IA na pesquisa científica: o fim de uma carreira ou poderosa aliada
PublishNews, Dante Cid*, 19/09/2023
Debate sobre os limites éticos e a confiabilidade do uso da IA na pesquisa está em plena ebulição e vem movimentando fóruns de discussões no meio acadêmico

“Impacto nas tomadas de decisão na esfera acadêmica e nos âmbitos da indústria e do governo; erosão da credibilidade científica com diminuição de financiamentos e perda de confiança da sociedade na pesquisa acadêmica; prejuízo à reprodutibilidade, que é parte fundamental do método científico; riscos à saúde e à segurança pública em campos como a saúde e a engenharia, por exemplo; desvalorização da expertise, do julgamento e da análise crítica de pesquisadores humanos; disseminação de desinformação e aumento da circulação de informações falsas”.

Esses foram os pontos elencados pelo ChatGPT quando solicitado a dissertar sobre as consequências, para a sociedade, de artigos científicos escritos com uso de ferramentas gerais de inteligência artificial (IA) baseadas em dados não revisados (isto é, ainda sem checagem de informações e de referências). Como a autoria é do GPT, apliquei aspas e citei a fonte. A fonte dessa busca, claro, porque a origem dos conteúdos apresentados pela IA ainda não saberemos, ao certo. Pelo menos até este mês de setembro de 2023. A velocidade das transformações pede que seja feita essa consideração.

O GPT ainda comete erros crassos quando o assunto é indicar referências para o que acaba de localizar. E referências falsas, por si só, já anulariam qualquer artigo científico. O lado B dessa inteligência artificial inclui ainda a construção de narrativas com inverdades, informações defasadas, manipulação de resultados e violação de direitos autorais. Não é pouco. As consequências para o pesquisador iriam da perda do seu título, cancelamento do financiamento, processos na esfera civil e, em alguns países, até na penal. Ou seja: fim de uma carreira.

O debate sobre os limites éticos e a confiabilidade do uso da IA na pesquisa científica está em plena ebulição e vem movimentando fóruns de discussões no meio acadêmico, no Brasil, mais intensamente este ano, quando o acesso ao ChatGPT foi liberado no país. Ótimo. Quanto mais falarmos do tema, melhor.

Mas existe o outro lado da moeda, como todos nós sabemos. A inteligência artificial, cada vez mais, tem contribuído para os avanços em diversos campos do conhecimento, para a nossa vida cotidiana, enfim. E na pesquisa científica, a IA pode ser de enorme valia se, primeiramente, o acervo do qual o robô lança mão para apresentar seus resultados for composto de artigos científicos já validados por pares e, claro, publicados em periódicos idôneos.

Esse é um ponto crucial, visto que há revistas científicas conhecidas como “predatórias” – tema, inclusive, de uma mesa-redonda recente em que participei na 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sobre periódicos sem legitimidade.

Já existem plataformas profissionais de informação STM (Science, Technology and Medicine) no mercado que juntam o útil ao essencial, o que as diferencia amplamente das plataformas gerais de IA usadas pela população e, infelizmente, por alguns pesquisadores desavisados ou mal intencionados. As respostas dadas pelas ferramentas científicas – disponíveis em instituições de ensino superior e agências de fomento – não são baseadas em dados gerais disponíveis na web, mas em material validado por outros pesquisadores.

A inteligência artificial reforça, portanto, a importância das empresas de informação científica, que além de contarem com um volume avassalador de publicações técnicas de alta qualidade, também têm o filtro de pesquisadores humanos.

Mas, em meio à infinidade de respostas dadas, devidamente referenciadas, quais as mais relevantes para aquele trabalho de pesquisa? A inteligência artificial aplicada às plataformas de informação científica também resolve esse problema, já que a produção acadêmica aumenta exponencialmente em todo o mundo e os resumos e compilações são fundamentais. Esses atalhos ajudam, especialmente, tanto os pesquisadores jovens, que ainda não estão familiarizados com títulos de periódicos mais confiáveis em sua área, quanto os mais experientes que começam uma nova linha de pesquisa ou uma nova colaboração, com disciplinas distintas daquelas que ele tem mais contato.

O avanço da IA no campo da produção de conteúdo pressionou, também, o desenvolvimento de mecanismos para perguntas mais coloquiais nas plataformas de informação científica. Hoje, é possível pedir “quais são os últimos avanços em nanotecnologia aplicada à resistência de materiais” e ser entendido pela inteligência da ferramenta de busca científica, sem necessidade de incluir e excluir termos até chegar ao resultado desejado. O trabalho hercúleo de pesquisadores em todo o mundo ficou mais ágil e mais fácil.

Tudo isso nos leva a concluir que a transformação tecnológica só é capaz de corromper a honestidade intelectual se um humano permitir. Somos nós, ainda, quem decidimos.


*Dante Cid é vice-presidente de relações acadêmicas da Elsevier na América Latina e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).

[19/09/2023 12:00:00]