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PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 10/02/2020
Gustavo Martins explica a polêmica em torno do Audible Captions, sistema criado pela Audible e que foi criticado por editoras americanas em 2019

Um acordo judicial perante o Tribunal Distrital Sul de New York repercutiu intensamente no mercado editorial mundial, na semana passada. A Associação de Editores da América (AAP - Association of American Publishers) anunciou junto com a Audible (empresa do setor de audiobooks da Amazon) acordo relativo ao sistema audiocaptions. O processo 1:19-cv-07913 é presidido pela Juíza Valerie E. Caproni, nomeada por Barak Obama em 2012, e que antes foi consultora geral do FBI durante oito anos, de 20003 a 2011.

Quem é a Audible? É uma empresa afiliada da Amazon (Audible is an affiliate of Amazon.com Services LLC and the Service is an Amazon Service for the purposes of the Amazon.com Conditions of Use) e segundo seu site, em tradução livre, se apresenta como o principal criador e fornecedor de entretenimento e audiolivros premium em palavras faladas, oferecendo aos clientes um destino rico para intuição e inspiração para melhorar seu cotidiano.[1] Em suma e em essência é um serviço de disponibilização de audiobooks.

E o que é o sistema Audible Captions? Segundo matéria do site Publishing Perspectives, o Audible tem a capacidade de exibir uma versão, em texto de algumas linhas, reproduzindo simultaneamente o conteúdo da narração de um audiolivro - chamando isso de “captions”, em português "legendas" - enquanto o usuário ouve a narração. Divulgado com alarde e orgulho pela Amazon, em julho de 2019, esse sistema logo causou a revolta das editoras, que nele viram uma concorrência aos livros escritos. Ainda segundo o site, os editores afirmaram que esse recurso de “Audible Captions” é uma criação não licenciada dentre as permissões de direitos autorais concedidas a Audible, pois o fato de converter em legendas o texto falado de determinado livro, poderia transformar o seu ouvinte em leitor, e a edição simples uma não autorizada.

A Audible já tinha divulgado seu serviço em vídeo.

Após o anúncio de lançamento do produto, em julho de 2019, em 23 de agosto foi proposta ação no Judiciário norte americano, justamente a ação agora suspensa por meio de acordo que praticamente encerra os litígios.

“A Audible concordou que obterá permissão de qualquer membro da AAP que esteja em boa situação com a AAP antes de prosseguir com o uso de Audible Captions em seus livros. Aconselharemos nossos membros quanto à aplicação da resolução".

"Separadamente, as partes apresentaram um acordo permanente ao tribunal, que resolveria e encerraria o litígio subjacente entre os editores e a Audible"..”[2]

Dentre as disposições do ajuste, atenção para o fato dele não se aplicar a obras em domínio público:

“A Audible e seus funcionários, agentes, servidores, funcionários e advogados e outras pessoas e entidades que estejam em concerto ou participação ativa com a Audible estão permanentemente proibidos e impedidos de criar, gerar, reproduzir, modificar, distribuir, publicar ou exibir, sem autorização expressa dos proprietários ou licenciados exclusivos dos direitos de texto digital dos Estados Unidos, texto escrito derivado das versões de audiolivros das obras dos editores para qualquer produto ou serviço criado ou oferecido pela Audible. Esta proibição não se aplica a nenhum texto de domínio público.[3]

As editoras que moveram a ação foram: Chronicle Books, Hachette Book Group, HarperCollins Publishers, Macmillan Publishing Group, Penguin Random House, Scholastic e Simon & Schuster. Elas ainda tiveram apoio de entidades do setor, como o Sindicato dos Autores, com 10 mil membros e a Associação de editores independentes, com 3 mil integrantes.

Dois pontos decorrentes desse fato chamam a atenção para o mercado editorial. Primeiro, a velocidade com que as novas tecnologias, aliadas ao uso da inteligência artificial, lançam produtos novos no mercado, como o Audible.

Segundo, a dificuldade da legislação em acompanhar novos comportamentos e novas práticas, ambos com significativos e inovadores reflexos jurídicos.

A argumentação da AAP de que o uso de legendas simultâneas ofende as autorizações concedidas procederia, se invocada a legislação brasileira. A lei 9610/98, lei de direito autoral brasileira, tem como princípios, no art., 4º, o seguinte:“Art. 4º Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais.”

Portanto, se o caso fosse no Brasil, e se não houvesse autorização prévia e expressa do autor da obra, ou de seu representante, constante clara e diretamente do contrato de publicação, a utilização de legendas não seria permitida.

Note-se que o acordo transcrito acima diz respeito apenas aos direitos autorais sobre textos dos titulares ou licenciados de direitos dos Estados Unidos.

O fato é que, sob a justa motivação de permitir maior uso de obras literárias por público mais amplo, o mercado sempre está buscando novos meios de difusão da informação.

Curiosa também a diferença de proteção no direito autoral: uma tela a óleo e uma escultura de mármore seguem o mundo como peças únicas e valiosas. Já o suado e sofrido manuscrito (hoje é pen drive) de autor de obra literária fica no seu canto, quieto, enquanto a briga se dá sobre os exemplares reproduzidos.

Uma imagem que se tem do mercado editorial consiste num iceberg, em que a ponta aparente é o livro pronto, a espera dos leitores à sua volta, mas submersos estão a inspiração, transpiração, criação, crítica, reflexões, revisão, design, impressão, edição, distribuição, etc.

Outro ponto polêmico, ao menos na lei brasileira. As tais utilizações da obra se limitariamm às modalidades de utilização existentes na época da autorização

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

Pode ser invocado, também, que o sistema de legendas ainda não havia sido inventado, isto é, vinculado à fala de áudiobooks.

Os sistemas conversores de texto em voz, e de voz em texto, são fundamentais para o cumprimento das normas de acessibilidade, destinadas a permitir o acesso de pessoas com limitações físicas às obras literárias (LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015.).

No fundo considero da evolução do sistema essas etapas de acomodação social e jurídica, principalmente no âmbito do mercado editorial, pois evidenciam o prosseguimento do fluxo de informações, o interesse por conteúdo e retratam a circulação de ideias no mundo, pelo mais antigo e tradicional meio conhecido de transferência de informação; o livro.


[1]Audible is the leading creator and provider of premium spoken-word entertainment and audiobooks, offering customers a rich destination for insight and inspiration to enhance their daily lives.

[2]“Audible has agreed that it will obtain permission from any AAP members that are in good standing with AAP before moving forward with Audible Captions for their works. We will be advising our members as to the application of the resolution.

“Separately, the parties have presented a consent permanent injunction to the court, which would resolve and dismiss the underlying litigation between the publishers and Audible.”

[3]“Audible, and its officers, agents, servants, employees, and attorneys, and other persons and entities who are in active concert or participation with Audible, are permanently restrained, enjoined, and prohibited from creating, generating, reproducing, modifying, distributing, publishing, or displaying, without express authorization from the owners or exclusive licensees of the United States digital text rights, written text derived from the audiobook versions of publishers’ works for any product or service created or offered by Audible. This prohibition does not apply to any text in the public domain.”

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Tags: Audible
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