Uma década de mercado editorial
PublishNews, Mariana Bueno*, 29/10/2019
Economista Mariana Bueno faz estudo comparando os números do mercado editorial brasileiro com o de outros sete países

Há quase dez anos estudo o mercado editorial Brasileiro e ao longo desse tempo os resultados obtidos mostraram que, apesar de existir um aumento no número de exemplares vendidos durante o período, o faturamento do setor sofreu queda acentuada apesar da expectativa da indústria de alcançar um ganho de escala com a redução do preço médio[1] do livro. Em outras palavras, a redução significativa do preço médio do livro não foi suficiente para garantir o crescimento necessário do número de exemplares vendidos, o que resultou na queda do faturamento do setor.[2]

Essa é, sem dúvida, a explicação mais evidente para o ocorrido, mas será que é suficiente? Qual terá sido o desempenho real de outros mercados editoriais da América Latina e do mundo? Como comparar o desempenho e tamanho desses mercados? O comportamento de livros didáticos, trade e CTP (Científico, Técnico e Profissional) é parecido nos diferentes países? Qual a importância do governo para os mercados latino-americanos?

Foi por conta dessas inquietações, além da provocação de um editor brasileiro, que resolvi me debruçar sobre os dados e tentar achar respostas. Para isso foi preciso selecionar os países, estabelecer o objetivo e a metodologia.

De saída percebi que seriam inúmeras as dificuldades. Não há um padrão de pesquisa de mercado para o setor, alguns países observam o comportamento da indústria, outros do varejo e um outro grupo possui dados dos dois segmentos. Nem todos os países publicam de maneira sistemática essas informações e também não são todos que divulgam o resultado com a venda de livros didáticos, trade ou CTP.

Desta forma, o volume de informação disponível foi determinante para a seleção dos países que seriam analisados dada a importância continental e global do mercado editorial de cada um deles. Com base nesses critérios, os países selecionados foram: Brasil, Colômbia, México, EUA, Alemanha, Espanha, França e Grã-Bretanha. Por questões políticas, a Argentina deixou de fornecer indicadores sociais e econômicos para os organismos internacionais, motivo pelo qual acabou ficando de fora do estudo.

Os dados de mercado foram obtidos nos órgãos oficiais de cada um dos países. Os dados macroeconômicos como PIB, inflação e etc foram coletados nos sites do FMI e da OCDE.

Ao consolidar os dados, fica evidente que todos os países analisados apresentam queda em termos reais do mercado editorial.[3]

O mercado brasileiro apresentou queda real de 21,9% em termos reais entre 2007 e 2017. Se descontadas as compras do governo essa queda é de 25,5% no mesmo período.

Na Colômbia a queda real foi de 4,3% de 2008 a 2016 e, no México, de 3% de 2008 a 2015.

Nos países centrais o comportamento do mercado editorial na última década é semelhante. O mercado editorial espanhol foi o que apresentou pior desempenho em termos reais, uma queda 36,6% entre 2007 e 2016.

O Reino Unido tem o segundo pior desempenho com uma redução real de 20,4% entre 2009 e 2016 seguido pelos Estados Unidos, com queda real de 15,7% de 2008 a 2016.

Já a Alemanha apresenta queda real de 11,43% de 2007 a 2017 e a França uma redução real de 6,71% de 2007 a 2016.

Em todos os casos observados há uma redução no faturamento do mercado editorial, mas o que isso significa? Qual o desempenho da economia dos países analisados? Afinal, é esperado um encolhimento da indústria quando há retração econômica.

Nos países da América Latina temos os seguintes resultados: o mercado Colombiano permanece estável, apesar do crescimento econômico do país. O mercado mexicano parece tentar se manter numa economia com baixo índice de crescimento. O mercado brasileiro tem resultado semelhante ao colombiano, se mantém estável entre 2007 e 2014, apesar do expressivo crescimento econômico do país no período e a partir de 2015, quando a economia sofre forte retração, o mercado sente ainda mais o impacto, apresentado uma queda mais expressiva do que aquela apresentada pelo conjunto da economia do país. [4]

Nos países centrais o desempenho do mercado em relação ao PIB não é muito diferente. Na Alemanha o mercado apresenta ligeira queda, apesar do desempenho positivo da economia. Na Espanha o mercado editorial também não acompanha o desempenho da economia. Na Grã-Bretanha, depois de um período constante de queda, no sentido oposto ao crescimento do PIB, o mercado apresenta uma ligeira recuperação. Nos últimos anos, o mercado francês tem apresentado uma taxa de crescimento maior que a taxa de crescimento do conjunto da economia, recuperando aos poucos o desempenho ruim dos anos anteriores, apesar do desempenho econômico estável do país. Por fim, o mercado norte americano também apresenta desempenho contrário ao desempenho do PIB do país.

Portanto, é possível afirmar que na última década o mercado editorial dos diversos países analisados se manteve estável quando a economia dos respectivos países apresentou crescimento, porém em momentos de retração econômica, a queda do mercado editorial foi, via de regra, mais acentuada que aquela apresentada pelo conjunto da economia.

Para encerrarmos esta primeira parte da nossa análise, observamos o comportamento do preço médio nos diversos países[5] e notamos que há uma redução no preço médio do livro. Apenas o México apresentou praticamente um empate entre o preço médio nominal e o preço médio real. Os demais países não conseguiram que os preços acompanhassem a inflação, apresentando queda real do preço médio do livro.

Até aqui, o comportamento do mercado editorial brasileiro não é tão diferente do comportamento dos demais mercados editoriais. Apresenta queda real do faturamento durante a última década, não acompanha o crescimento do PIB e sente fortemente a retração econômica. Assim como os outros mercados, o preço médio do livro encolhe em termos reais. É bem verdade que o caso brasileiro apresenta uma redução mais acentuada nas três situações. Em outras palavras, é o país com maior distinção entre o comportamento do mercado e o comportamento do PIB. É também o país com maior queda do preço médio do livro, 30% ao longo do período analisado ficando apenas à frente da Espanha se considerarmos o percentual de queda real do faturamento na moeda local de cada um dos países.

Porém, como saber efetivamente a representatividade do mercado editorial brasileiro em relação aos demais mercados? Como comparar o desempenho dos mercados, podendo deixar os países lado a lado, a partir de uma mesma unidade de medida, ou neste caso, unidade monetária? Qual a importância das compras do governo para os mercados latino-americanos? Como foi o desempenho dos diversos subsetores (didáticos, trade e CTP) nesses países? É o que veremos no próximo texto que será publicado em breve nesse mesmo espaço.

Fontes:


* Mariana Bueno é formada em economia pela PUC-SP e possui MBA em Inteligência Estratégica, Competitiva e Econômica pela FIPE-USP. Trabalha com pesquisa de mercado e análise de negócios e há quase uma década é a economista responsável pela pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”, realizada pela FIPE em parceria com a CBL e o SNEL. Mariana é também responsável pela produção da série histórica dessa pesquisa, que mostra o comportamento do mercado em termos reais. Participou da pesquisa “How big is global publishing?” em parceria com Rüdiger Wischenbart e publicada pela BookMap. É membro da comissão técnica da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro - IPL . Em 2017 conduziu a execução do Censo do Livro Digital. É colaboradora do blog da CERLALC e nos últimos anos vem se dedicando a estudar o desempenho do mercado editorial brasileiro e de outros países.

** Os dados desse estudo foram coletados no ano de 2018 e a análise foi realizada em 2019

** Agradeço a paciência e parceria de Carlo Carrenho que me ajudou com as conexões necessárias, ao Rüdiger Wischenbart pelo auxílio, pelas conversas e esclarecimentos, ao Marcos da Veiga Pereira pelas inúmeras provocações para realização desse estudo, à CBL e ao SNEL pelos quase 10 anos de parceria e confiança e à CERLALC pela troca de ideias e pelo espaço para publicação.

*** Artigo originalmente publicado no Cerlalc.

**** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews


[1] Preço médio do livre não é um índice de preço

[2] Resultado da Pesquisa CBL-SNEL-FIPE

[3] Todos os dados nominais foram deflacionados pelo índice de inflação de cada país publicado pelo FMI

[4] Para México e Brasil foram consideradas apenas as vendas ao mercado, excluindo as vendas ao governo. O governo tem papel preponderante no mercado editorial desses dois países.

[5] A análise foi realizada para os países que tornam públicas as informações necessárias para que seja possível realizar o cálculo do preço médio.

[29/10/2019 08:00:00]