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Traduzindo em miúdos
PublishNews, 04/07/2012
Traduzindo em miúdos

O saudoso e genial Millôr Fernandes traduziu The playboy of the Western world, de John Millington Synge, falecido em 1909. Em português, o livro recebeu o título O prodígio do mundo ocidental. Simples, mas dificílimo encontrar a tradução.

Conversando com um advogado americano sobre o (mau) hábito dos brasileiros de encomendar “comprinhas” a quem viaja para o exterior, sem entregar o valor correspondente à compra, um colega fez menção ao “encomenda sem dinheiro fica no Rio de Janeiro”. Como o nosso interlocutor não falava nada de português, improvisei, súbito, um “orders without money, stay here, honey”.

É muito comum nos filmes dublados para o português a menção de que se aguarda o “coronel” para realizar uma autópsia, quando se quis dizer o legista (“coroner”), ao invés do oficial (“colonel”), de pronúncia muito parecida.

Num mundo globalizado, cada vez menor, por mais que cresça o aprendizado de línguas estrangeiras, persiste o relevante papel do tradutor.

E ele não só tem destaque e direitos, como também tem responsabilidades, como se verifica na lei de direito autoral brasileira (Lei 9.610/98). Vamos ver as principais referências feitas nessa lei.

Primeiramente, as traduções estão entre as obras protegidas expressamente pela lei (art. 7º, XI), o que assegura a oposição contra quem tente plagiar ou publicar indevidamente obra traduzida, de titularidade de terceiros. Essa proteção se aplica também às obras que, mesmo estando em domínio público, sejam traduzidas, de forma que essa tradução assume o caráter de nova obra, amparada pela lei. Observe-se que o tradutor não pode se opor a que seja feita outra tradução da obra em domínio público, contanto que não seja cópia da sua.

Já as obras que ainda não estejam em domínio público dependem de autorização de seu autor, ou titular, para serem traduzidas (art. 29, IV), sendo obrigatória a menção, em caso de obra literária, do título original da obra e do nome do tradutor (art. 53, II) em cada exemplar do livro.

Já em relação às obras teatrais, seu autor poderá autorizar a tradução, fixando prazo para sua utilização em representações públicas, podendo ainda autorizar nova tradução findo esse período (art. 74).

Também em relação a bases de dados, o titular do direito patrimonial sobre elas terá o direito exclusivo de autorizar ou proibir sua tradução (art. 87).

Esses são os principais referenciais sobre tradução na lei de direito autoral brasileira, mas eles não esgotam a parte jurídica do tema.

Ao tradutor aplicam-se também as regras básicas de responsabilidade civil do direito brasileiro. Assim, hoje em dia é muito comum a inclusão em contratos de tradução de cláusula que estipule a responsabilidade do tradutor por equívocos eventualmente cometidos.

As hipóteses são de grande relevância – por exemplo, a correta equivalência das unidades de medida em casos de análise de pureza de água, para fins de avaliação de poluição fluvial ou marítima. Já houve caso de uma sociedade ter sido punida porque a medida de limpeza da água foi traduzida numa escala mil vezes menor que a estipulada pela matriz, na Alemanha.

Ainda no âmbito das traduções, principalmente de livros técnicos, como os de medicina, e também de cartas náuticas e mapas, a imprecisão de dados pode gerar a responsabilidade da editora e, em sequência, a do tradutor.

As mudanças das regras ortográficas, gírias, novas regras gramaticais, atualizações de obras históricas e jurídicas constituem outros desafios dos tradutores.

Abundam os tradutores automáticos on-line, mas jamais o talento do tradutor será superado, pois ele escreve em vernáculo aquilo que, se o autor original falasse a língua de destino, escreveria.

No entanto, num mundo em que a informação precisa tem seu destaque e relevância, aumenta a responsabilidade dos tradutores, cujo trabalho pode repercutir para além do livro.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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