Desde que a Pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro começou a apurar os números do segmento, há cinco anos, ele segue em evolução. Nesse tempo, o faturamento das editoras com o conteúdo digital apresentou crescimento de 158% em termos reais – e em relação a 2022, o faturamento teve alta nominal de 39%, com um crescimento real de 33%.
Apesar desse avanço, em 2023, o conteúdo digital – e-books e audiolivros – ainda representa 8% do faturamento total das editoras. Um crescimento de 2 pontos percentuais em relação ao ano anterior, mas que já é visto com otimismo por profissionais do setor. “Me chamou a atenção, porque no período da pandemia, que eu esperava que isso tivesse acontecido, não aconteceu. Agora estou bastante curioso para ver se esse patamar vai continuar se movendo e se o digital vai continuar a ter importância crescente no share”, comentou Dante Cid, presidente do SNEL e vice-presidente da Elsevier.
O crescimento do digital foi fundamentalmente puxado pelo desempenho das plataformas educacionais e bibliotecas virtuais, que registraram alta nominal de 68% e 59%, respectivamente. “Temos visto, principalmente no ensino superior, um crescimento expressivo das plataformas digitais”, comenta Flavia Bravin, diretora da Saber e membro do conselho da Minha Biblioteca. “A Minha Biblioteca é a maior prova disso: difícil achar uma IES grande, representativa, que não ofereça MB para seus alunos. O fato de que, com uma assinatura, o aluno pode ter acesso a todos os livros do seu curso e adicionalmente milhares de outros para pesquisa, trabalhos, aprimoramento profissional fez toda a diferença para a disseminação das bibliotecas digitais”, avalia.
“A Minha Biblioteca está em mais de 80% das universidades brasileiras e embora a gente veja cada vez mais a evolução para o mercado digital, ainda temos muito a evoluir", comprova Giselle Guimarães Ramos, CEO da Minha Biblioteca. A profissional explica ainda que no livro digital é possível avaliar o está sendo lido e o quanto conhecimento está sendo consumido. "Saímos de 316 milhões de pageviews em 2022 para 348 milhões em 2023, ou seja, temos um longo caminho a trilhar. Para 2024 já temos uma tendência de crescimento superior a 2002-2023, uma vez que apenas no primeiro quadrimestre atingimos 145 milhões de pageviews”, adiantou ao PN.
Aliado a isso, vale destacar também a importância do digital para o subsetor CTP (científicos, técnicos e profissionais) e sua mudança de estratégia com a consolidação das bibliotecas virtuais. “Essa mudança tem possibilitado que as editoras estanquem as perdas registradas com livros impressos”, analisa Mariana Bueno, coordenadora de pesquisas econômicas e setoriais da Nielsen BookData.
O comentário é validado por Dante. Em sua análise, o avanço do digital no CTP começa a reverter a queda que já se dá há mais de dez anos. “A impressão geral é que o subsetor atingiu o fundo do poço com a venda do impresso e com isso o crescimento do digital passou a ser suficiente para que o crescimento geral deixe de ser negativo. Não que seja algo estritamente a se comemorar, porque se deu às custas de um decréscimo absurdo, mas felizmente o mercado está encontrando uma alternativa”, avalia.
Dante comenta ainda que na Elsevier – que tem seu conteúdo majoritariamente voltado ao segmento do ensino superior, pós-graduação e pesquisa – essa migração para o digital já aconteceu há alguns anos e hoje está na faixa de 90%. “Nós só entregamos impresso sob demanda. Não há mais venda e distribuição do impresso de forma antecipada. Os usuários já estão acostumados e adaptados à leitura no digital. A gente sabe que é uma dinâmica bem diferente de Obras Gerais, Religiosos, Didáticos, mas é uma tendência que já se estabeleceu na literatura mais científica”, explica.
E-book x Audiolivros
Do acervo total de 120 mil títulos digitais produzidos pelo setor editorial brasileiro, os e-books representam 93% e os audiolivros apenas 7%. Além disso, na categoria à la carte – ou seja, quando há a comercialização de uma unidade inteira de e-book ou audiolivro – a evolução do faturamento das editoras apresentou crescimento real de 18%. No caso dos e-books, o faturamento cresceu 17% em termos reais.
Vale destacar ainda que, com esse modelo, as editoras faturaram R$ 162 milhões, ou seja, 48% dos R$ 339 milhões faturados com conteúdo digital. Além disso, é um modelo que parece funcionar melhor para e-books do que para audiolivros. Das 11,5 milhões de unidades vendidas no à la carte, 97% são e-books.
“Em minha opinião, falta ainda criar um mercado consumidor de audiolivros no Brasil, e para isso é preciso, entre outras coisas, de muito investimento em ações de marketing e publicidade, como acontece e aconteceu em mercados mais maduros”, comenta o consultor e embaixador de áudio na Feira do Livro de Frankfurt, Carlo Carrenho. Para ele, após análise dos números, fica “absolutamente claro que o audiolivro ainda não aconteceu no Brasil dentro do mercado tradicional digital”.Fabio Uehara, diretor-editorial da Tocalivros, completa: "Os audiolivros, mesmo em outros mercados, tem a predominância da assinatura. Creio que o costume de outras formas de consumo de música, filmes e etc, seja mais atraente para o ouvinte de audiolivros".
De fato, a participação do áudio no modelo de assinatura – que apresentou crescimento de 24% em relação ao ano anterior – é maior, chegando a 34% (enquanto e-books, 66%).
“A esperança é que empresas como Audible e, quem sabe em um futuro próximo, Spotify ou mesmo Deezer façam isso. No atual momento, a compra de audiolivros pelas empresas de telefonia e de serviços para disponibilizá-los a seus assinantes têm sido fundamentais para permitir a produção de audiolivros, o estabelecimento de um catálogo em português e a formação ainda que iniciante de um público audioleitor”, finaliza. A Audible completou recentemente sete meses de operação no Brasil, com um catálogo de 600 mil títulos, sendo 5 mil em português.
Apesar do crescimento do digital, vale lembrar que ele está atrelado ao impresso, em uma relação de proporção. “Em 2023, o mercado de conteúdo digital representou 8% do faturamento das editoras em relação a um mercado que apresentou queda nominal de 1%. Ou seja, essa relação digital e impresso não depende única e exclusivamente do desempenho de digital, ela também depende do desempenho do mercado de livros impressos e os 8% são referentes ao total do mercado, digital mais impresso, não digital versus impressos”, lembra Bueno. “Se amanhã, por qualquer razão, o mercado de livros impressos apresentar um crescimento significativo, decorrente por exemplo do lançamento de um novo Harry Potter, ou algum outro fenômeno de venda, como foram os livros de colorir, a participação de digital pode sofrer uma redução, mas isso não significa necessariamente uma queda no faturamento das editoras com o mercado de conteúdo digital”, explica.
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