O fim do mundo não veio, mas em outubro de 2012 tivemos o FIM DO LIVRO. O evento, realizado de modo heróico no Morro da Conceição nos dias 20 e 21, não teve nada de apocalíptico. Pelo contrário, teve a marca da criação, da renovação. A começar pelo local.
Berço da cultura carioca/brasileira o Morro da Conceição foi tratado como um gueto pelos sucessivos governos, que viam naquela região, antigo cais de escravos, “a porta dos fundos” da cidade. Assim, foi cimentado de um lado pelo Porto, e asfaltado de outro pela Av. Presidente Vargas. Agora a força de sua história e cultura transformaram-no em novo ponto focal da criatividade.
Foi assim que o editor Raphael Vidal vislumbrou no Morro uma grande festa, que reuniu conversas com escritores (a cargo da curadoria do escritor Vinícius Jatobá), música (regida por Zeh Gustavo), fotografias, artes visuais, oficinas… Como contribuição, levei ao evento conversas sobre cultura, criação e comportamento na era digital.
A primeira mesa (parte 1 e parte 2), no sábado de manhã teve a honra de contar com Ronaldo Lemos e Fábio Fernandes. A conversa girou em torno de nós, consumidores de cultura digital, e de nosso (estranho) comportamento — déficit de atenção, memes, cultura de massa, pirataria e direitos autorais.
Em seguida, Roberto Bahiense, da Nuvem de Livros e Camila Cabete, da Kobo, conversaram sobre como o livro, sem restrições materiais (estoque, transporte) pode fazer a leitura voltar à sua condição original, de atividade social.
Foi-se chegando perto do meio dia, e a cerveja juntou-se aos acepipes de botequim e a mesa mais populosa do sábado também foi a mais descontraída (parte 1, parte 2). De um lado, Braulio Tavares, escritor, compositor, criador e curioso, falando sobre o ponto de vista de quem vive (ou vivia) do copyright tradicional. Na outra ponta, Carlo Carrenho, economista, jornalista e a mente mais inquieta do mercado editorial, falando sobre as revoluções nas publicadoras e autores com o digital. No meio do caminho, Rosa Amanda Strausz, escritora, blogueira e desbravadora da publicação digital. O trio bateu papo sobre a vida (dura e divertida) do escritor, do papel (dispensável ou não) da editora e da relação desintermediada entre autor e leitor. Comparando a fase em que vendia folhetos de “literatura marginal” do Baixo Gávea aos dias de hoje em que autores escrevem em blogs, Braulio resumiu: “autor não escreve para ganhar dinheiro, só o que a gente quer é mudar o mundo”.
O domingo começou com três exploradores do potencial do digital para a contação de histórias. Cristiane Costa, professora, editora e agitadora, deu o pontapé inicial: “novas tecnologias permitem novas formas de arte” e com isso o conceito de “livro” explodiu. Claudio Soares, e-publisher, um possível artista dessa nova forma, falou de suas experiências em contar histórias pós-livro, como o projeto Titanicware. Simone Campos, escritora, mostrou como uma história pode ser descompartimentalizada, misturando livro impresso a blogs e à mecânica dos games, uma linguagem e estética cada vez mais forte.
Na mesa seguinte, juntamos Pedro Doria, diretor-executivo d’O Globo, que dirigiu a estratégia de informação digital do grupo, com Oona Castro, que esteve à frente do Overmundo, e hoje responde pela Wikimedia Foundation no Brasil, a organização por trás da Wikipedia e outras fontes de conhecimento gratuito e colaborativo. A pergunta geral era: se a internet é o território livre da publicação, quem vai dar sentido (editar) os dados para que se transformem em informação e conhecimento? Pedro reforçou o papel do jornalismo para manter o cidadão informado e formado, em um universo de blogs e redes sociais, e clamou por um formato que mantenha as redações de jornais como atividades economicamente viáveis. Oona comentou que a democracia, e uma comunidade livre e participativa (como a Wikipedia) só funcionam quando há regras. A dupla também comentou a relação delicada das geradoras e organizadoras de conteúdo, como os jornais e a Wikipedia, com a Google e outras empresas gigantes que distribuem e lucram com esse conteúdo.
A mesa final do FIM, na parte digital, foi um bate papo entre os jornalistas Cora Ronai, colunista e entusiasta da tecnologia e o Sérgio Rodrigues, escritor e dono do blog Todoprosa, sobre a língua portuguesa e a cena literária. “O digital é uma nova cultura, ou é apenas um meio para a cultura?” foi apenas o mote da conversa, que fluiu pela relação com a tecnologia, a história da internet no Brasil, a força dos blogs, viagens e como pessoas curiosas conseguem lidar com o overdose de estímulos culturais da internet e ainda terem tempo para criar mais cultura.
O FIM seguiu com conversas com escritores e criadores, do quilate de Nei Lopes, Alberto Mussa, Ruy Castro, Dodô Azevedo, Paulo Lins (que podem e devem ser assistidas aqui). Quando, no domingo de noitinha, o cordão do Prata Preta transformou as ruas históricas em Carnaval, descobrimos todos — organizadores, palestrantes e públicos — o verdadeiro FIM do livro: juntar pessoas a ideias, e festejar o encontro.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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