As novas tecnologias contribuem significativamente para a alteração das relações sociais; os telefones de Graham Bell alteraram o modo de comunicação entre as pessoas, o motor a explosão praticamente suprimiu a tração animal nos transportes urbanos, a eletricidade permitiu a vida noturna nas cidades e a televisão introduziu o mundo dentro de casa, sem falar na revolução do computador e internet.
Assim também ocorre com os ilícitos ligados a novas tecnologias. O computador e o armazenamento de dados propiciam o furto de conteúdo imaterial, o cartão de crédito permite fraudes, a inteligência artificial cria clones de imagem de pessoas, com aparência e voz idênticas.
Mas um novo fator surge no panorama dos comportamentos típicos - ou atípicos - da sociedade. Em tempos de crescente evasão de privacidade - as pessoas cada vez mais se expõem nas redes sociais - ganha destaque o Pecado Capital da soberba, mãe da vaidade, apontada como preferido por Al Pacino, na última fala do filme O Advogado do Diabo.
Meta buscada por inúmeros anônimos, a qualquer preço, a notoriedade nas redes sociais e meios de comunicação em geral embriaga, a ponto de justificar condutas notoriamente ilegais.
Vaidade - como aponta Rebeca Garcia na ótima monografia, Plágio no Direito Autoral (Ed. Lumen Juris) - é um dos fatores geradores de plágio. E acrescento, esse pecado capital surge simultaneamente como fator impulsionador e meta, na medida em que visa a notoriedade rápida e ampla, em movimento de retroalimentação.
Na receita que compõe o título deste artigo inclui-se a inteligência artificial generativa, ainda na idade da pedra polida, que permite a confecção de obras literárias e visuais, com a utilização de criações pré-existentes.
Surge, então, a figura do plágio mosaico, internacionalmente identificada (mosaic plagiarism, plagiat en mosaïque, Mosaikplagiat), que nada mais é que a junção ordenada de frases de terceiros, agrupadas em outras obras, integrando ou compondo, de modo aparentemente coerente, nova obra literária.
O já velho “copia e cola” evoluiu, tecnicamente, para o Frankenstein harmonizado. Aliás a “harmonização” se popularizou e os rostos (que aparecem na tela) seguem um abominável padrão orofacial que vem sendo construído, é o chat GPT da face.
Em tempos de identificação da originalidade de livros por meio da comparação de arquivos digitais, o plágio de obra inteira não mais tem a relevância que tinha quando, nos séculos 18 e 19, por exemplo, até que se descobrisse a cópia de um livro, muito pouco poderia ser feito, já que o lento transporte e as comunicações precárias dificultavam medida judiciais, a prevenção ou a repressão de plágio de obra completa ou toscamente disfarçada.
O conceito de plágio mosaico é mais sofisticado – pois pode abranger a extração de citações de várias obras, em pesquisa por tema nos sites de busca na internet - e já é uma realidade; universidades têm manuais para coibir essa prática, que em última análise não necessariamente é geradora de recursos financeiros para os “autores”, salvo em poucas e mal afamadas instituições educacionais.
Pode-se dizer que as frases mineradas em livros de terceiros nem sempre causam queda de vendas para o plagiado, mas para o extrator geram resultados palpáveis, se não de comércio, mas de ambicionada notoriedade; um caso típico de estelionato intelectual e violação de direito de autor.
O que move hoje em dia a utilização fragmentada de conhecimento produzido por terceiros é basicamente o orgulho, a vaidade, a soberba, a ânsia cega pela fama fácil.
Nada contra a vaidade! Mas desmesurada... A frase de Paul Valéry “Elegância é a arte de não se fazer notar, aliada a cuidado sutil de se deixar distinguir” não combina com a métrica de likes, curtidas, cliques e emojis.
Então, assim como surgem novos tipos penais, que justificam constantes revisões legais, é necessário atentar para esse conceito, o do plágio mosaico.
Acostumado ao furto de objeto material, o Judiciário ficou perplexo quando surgiu a figura do furto de conteúdo, já que a cópia não autorizada de dados de um computador não significava que os mesmos fossem completamente extraídos, suprimidos da fonte, mas sim reproduzidos indevidamente. O mesmo está ocorrendo, de certa forma, com o plágio mosaico.
Geralmente escudados nas exceções que permitem a cópia de pequenos trechos de obra literária (lei 9610/98, art. 46, II e VIII), “mosaicistas literários” reproduzem, em obras que publicam em seu nome, vários snippets de obras de terceiros, sob uma frágil barreira pré-fabricada de legalidade. Abusam do “pequeno” – conceito variável - número de citações, sem aspas, nem identificação da autoria e fonte, e cometem enormes compilações.
Ora, novas tecnologias, novos ilícitos; a meta para muitos é a notoriedade e para tal, alguns se valem de tudo. Multiplicam-se os sites e programas de detecção de plágio; muitas universidades identificam o problema e só permitem a realização de trabalhos em sala de aula, sem conexão com a internet.
Visando a desintoxicar crianças, cresce no mundo o número de países em que escolas adotam como regra a retenção dos celulares durante o período de permanência dos alunos no colégio.
Talvez preguiça, mas certamente a vaidade, aliada ao mecanismo de utilização crescente e simplificada de publicação direta pelos autores, e ainda a inteligência artificial generativa, permitem que livros sejam produzidos em quantidade, mas sem o controle de originalidade e qualidade.
Importante a consciência desse tipo de conduta, que não se encaixa precisamente no molde tradicional de plágio, mas é danosa como o furto de centavos de várias contas de um banco, tornando o beneficiário rico. No plágio se agrava a conduta, pois a moeda furtada é a incalculável criação intelectual do ser humano, indevidamente utilizada por terceiros.
Inovações trazem benefícios e malefícios; é o ser humano exteriorizando suas características, boas e más. A sociedade hoje é fragmentada e assim vão se desdobrando os comportamentos.
Leiam muito! Escrevam muito! Mas ao citar, por favor, moderação, aspas e fonte.
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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