[Nota do editor: O autor Pedro Rhuas esteve presente na 76ª Feira do Livro de Frankfurt e compartilha sua experiência com os leitores do PublishNews em uma crônica dividida em três partes - mas que podem ser lidas de forma independente. A primeira, que narra um encontro de Pedro com uma brasileira que mora na Alemanha e vê o português como herança a ser repassada para as gerações seguintes, você lê a seguir. Os outros dois relatos serão publicados ao longo da próxima semana]
A névoa fria do domingo me abraçou quando parti para o meu único dia na maior feira literária do mundo. Bem agasalhado e tomado pela adrenalina que antecipava a realização de um grande sonho, ignorei a sensação de chegar tarde demais a Frankfurt — especialmente por ter perdido a Caipirinha Hour no estande brasileiro dias antes — e mergulhei na busca de histórias que só viriam ao meu encontro ali mesmo, no fim da festa.

Me somei à multidão que rumava à entrada da feira, embalado pela cacofonia dos idiomas, meus olhos registrando as fantasias criativas dos cosplays… Mas como explicar que apenas a presença física dava conta de mensurar a enormidade do evento? A Feira do Livro de Frankfurt impressionava na multiculturalidade, na extensão dos pavilhões e nos incontáveis estandes. O mundo estava ali. Presente. Em livros. E histórias.
A procura pelo pavilhão do Brasil me fez atravessar o enorme Asia Stage, onde fui recebido por estandes belíssimos como o do Japão e Filipinas. Na grande China, o presidente Xi Jinping sorria carismático em capas de livros. Os estandes das editoras estadunidenses, como Macmillan e Scholastic, eram mais convencionais, e a Penguin Random House, com títulos a 50% de desconto na queima de estoque do último dia, atraía filas de leitores ávidos.
Quando por fim achei o Brasil, abri um sorriso diante do verde vibrante da nossa logo dinâmica, nada sisuda, que despertava saudade de casa. Passei pelos títulos brasileiros expostos, que iam desde indicados ao Jabuti, como A vida e as mortes de Severino Olho de Dendê, do baiano Ian Fraser, a romances juvenis. Observei uma jovem alemã fluente em português levar empolgada Mensageira da sorte, de Fernanda Nia. E enquanto me apresentava às expositoras presentes no estande, cansadas da maratona de Frankfurt, descobri o fantástico destino dos livros que não fariam o caminho de volta para casa.
Mala de herança

Quem me apresentou à Andréa foi Rayanna Pereira, da Câmara Brasileira do Livro (CBL), quando indaguei o que acontecia com as obras que sobravam no último dia do evento. “Nós estamos aqui espalhando nossa cultura e gerando interesse pela literatura brasileira, por isso, as editoras deixam os livros para doação à biblioteca do Instituto Ibero-Americano e clubes de livros que usam o português como língua de herança, como o projeto Mala de Herança”, me explicou Rayanna.
Quis saber mais. No frenesi de Frankfurt, conversei com Andréa Heath enquanto ela me mostrava o Pavilhão de Literatura Infantojuvenil. Encantada pelo que faz, Andréa partilhou comigo a importância do Mala de Herança, ferramenta que une pais e filhos em uma aventura em que o livro é o elemento que fortalece a ligação das famílias com o Brasil. “A literatura é fundamental porque é a base da formação da linguagem”, disse Andréa, sorridente, me entregando um dos cartões da Mala de Herança; “EU FALO PORTUGUÊS”, estampava, com expressões brasileiras traduzidas para o alemão.
“Eu tenho três filhos, dois deles nasceram na Alemanha. Todos os dias à noite nós líamos capítulos de livros em português para que eles não esquecessem do idioma.” De fato, Andréa não estava disposta a deixar seu idioma de afeto apagar-se com o tempo, especialmente em família. Foi sua estratégia como mãe. E logo viraria, de forma organizada, a de outros pais e educadores; uma rede agregadora que se expandia para outros países.
Uma das autoras parceiras da Mala de Herança era Fátima Nascimento, uma baiana com estande próprio na Feira do Livro de Frankfurt. Era para conhecê-la que Andréa agora me levava.
Essa história continua na segunda parte do diário de Pedro Rhuas na Feira do Livro de Frankfurt, aqui no PublishNews.




