Diário de Sharjah. Dia 2: despertado pelas mesquitas, rodeando o Nobel de Literatura
PublishNews, Leonardo Garzaro*, 02/11/2021
As expectativas e primeiras atividades do segundo dia na Feira do Livro de Sharjah

Dei o ponto final no primeiro texto e me deitei para descansar. Eram duas horas da manhã. Como tinha ficado acordado por mais de 24 horas, achei que não conseguiria levantar, então, além do despertador, pedi na recepção que me acordassem às sete. Não foi preciso: às cinco da manhã o som da mesquita do outro lado da avenida, chamando para a primeira oração, inundou o quarto. O som toca, discreto. Silencia. Depois novamente, mais intenso. Outro silêncio. Depois novamente, ainda mais alto. Como há outra mesquita próxima, os sons se multiplicam, e acabei levantando. Ao trabalho!

Comecei o dia com alongamentos e revisando o miolo de um título que vamos publicar em novembro — vida de editor. Devolvi o arquivo para o Vini, diretor de arte, e fui tomar café da manhã, o estômago doendo de fome por conta de algum efeito curioso da diferença de fuso. Não tenho mais 20 anos, quando bastavam poucas horas para estar recuperado do jet lag. Com mais de 30, não me adapto mais como o relógio do celular, que mal pisou aqui e já estava no fuso local, inclusive informando a temperatura (sempre quente. Às nove da manhã o termômetro já batia os 30 graus).

Eu havia marcado de tomar café da manhã com a super competente Fernanda Dantas, do Brazilian Publishers, às oito, contudo às seis já havia provado tudo que havia no buffet. Voltei no horário combinado para um discreto café com leite. (Fernanda deve ter pensando que eu estou de regime. Mal sabe ela que duas horas antes havia devorado ovos com bacon e salsichas alemãs a confeitos de chocolate). Ela me contou sobre um editor do Equador que está interessado em autores brasileiros. Também falamos de outros nomes que ela me prometeu apresentar. A experiência dela nesse tipo de evento se destaca, enquanto fico com receio de ficar perdido e não conseguir aproveitar direito. Como minha agenda do dia tem muitos horários vagos, combinei de ficar na mesa dela, quando estivesse sem reuniões.

O ônibus nos apanhou pontualmente na porta do hotel. No caminho, conheci o Gio, editor da Geórgia, que ficou fazendo piada de tudo e elogiando o Brasil. Gente boa. Puxei assunto sobre a venda dos títulos da Rua do Sabão e ele respondeu “estou aqui para isso”. Ai ficou melhor ainda. De dentro do ônibus mesmo passei por e-mail o catálogo. Vamos ver o resultado.

Fomos recebidos numa enorme tenda, refrigerada. Na entrada ganhamos um simpático brinde, uma carteira que é também um carregador de celular. Bacana. Um editor de Londres fez um trocadilho com as palavras charger e Sharjah. Ninguém viu muita graça — humor inglês. Na dúvida, cumprimentei, troquei cartões e falamos sobre reunir mais tarde. Pronto. Dois editores estrangeiros contatados antes da primeira palestra.

As palestras, aliás, foram ótimas. Na feira do livro de Sharjah, o dia começa por elas. Sentado ao lado do Gio, assisti os colegas editores de quatro países contarem suas experiências como independentes. Se a pandemia foi difícil para os editores franceses, pensem nos brasileiros. Mas o ponto alto, sem dúvida, foi a segunda palestra, quando Lola Shoneyin, Petina Gappah, Yvonne Adhiambo Owuor e Angela Wachuka falaram sobre a descolonização das narrativas. Estavam bem humoradas, gracejando, e encantaram a todos.

Estava presente na palestra o Nobel de Literatura de 2021, Abdulrazak Gurnah. Rodeado por jornalistas, atendia os pedidos para fotos e selfies. A Talita Facchini, do PublishNews, surgiu do meu lado e disse “é sua chance de ficar perto de um Nobel”. Pensei “tirar foto com ele”, “não tirar foto com ele”, “tirar foto com ele”, “não tirar foto com ele”. Decidi. Sim! Vamos nessa! Pedi para que a Talita fosse por um lado, enquanto eu ia pelo outro, nós dois cercando o Nobel. O plano era que, na hora em que me postasse ao lado do Abdulrazak Gurnah, a Talita já teria driblado fotógrafos, autores, editores, sheiks e curiosos para conseguirmos a foto, tudo isso sem tropeçar nos cabos. Estava a dois passos do alvo quando Abdulrazak Gurnah se cansou daquilo e disse para um assistente "Let’s go". Fiquei sem minha foto. Na próxima vez, é agir duas vezes antes de pensar.

Pedi ajuda para o pessoal do TI para conectar no Wi-Fi, apanhei um café e fui para minha mesa, a 257. Cinco reuniões me esperam. Vamos ver o que me oferecem de bom, mas espero mesmo conseguir vender ao menos um livro da editora para um editor estrangeiro. Notícias em breve!


* Leonardo Garzaro é jornalista, escritor e editor da Rua do Sabão. À parte isso, tem em si todos os sonhos do mundo.

[02/11/2021 08:00:00]