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‘Sede alugada’
PublishNews, 12/09/2012
‘Sede alugada’

No início, e ao longo de quase todo o século 20, mencionar que as sociedades tinham “sede própria” transmitia estabilidade e credibilidade ao negócio, assim como ser dono de terras (em inglês, locador é chamado de “landlord”, literalmente senhor da terra) denotava riqueza. Do meio para o final do século 20 o poder se concentra no capital, e nesse início de século 21 reside na posse de conhecimento.

Em célebre citação de Thomas Jefferson “If nature has made any one thing less susceptible than all others of exclusive property, it is the action of the thinking power called an idea, which an individual may exclusively possess as long as he keeps it to himself; but the moment it is divulged, it forces itself into the possession of everyone, and the receiver cannot dispossess himself of it. Its peculiar character, too, is that no one possesses the less, because every other possesses the whole of it. He, who receives an idea from me, receives instruction himself without lessening mine; as he who lights his taper at mine, receives light without darkening me.”

Logo, quem tem acesso ao conhecimento pode ter a sua “fonte de riqueza” e trabalhar a matéria prima disponível. O ponto central desse texto é a palavra “acesso”. Várias reflexões recentes apontam para o fim da sociedade baseada na propriedade e a prevalência da sociedade caracterizada pelo acesso, ou aluguel, ou empréstimo (veja Kevin Kelly, Access is Better than Ownnership). Assim, não preciso imobilizar capital na compra de carro, alugo um quando necessário, novo e segurado; da mesma forma alugo um apartamento e não durmo sobre milhões, que em vez de aplicados em cimento, transitam por ações de companhias; até as consumistas podem alugar bolsas de marcas renomadas (!), por 1 dia.

Na área cultural, não compro um DVD, assisto no pay per view (isso mesmo! pago para ver, não para ter), não compro CD, ouço música no streaming, ou faço download somente da faixa que quero ouvir (ai meus LPs!), e não compro um livro, pago pela licença de leitura, que pode ser limitada no tempo, e já vi até time-sharing de obras de arte (quadro pendurado na parede por uns tempos).

Ocorre que toda a sociedade, desde Gutenberg, se caracterizou, no setor cultural, pela propriedade do bem corpóreo; do livro, do vídeo cassete, do DVD, assim como todo o Direito regulou esse vínculo das pessoas com as coisas com base, preponderantemente, na premissa da propriedade do bem físico.

Agora, a sociedade se pauta pela crescente mentalidade de compartilhamento (share) de informação, pela prática de procurar acesso aos bens disponíveis, por meio da internet, onde se aprecia um quadro, lê-se um livro e ouvem-se músicas, tudo no mesmo aparelho.

Um milhão de dólares hoje não é, geralmente, representado por um cheque, mas por um milhão de notas de 1 dólar, o que significa muitas pessoas pagando pouco pelo acesso a um livro, e não uma pessoa comprando um exemplar raro da obra. O perfil dos negócios contemporâneos é ter muitas pessoas pagando pouco pelo acesso às obras, do que poucas pagando muito para ter a obra com exclusividade.

Extraio duas reflexões dessa constatação. Primeiro, que o Direito vai se amoldando às novas formas de vinculação das pessoas aos bens, e enfrentando as novas questões (quando morre um proprietário de e-book seus herdeiros herdam a licença de leitura? Podem ter acesso às suas contas de redes sociais e de emails? Quantas vezes um e-book pode ser emprestado simultaneamente numa biblioteca?).

E a segunda é que, se a massa consome, isto é, tem acesso aos bens, alguém os detém, é seu “dono”, e franqueia esse acesso, bem como fabrica as estradas (softwares e hardwares) que conduzem multidões virtuais a esses bens, pagando cada um muito pouco. Mas os donos do conhecimento certamente se instalam em sede alugada.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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