Quando entrei no “negócio” dos livros, entendia que a função do editor era a de descobrir. Encontrar, detectar relevância, organizar, apresentar. Para levar a cabo essa função, a da descoberta, usaria o “faro”, a “sensibilidade”, características míticas e charmosas que foram trocadas por algoritmos concretos. Descobrir e encontrar já não são primazia dos editores, são comandos do Google.
Talvez essa não seja uma substituição perfeita, e é justo lembrar que ainda hoje são os editores os responsáveis por nos oferecer o melhor da literatura — apesar de todas as anedotas sobre editores recusando originais, de Em busca do tempo perdido a Harry Potter. Não se pode afirmar, contudo, que o Google e a opinião da multidão amorfa sejam mais eficientes que o tal “faro” profissional, ou que as redes sociais sejam necessariamente mais poderosas que o aparato milionário de promoção das editoras. Mas há sinais. Nessa semana, por exemplo, foi observado que sete dos bestsellers da lista de ebooks do New York Times foram autopublicados, isto é, passaram dos autores para os leitores, contornando o caminho tradicional: os editores.
Um desses autores bestsellers “independentes”, RL Mathewson, opina que “graças à internet, os leitores podem pesquisar os livros antes de comprometer seu tempo e dinheiro com eles. Propagandas vistosas não dizem muita coisa para os leitores ávidos. Eles se preocupam mais com resenhas, avaliações e recomendações uns dos outros.”
Leitores na rede infinita da internet conseguiriam achar o trigo no joio sem fim dos textos online, através do processo do crowdwisdom, onde uma amostragem gigantesca de pitacos disparatados é tão precisa quanto um pequeno time de especialistas (e mais forte que uma campanha de marketing) na detecção do sucesso de um livro.
Se a multidão já detecta qual é o melhor texto com certa precisão, apontar características mais subjetivas como a qualidade deve continuar ingerência de poucos. O único megabestseller brasileiro, Paulo Coelho, exaltou a capacidade popular (via internet) de selecionar o que é “bom”, expondo ao ridículo “os pseudoeruditos, que sempre julgaram conhecer melhor o que o povo deve ou não deve ler”. Ao mesmo tempo, soltou uma de suas boutades autopromocionais dizendo que um livro venerado pelos tais “pseudoeruditos”, o Ulysses, de Joyce, era uma “bobagem” vazia “prejudicial à humanidade”. A declaração irritou alguns críticos que morderam a isca e retrucaram, mas me restrinjo a comentar que Paulo Coelho está elogiando a capacidade do público da rede de selecionar livros que são prontamente acessíveis e pesadamente divulgados (como os que ele publica) ao mesmo tempo que menospreza o trabalho de pessoas dedicadas (“intelectuais”) que promoveram bravamente um livro de acesso restrito e publicação heroica (assim como o homônimo grego, o Ulysses de Joyce atravessava os mares e não conseguia aportar, já que a obra, impressa na França, fora proibida tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra). Haja lenda pessoal.
Se os títulos autopublicados da lista de ebooks do New York Times não são indícios suficientes, o que dizer do maior megabestseller atual? Cinquenta tons de cinza foi gerado e ganhou fama no vasto mundo da fanfiction, um ambiente comunitário e dinâmico —há quem afirme que a obra de E. L. James teve de fato 60 mil autores. (O emaranhado da fan fiction de tão grande já comporta categorias arcanas, como “HP Crossover Femslash” — pornografia lésbica entre personagens de Harry Potter e, por exemplo, Crepúsculo, com mais de 60 mil textos publicados). Quando ganhou a forma de livro tradicional, Fifty Shades of Grey já se havia estabelecido como um imenso sucesso. Na escala brasileira, podemos citar o caso de A menina do vale, que começa a despontar na lista dos mais vendidos no formato tradicional — depois que dezenas de milhares de leitores baixaram o ebook de graça e pré-consagraram o “livro”. Títulos que alcançam o sucesso antes mesmo de, por obra das editoras, virarem “livros” no sentido tradicional são cada vez menos as exceções e cada vez mais as regras. Podemos citar como exemplos megabestsellers dos últimos anos, como A cabana (originalmente, autopublicado), Diário de um banana (um blog de sucesso antes de virar livro) e Meu pai diz cada M* (originalmente um twitter com mais de 3 milhões de seguidores).
A internet e a cultura digital que está se conformando estão possibilitando uma transmissão do poder, das editoras para o público. Encontrar o que vai fazer sucesso, criar os futuros bestsellers, está deixando de ser uma tarefa de especialistas dedicados e tornando-se um processo orgânico, anônimo e dinâmico. Cabe aos editores (e agentes e scouts e avaliadores) recriarem sua profissão nesse novo ambiente. Deixarem para trás o papel de “descobridores” e tornarem-se facilitadores, catalisadores do diálogo entre autores e leitores. Talvez, na definição de uma amiga escritora, o novo papel do editor na era da desintermediação instantânea seja o de “designer de conexões”.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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