Publicidade
Publicidade
“O fim do livro” cansou? Que tal “livros sem fim”?
PublishNews, 23/02/2012
“O fim do livro” cansou?

Editoras estão experimentando publicações que começam antes e terminam (se tanto) muito depois do que estamos acostumados.

Digamos que você tenha seguido o conselho de Monteiro Lobato e tenha plantado uma árvore, feito um filho e escrito um livro. Depois de vinte anos, se você tiver feito tudo certo, sua árvore e seu filho vão ter crescido, mudado e dado frutos. Já seu livro vai estar do mesmo jeito. Pode até ter dado frutos — metafóricos —, mas estará do mesmo jeito, terá o mesmo texto de quando saiu da gráfica, talvez um pouco amarelado.

Isso porque o que compreendemos por livro hoje é um suporte em que o conteúdo foi fixado e reproduzido em grandes tiragens. O texto é sempre o mesmo, em cada exemplar e ao longo do tempo — e alterações e inclusões só ocorrem quando (e se) houver uma nova edição. Óbvio? Sim, mas não foi sempre assim: antes de Gutenberg, cada livro que saía das mãos do copista já era único, e tornava-se cada vez mais distinto na medida em que nele se amontoavam as anotações e outras interferências dos leitores. A imprensa estabeleceu que cada exemplar de um livro é uma cópia fiel da matriz. Seis séculos depois, o digital traz a possibilidade de que cada livro volte a ser único, reflita o contexto de seu leitor e altere-se, recebendo anotações e atualizações ao longo do tempo. Mas para que, mesmo?

Para certas categorias de livro, a imutabilidade é um fardo e a capacidade de atualização é uma bênção. Pense nos milhares de livros jurídicos ou guias de viagem que são jogados fora quando se votam novas leis ou quando os endereços e telefones ficam defasados e você terá uma aplicação urgente para a nova possibilidade de atualização constante. Vai para o tribunal ou para o aeroporto? Não esqueça de fazer o upgrade! Expandindo essa ideia, algumas editoras já implementaram o tal serviço de “upgrade” para seus títulos. Quem adquirir um livro (impresso ou digital) da O’Reilly, por exemplo, tem direito a baixar novas versões (ou “edições”) digitais, o que pode significar alterações nos dados ou acréscimos feito pelo autor. A editora ainda facilita a notificação, pelo leitor, de qualquer erro que ele tenha encontrado, e promete retificar os livros em seguida. (Como Machado de Assis teria adorado poder fazer isso em 1900…) .

Essa prática de constantes upgrades tem a vantagem evidente de fidelizar o leitor, tornando-o “membro” (e cliente) da editora, para não dizer revisor e copidesque voluntário. Por outro lado, isso leva à pergunta: se o livro sofre alterações constantes, quando termina a publicação?

O trabalho nas editoras hoje, de certo modo, se assemelha ao de construtoras. Uma vez a “casa” construída, passa-se para a outra. O livro depois de publicado dorme em um PDF em alguma gaveta eletrônica e de lá só sai para reimpressões ou para uma muito eventual nova edição, revisada. O que a O’Reilly está fazendo é estender o trabalho do editor (de selecionar, compilar e arranjar o texto) para além do livro “pronto”. É como uma casa que nunca terminasse de ser construída. (Mais uma semelhança: as obras literárias, assim como as obras em nossa casa, passarão a não ter fim…). Precisaremos de uma nova categoria de editores, os pós-editores, responsáveis por manter os dados atualizados e selecionar as contribuições dos leitores para os livros que já foram lançados.

Se essa perspectiva de trabalhar ad aeternum no mesmo livro já causa preguiça antecipada em alguns colegas editores, o que dizer de um editor pré-livro? Outras editoras vêm envolvendo autores e leitores na etapa mais precoce da produção de um livro — a própria escrita. Um leitor da Red Lemonade, por exemplo, pode colaborar com o autor e o editor em um livro que só será publicado meses depois. A mesma O’Reilly que oferece upgrades a quem compra seus livros oferece também livros incompletos. Você adquire, por exemplo um livro que só tem a primeira parte e o sumário e, à medida em que o autor vai completando o livro, você recebe os capítulos seguintes. Em outras palavras, você compra à vista e lê a prazo.

Falando em ler a prazo, o digital também resgata uma velha novidade — o folhetim. Algumas editoras startup vêm lançando romances em conta-gotas: o leitor recebe o primeiro capítulo (geralmente de graça) e, se gostar, assina e passa a seguir a história, que é contada em parcelas semanais. Como o autor “conversa” pela mídia social com seus leitores, estes podem influenciar o desencadeamento da trama e até provocar desdobramentos paralelos (spin-offs). É interessante notar que boa parte dos clássicos que conhecemos surgiu da mesma maneira. Dickens, Victor Hugo e Tolstói são alguns dos membros do Cânone Ocidental que escreveram grandes livros em pequenas parcelas publicadas nos jornais e que sofriam influência da resposta dos leitores. Posteriormente, editores compilaram as milhares de páginas de jornal e as muitas versões e opiniões e nos apresentaram Oliver Twist, Os miseráveis e Guerra e paz do jeito que conhecemos — fixando (literalmente) o texto de obras que até então eram dinâmicas.

Mas não vá sugerir a um grande autor contemporâneo, Johnathan Franzen, que o digital e o e-book possam colaborar na criação de novos clássicos. O autor de Liberdade gosta das coisas bem presas e não admitiria correções em seu As correções:

“Eu acho que, para os leitores sérios, um sentido de permanência tem sido sempre parte da experiência. Todo o resto na sua vida é fluido, mas este texto não muda. Haverá ainda leitores daqui a 50 anos que se sentirão assim? Que têm essa fome de algo permanente e imutável? Eu não tenho uma bola de cristal. Mas eu tenho medo que vai ser muito difícil fazer o mundo funcionar se não houver permanência assim. Esse tipo de contingência radical não é compatível com um sistema de justiça ou autogoverno responsável.”

Sério, mister Franzen? Livros que evoluam a partir do diálogo farão do mundo uma anarquia? Conte outra. Para a Oprah. Com quem, por sinal, você recusou-se a dialogar. Só para depois arrepender-se.

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Publicidade

A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!

Leia também
Em seu último relato sobre sua primeira participação na Feira de Bolonha, Julio Silveira conta o que viu, o que não viu e o que aprendeu com o evento
No seu segundo dia na Feira do Livro Infantil de Bolonha, Julio Silveira fala sobre as tendências que identificou no evento
Em seu primeiro dia na Feira do Livro Infantil de Bolonha, Julio Silveira faz comparações entre o evento italiano e a Feira do Livro de Frankfurt
Já é possível escrever e ilustrar um livro inteiro em algumas horas com inteligência artificial. O que isso significa para o mercado das ideias?
Portugal reabre livrarias e editoras brasileiras já podem participar da retomada
Publicidade

Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.

Outras colunas
Todas as sextas-feiras você confere uma tira dos passarinhos Hector e Afonso
Seção publieditorial do PublishNews traz obras lançadas pela Ases da Literatura e seus selos
Em 'A cartinha de Deus', a autora leva os leitores em uma jornada íntima e inspiradora, mostrando como aprendeu a lidar com os desafios impostos pela distonia
Em 'Alena Existe', publicada pela Ases da Literatura, o autor Roger Dörl desvenda os segredos do universo numa trama repleta de ficção científica, aventura e mistério
Conheça a jornada de Nick, o gatinho amoroso que ensina sobre presença e ausência no livro da autora Maurilene Bacelar, lançamento da Editora Asinha
Nada [substitui a leitura], porque só a leitura e a escrita é que nos dão a dimensão da experiência vivida das outras coisas.
Marcia Tiburi
Escritora brasileira
Publicidade

Você está buscando um emprego no mercado editorial? O PublishNews oferece um banco de vagas abertas em diversas empresas da cadeia do livro. E se você quiser anunciar uma vaga em sua empresa, entre em contato.

Procurar

Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.

Procurar

O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?

Assinar