolgada em ouvir sobre as conquistas da literatura com protagonismo LGBTQIAP+ no Brasil, Astrid não me deixou sair do estande sem um de seus livros. O escolhido foi The red files, de Lee Winter, romance entre duas jornalistas rivais que precisam colaborar para contar a história de suas carreiras. Uma bela lembrança de Frankfurt.
Saí do pavilhão e me reencontrei com Fee Poppins, minha anfitriã, embaixo de uma árvore amarelada pelo outono na ágora de Frankfurt. Sua aquisição da feira havia sido um livro com fotografias de recados engraçados deixados nas ruas, um presente para o pai. Fee estava curiosa: a feira havia sido inspiradora o bastante para mim? Boa pergunta. Estar ali ainda era inacreditável. Pensei em todos os astros que se alinharam para que aquela viagem acontecesse. Pensei na minha carreira, nos meus leitores e na recente publicação do meu primeiro romance em Portugal. Sim, eu estava feliz com Frankfurt. E, de certo modo, tinha a sensação de que não seria minha última vez.
Um dia depois, me despedi de Fee. "Vou deixar seu lugar guardado aqui em casa para a próxima feira do livro quando você vier de novo", ela garantiu. Eu a abracei e, enquanto descia as escadas do apartamento, lembrei que não havia perguntado sobre as tentativas de quebra de recordes mundiais no domingo. "Ah, todas deram certo! Agora a Alemanha tem seis novos recordes mundiais". Graças à Feira do Livro de Frankfurt.




