O que a Inteligência Artificial pode fazer pelos editores
PublishNews, Fernando Tavares*, 03/03/2020
Em seu artigo, Nando Tavares explica como os sistemas automatizados podem ajudar os editores e como utilizá-los da melhor maneira possível

Não se engane. Inteligência Artificial (IA) não é apenas mais um buzz word. Ela chegou para ficar e está transformando o modo como nos relacionamos com as informações. Textos e falas são fontes de dados e o mundo editorial precisa entender como utilizar esta tecnologia.

Como você está se preparando para isto?

Talvez o título correto deste post deveria ser: o que os editores podem fazer com a Inteligência Artificial. Isto porque ela não é um monstro e nem uma entidade que vive por si só (ao contrário do que a literatura de ficção nos ensinou!) mas é sim, uma ferramenta tecnológica, como tantas que já possuímos e outras que irão surgir. O diferencial é que ela pode nos ajudar com aquelas tarefas, chatas e repetitivas, que roubam nosso tempo e criatividade. Ela facilita nossas vidas e é capaz de trazer insights úteis analisando uma quantidade imensa de dados (o tal big data). Estas informações nos ajudam a entender tendências, comportamentos, organizar dados e entender melhor o mundo ao redor de nós de uma forma que não conseguiríamos fazer sem ela.

Então, Inteligência Artificial não é um botão mágico que resolve tudo. É uma área de estudo; um software; um programa; uma ferramenta que nos ajuda a trabalhar melhor.

Mas afinal, o que entendo por inteligência artificial? Existem muitas definições, mas a minha preferida é a que afirma que a Inteligência Artificial é a teoria que estuda e desenvolve sistemas computadorizados, capazes de executar tarefas que normalmente requerem uma inteligência humana, como por exemplo percepção visual, reconhecimento de fala, tradução, decisões e compreensão de texto.

Outra definição bem semelhante é a de Richard Bellman que em 1978, definia a Inteligência artificial como: Automatização de atividades que associamos ao pensamento humano, como a tomada de decisões, a resolução de problemas, o aprendizado. (Bellman, 1978)

Em geral é fácil confundir Inteligência Artificial com Aprendizagem de Máquina (Machine Learn). Esta última é na realidade uma sub-área da Inteligência Artificial, e se caracteriza por ser o estudo de algoritmos e modelos estatísticos que sistemas computadorizados utilizam para realizar uma tarefa específica sem instruções explícitas, baseando-se em padrões.

O tema é bem amplo, mas vou simplificar focando em apenas uma área da Inteligência Artificial (IA) que pode impactar muito o mercado editorial: a NLP (Natural Language Processing) ou em português Processamento de linguagem Natural (PLN).

Esta é a área da IA que estuda sobre a habilidade do computador de entender, analisar, manipular e potencialmente criar linguagem humana. Portanto, tem tudo a ver a com manipulação, análise, compreensão e criação de livros.

Sei que para um editor/autor a primeira coisa que vem em mente é a ideia de que o computador irá substituir o autor, ou algo assim, mas não é este o foco principal do Processamento de Linguagem Natural (NLP). Como já falei, ele é um modo de extrair informações de texto, manipular formatos, e sim, até criar informações textuais que nos ajudem em tarefas práticas.

Chatbots

O Processamento de Linguagem Natural pode ser utilizado para criar chatbots “inteligentes” que ajudam no atendimento, 24 horas por dia, das demandas dos clientes/leitores. É uma tecnologia utilizada por muitas empresas, quem nunca recebeu um telefonema de um robozinho cobrando ou pedindo informações?

Estes softwares (ao menos os mais sofisticados), utilizam o Processamento de Linguagem Natural para analisar as frases e encontrar as respostas mais adequadas. É um campo em constante desenvolvimento e que irá fazer ainda muitos progressos. Existem muitas pesquisas na área, como por exemplo, algumas dedicadas a ensinar o computador a entender ironia em textos. Apesar dos progressos, a linguagem humana é muito complexa e ainda os resultados não são dos mais brilhantes.

Porém, quando bem construídos os resultados de um chatbot são muito bons: a título de exemplo basta citar o Alexa, ou o Google Assistant.

Um chatbot pode, por exemplo, ajudar no marketing da editora. Na realidade esta é a área onde são mais utilizados atualmente. Não faltam sites que ajudam você a criar o seu próprio chatbot sem conhecer linguagem de programação.

Um bom chatbot pode interagir com os fãs de um livro ou de um autor, levando informações úteis e inteligentes em tempo real. É possível inclusive criar chatbots que permitam conversar diretamente com os personagens de uma série, de um livro ou criar uma narrativa interativa como a proposta pelo Authorbot. Enfim, são ferramentas úteis no trabalho de divulgação e engajamento com o público leitor.

Obvio, não existe milagre, portanto estes chatbots precisam ser bem construídos, com um bom planejamento, dedicação e tempo.

Metadados e análise de textos

A chave para que um livro seja descoberto no mundo on-line, são os metadados e todo editor sabe o quanto é importante manter atualizadas estas informações. Sabemos também da dificuldade em fazer isto, data necessidade de empresas especializadas, como a Metabooks e outras.

Neste âmbito um algoritmo de inteligência artificial pode analisar o texto e gerar automaticamente as melhores tags, ou aquelas que melhor atingem a audiência desejada. Inclusive é possível fazer com que o computador classifique automaticamente o texto e te ajude a encontrar a melhor categoria BISAC ou Thema para o livro.

A análise de texto, em especial a chamada análise de sentimentos, pode ser aplicada na classificação dos reviews dos livros, nos comentários deixados pelos leitores ou nos tweets postados, trazendo assim dados sobre os temas mais comentados no momento, ou sobre os sentimentos que estão sendo suscitados por um título/livro/temática. A análise destes comentários pode ser feita em minutos enquanto a leitura por um humano levaria muito, muito mais tempo (e paciência).

Ainda dentro da área de classificação de textos, grandes editoras recebem continuamente manuscritos de autores novos e a maioria deles não são lidos. Um sistema de Inteligência Artificial pode analisar estes manuscritos e descartar logo de início os que tenham plágio, sejam mal escritos (tecnicamente falando) ou não correspondam à linha editorial da editora. É possível comparar os textos com as tendências do momento indicando os que tem mais chances de ter sucesso nas vendas.

No setor de transformação de texto em fala, e portanto relacionada a livros acessíveis e audiobook, não podemos deixar de observar o quanto a Inteligência Artificial tem feito. Hoje utilizando um serviço como o Amazon Polly ou o Google Voice é possível ter a leitura de modo quase perfeito. Ah, uma curiosidade sobre chatbot que falam: quando você conversa com o teu assistente Google (ou Alexa, ou Siri), o computador transforma a tua voz em texto, analisa o texto e devolve a resposta em texto, que por sua vez é convertida em voz novamente.

Produção e automação

Esta é área pela qual mais me interesso. Neste campo a IA pode realmente fazer a diferença, sobretudo melhorando a qualidade técnica da produção dos livros.

A maior parte do processo de diagramação de um livro impresso ou de conversão para livros digitais, pode ser automatizada de modo eficiente, deixando para o diagramador somente o trabalho criativo. Quem nunca se deparou com o imenso trabalho repetitivo, de ter que importar para o InDesign um documento Word e aplicar manualmente a formação para depois ter que recomeçar o trabalho por algum erro ou troca de arquivo por parte do editor/autor? E se este processo tedioso fosse feito de modo automático, deixando para o diagramador/designer apenas o trabalho de criar um design significativo?

Melhorar o fluxo de produção é uma tarefa importante neste mercado, sempre mais competitivo e que está mudando rapidamente. É muito custoso produzir livros sem um fluxo de produção claro e eficiente. Editores, designers, diagramadores e autores: vamos trabalhar nisso.

Precisamos desfrutar as ferramentas que já possuímos e criar novas que utilizem os novos recursos tecnológicos para otimizar o trabalho editorial. Empresas estão investindo com iniciativas neste sentido não apenas na questão da produção, mas também na inovação que o mercado editorial pode oferecer utilizando os recursos de Inteligência Artificial.

A utilização de Machine Learn e de Inteligência Artificial na produção de livros digitais e/ou no processo editorial como um todo é uma tendência que vem crescendo no exterior. Inclusive alguns eventos estão abordando o tema como o Tech Forum, o EDRLAb, a Feira de Frankfurt.

O que tenho observado aqui no Brasil é que neste percurso de utilização de sistemas mais automatizados precisamos antes de mais nada criar e implantar uma cultura de processo de produção e uma cultura mais colaborativa entre as equipes, porque ao contrário do que todo mundo imagina, a Inteligência Artificial não vai roubar empregos. Existe uma grande falta de mão de obra qualificada e, em muitos casos as empresas não conseguem qualificar as próprias equipes. Mas este é tema para outra conversa.


* José Fernando Tavares é paranaense, trabalha com livros digitais desde o início de 2009 e é o embaixador do Business Club da Feira do Livro de Frankfurt no Brasil. Fundou a Booknando, uma empresa voltada às novas tecnologias e à educação corporativa. Cultiva a ilusão de que a leitura irá ajudar as pessoas a mudarem o mundo para melhor e a tecnologia pode contribuir para isso. É especialista em Tecnologias para negócios (PUCRS) e mestrando em Ciências da Computação (UEM-PR). Nunca rejeita uma boa macarronada e um bom vinho!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews

[03/03/2020 08:00:00]