A IPA – International Publishers Association divulgou, através de sua Secretaria Geral, apresentações feitas na reunião de seu Comitê Anti-Pirataria, durante a última Feira do livro de Frankfurt.
São três apresentações, duas em power point e uma em pdf. As apresentações podem ser solicitadas gratuitamente à secretaria da IPA através do e-mail secretariat@internationalpublishers.org. Informações adicionais sobre o assunto podem ser encontradas no site da IPA.
A primeira apresentação é sobre a situação da pirataria de livros no Egito. É, digamos assim, a mais clássica: as dificuldades de distribuição e as convulsões decorrentes da mudança de regime abriram amplo espaço para a pirataria, tanto de livros impressos quanto digitais. Acrescente-se, no caso do Egito, as dificuldades de formato para leitura em caracteres de árabe. Segundo a Associação Egípcia de Editores, os e-readers da Amazon, da Apple e da Barnes&Noble não suportam esses caracteres. Isso faz que o escaneio dos livros, no formato PDF, seja amplamente disseminado. Os editores egípcios estão tentando desenvolver uma plataforma proprietária, mas encontram dificuldades de custos e tecnologia.
A indústria editorial egípcia não é exatamente modesta. Publica cerca de 20.000 títulos ao ano, através de cerca de 500 editoras, mas com uma rede de livrarias muito precária. A apresentação não faz menção a tentativas de estabelecer sistemas de licenciamento de cópias; pelo contrário, assinala que as editoras começam a usar “estratagemas” para proteção, como hologramas e outros dispositivos anti-pirataria. O problema evidente é que, como sabemos, esses sistemas são notoriamente ineficientes. A apresentação tampouco menciona as questões relacionadas a redes de bibliotecas e meios de acesso público e legal aos livros.
Mas o Egito sofre também com a forma mais antiga de pirataria: a reprodução, em edições piratas e baratas, dos livros publicados pelos editores estabelecidos.
A solução, segundo a Associação de Editores, seria o reforço da legislação contra a pirataria e a criação de mais e melhores meios de repressão aos piratas.
A IPA não comenta a apresentação. Na minha opinião, os editores egípcios estão se enfiando em um beco sem saída: a repressão, sem alternativas para cópias legais e remuneradas, só provoca o aumento da pirataria e a criação de uma opinião pública contrária aos editores, que passam a ser sistematicamente qualificados como gananciosos.
É uma situação similar à criada no Brasil pela ação repressiva da ABDR, sobre a qual já me manifestei em diferentes ocasiões.
A segunda apresentação relata uma ação da Associação dos Editores ingleses contra o Pirate Bay, o famoso site que abre downloads através de torrent. Segundo os ingleses, 7% do total do material oferecido pelo site é de livros, o equivalente a aproximadamente 220.000 obras literárias ou científicas. Note-se que a pornografia fica com 17,99% do total, os filmes com 19,89% e a música com 25,59%.
Os editores ingleses (e as gravadoras e distribuidoras de filmes) empreenderam uma ação judicial dirigida aos maiores grupos de ISP – Internet Service Providers, pedindo à justiça que ordene que esses servidores bloqueiem o acesso ao Pirate Bay. A ação tem algumas características específicas: 1) Não pede indenizações; 2) É apenas contra os servidores, não contra o site infringente; 3) Não exige que se prove que o servidor esteja infringindo leis de copyright.
A totalidade dos provedores de serviço aceitou sem contestação a medida judicial. Afinal, por que iriam gastar dinheiro com advogados para defender o acesso a sites piratas?
Os que acessam o Pirate Bay podem usar proxys para continuar baixando conteúdo, mas o acesso certamente ficou mais difícil e menos acessível à maioria dos internautas.
Além disso, o Reino Unido dispõe de uma agência de licenciamento, a PLS – Publishers Licensing Society, que permite a aquisição de licenças para cópias de trechos de livros legalmente.
A solução britânica é mais inteligente que a egípcia, pois procura a colaboração dos provedores de serviço da Internet (a apresentação não fez menção ao Google, entretanto), ao mesmo tempo em que deixa uma janela aberta para o uso legal de trechos de obras. Note-se que a PLS é de propriedade das associações de editoras de obras gerais e das duas associações de editores de STM, e seu sistema permite que as editoras e autores acompanhem a contabilidade das licenças e recebam diretamente a parte de lhes cabe do auferido.
Finalmente, há a apresentação sobre mudanças na lei de copyright e algumas decisões da Corte Suprema do Canadá sobre a questão da pirataria e dos licenciamentos.
O Canadá foi um dos primeiros países a estabelecer métodos de remuneração de editoras e autores para o uso de materiais educacionais com proteção de copyright, assim como estabelecer remuneração para os livros emprestados pelas bibliotecas públicas. Os sistemas diferem um tanto entre o Québec e o Canadá britânico, mas há quase quinze anos está em vigor.
As recentes modificações na legislação sobre o assunto foram, entretanto, significativas. Ao mesmo tempo em que mantem a proteção contra as cópias ilegais, ampliou muito o conceito do “fair use”, previsto na legislação internacional (Convenção de Berna) e incorporado em todas as legislações nacionais.
O “fair use”, na interpretação do judiciário canadense, permite a exceção a partir do “direito dos usuários”, no sentido de manter um equilíbrio entre os direitos dos detentores de copyright e os interesses dos usuários, que assim não pode ser interpretado restritivamente. Ou seja, o exame judiciário dos casos de infringência tem que levar em consideração se existe dano comercial e intelectual, mas também o direito de cópia por parte dos usuários finais para usar o material sem ganhos comerciais e para propósitos educacionais.
A perspectiva relevante passa a ser a do usuário final, e não o de quem copia. E essa é uma alteração importante, pois abre um espaço para uma utilização mais ampla de materiais copiados para uso em salas de aula, entre outros.
A apresentação dos editores canadenses assinala pontos ainda confusos e não regulamentados, tanto das recentes modificações da legislação como da própria decisão da Corte Suprema, que terão de ser resolvidos para aclarar melhor a situação.
As três apresentações, entretanto, mostram a turbulência que vem sendo enfrentada pelos editores no mundo inteiro, com o aumento da pressão por mais exceções no uso de copyright, principalmente no âmbito educacional.
A busca de um equilíbrio entre os interesses dos criadores – autores -, difusores – editores – e usuários ainda é muito incipiente.
Do meu ponto de vista, o licenciamento e a melhoria dos sistemas de bibliotecas públicas, universitárias e escolares contribuiria decisivamente para uma convivência melhor entre as partes. Mas, como se vê, mesmo em um país que leva a sério o copyright e as necessidades de leitores e usuários desses materiais, ainda há muita discussão a ser feita e muitas disputas a serem resolvidas.
Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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