Publicidade
Publicidade
Da utopia caímos na distopia
PublishNews, Julio Silveira, 10/10/2017
Como editores e profissionais da ideia podem prosperar em tempos em que a informação parece não valer nada?

Marshall McLuhan profetizou que a internet, dando voz a todo mundo e gerando uma multiplicidade de perspectivas iria desmoralizar a “propaganda” (sentido inglês) política: com fácil acesso à comunicação (e à expressão), cairiam por terra as máscaras fascistas. Da utopia caímos na distopia. Hoje parece que a tal multiplicidade se reduziu a duas “fasces” — que ficam dando golpes de mentira uns nos outros. E como ficamos nós editores, que temos como material de trabalho as ideias e a informação?

Ao mesmo tempo, nunca a disseminação das ideias foi tão eficiente: um mero post tem o poder de inflamar milhões de debatedores. Se as ideias correm, já a informação empaca: mais importam as opiniões que os fatos; a força que a consistência. Diante da avalanche de “respostas” (e de sua “qualidade”), como ficam aqueles que trabalham com informação e a troca de ideias? Desistem? Proponho aqui o contrário: que aprendamos com a “burrice” e que se empreguemos melhor sua energia. Aprendamos com paradoxos.

Eis um exemplo: com o caso do Queermuseu incomodando milhões na rede, a arte voltou a ser transgressora — capacidade que vem perdendo desde os urinóis de Duchamp — e, portanto, relevante. Multidões que nunca foram a museus agora não só sabem de sua existência como discutem (pontificam e vociferam) sobre o que é arte. Cinismo à parte, quando se pensa no negócio dos editores (o da circulação de ideias), o que verificamos é um enorme aumento do público consumidor (potencial) e uma divulgação poderosa e (em mais de um sentido) gratuita. Antes de me maldizer, pense em quantas pessoas saberiam da tal exposição sem a “ajuda” dos Savonarolas da web?

Não estou dizendo que os autos-da-fé da internet sejam mera estratégia de marketing. Estou dizendo que precisamos entender os mecanismos que os tornam tão virais (ou viróticos) para — quem sabe — empregá-los para fins diametralmente opostos, os construtivos.

“Não existe má publicidade”, já dizia o dono do circo. Mesmo o que postamos voluntariamente para humilhar “o outro lado” quase sempre sai pela culatra, dando exposição ao que deveríamos esconder, relevância ao que deveria ser ignorado. Há quem desconfie que tudo é deliberado e que postar algo vexaminoso seja apenas uma calculada estratégia de marketing. Quem saberia, por exemplo, quem é o rapper B. o. B. se ele não defendesse que a Terra é plana? Do mesmo modo, quantas pessoas não ficaram sabendo de “certas figuras políticas” somente porque outras pessoas, com as “melhores intenções”, as denunciaram ou ridicularizaram… e assim trabalharam para sua divulgação? “Pior do que falarem mal de você é não falarem mal de você”… será mesmo? (Quem disse isso, aliás, acabou pelo pudico império britânico).

Escritores e músicos (estabelecidos e do establishment) organizaram um contra-ataque aos detratores on-line. Suas ideias são melhores (ou ao menos mais elegantes), mas eles já começam perdendo, na escolha das armas. Discursos e argumentos nada podem diante de memes toscos. Não adianta gostar da política como em mil novecentos e sessenta e seis se hoje dançamos nos fanatic fake news days.

A maioria dos editores está na mesma situação destes escritores e músicos: têm a informação, a reflexão e acesso aos meios de comunicação tradicionais. Porém não têm a força imediata, estabanada e irreprimível do novo meio, a rede. A relação dos editores com a internet começou com soberba desconfiança e descambou para o desespero subserviente, haja vista a lista de bestsellers coalhada de autores que já faziam enorme sucesso on-line, antes de escreverem uma linha.

Editores podem voltar a ser importantes e reassumir seu mais-que-nunca-nunca necessário papel curatorial (o de pinçar e aprimorar, na barafunda catártica da web, o que tiver potencial) quando conseguirmos compor o aparentemente inconciliável e soubermos publicar, com a virulência dos escândalos, o que tiver de fato informação e reflexão originais; quando superarmos fake news com new takes: novas formas de engajar e agarrar os leitores; quando dermos ao público, de forma fácil e inteligente, o que eles conseguem de forma fácil e burra na internet: uma voz e um canal.

E quem sabe então será cumprida a profecia de McLuhan:

O público, no sentido de um grande consenso de pontos de vista distintos e diferentes, acabou. Hoje o público (sucessor da “plateia de massa”) pode ser uma força criativa e participante. […] Uma nova forma de “política” está emergindo, uma forma que ainda não nos demos conta.

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Publicidade

A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!

Leia também
Em seu último relato sobre sua primeira participação na Feira de Bolonha, Julio Silveira conta o que viu, o que não viu e o que aprendeu com o evento
No seu segundo dia na Feira do Livro Infantil de Bolonha, Julio Silveira fala sobre as tendências que identificou no evento
Em seu primeiro dia na Feira do Livro Infantil de Bolonha, Julio Silveira faz comparações entre o evento italiano e a Feira do Livro de Frankfurt
Já é possível escrever e ilustrar um livro inteiro em algumas horas com inteligência artificial. O que isso significa para o mercado das ideias?
Portugal reabre livrarias e editoras brasileiras já podem participar da retomada
Publicidade

Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.

Outras colunas
Todas as sextas-feiras você confere uma tira dos passarinhos Hector e Afonso
Seção publieditorial do PublishNews traz obras lançadas pela Ases da Literatura e seus selos
Em 'A cartinha de Deus', a autora leva os leitores em uma jornada íntima e inspiradora, mostrando como aprendeu a lidar com os desafios impostos pela distonia
Em 'Alena Existe', publicada pela Ases da Literatura, o autor Roger Dörl desvenda os segredos do universo numa trama repleta de ficção científica, aventura e mistério
Conheça a jornada de Nick, o gatinho amoroso que ensina sobre presença e ausência no livro da autora Maurilene Bacelar, lançamento da Editora Asinha
Cada livro cria a sua linguagem
Cristovão Tezza
Escritor brasileiro
Publicidade

Você está buscando um emprego no mercado editorial? O PublishNews oferece um banco de vagas abertas em diversas empresas da cadeia do livro. E se você quiser anunciar uma vaga em sua empresa, entre em contato.

Procurar

Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.

Procurar

O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?

Assinar