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O novo iBooks e as estratégias da Apple e da Amazon para manter leitores e autores só para elas
PublishNews, 26/01/2012
Escolham suas armas

A Apple nos acostumou a esperar pelo inesperado. O lançamento do iPad foi comparado a nada menos que Moisés recebendo as Tábuas da lei, e ficou clichê dizer que a companhia “reinventou a indústria musical com o iTunes” ou “mudou tudo o que sabíamos sobre os celulares com o iPhone”.

Foi portanto em meio às brumas do hype que a empresa de Cupertino deu à luz, no dia 19, seu revigorado iBooks e seu “software de publicação”, o Author. Estaria a Apple “reinventando os livros” ou mesmo “mudando tudo o que sabíamos sobre edição e publicação”?. Ela não chega a afirmar isso, mas não faltaram arautos de mais uma revolução. Uma reflexão menos empolgada pode levar a conclusões menos solares.

A Apple escolheu uma causa nobre para justificar seu lançamento, a educação, e com isso evitou o enfrentamento com a indústria editorial estabelecida, a parte mais afetada da história. Na keynote, não faltaram valorosos professores lamentando a falta de motivação dos alunos e o baixo nível educacional, atribuindo-os ao fato de que “desde a Idade Média professores contam com as mesmas velhas ferramentas”. Por “velhas ferramentas” entendam-se o quadro negro, o giz e…o livro de papel. Sim, diz o diretor da Apple, o livro impresso não é (mais) a ferramenta de educação ideal. Eis que entra em cena o iBook, o livro didático do futuro. “Uma nova experiência de livro didático para o iPad. Interativo, divertido, versátil, as crianças vão amar aprender com os iBooks”.

Nada disso é mentira, e pouco disso é exagero. Mas muito disso é posicionamento estratégico.

Está em jogo a hegemonia da comercialização dos bens culturais digitais. É o negócio dos sonhos: seu fornecedor (editora ou autor) cria, formata e fornece a mercadoria, cadastrando-a em seu banco de dados. Você não faz nada. A cada livro, música ou app vendido, você fica com 30% (no modelo de agência, o adotado pela Apple). Sem estoques, sem custo, sem frete, sem trabalho. Sem riscos.

A Apple está correndo atrás do terreno ainda dominado pela Amazon (56% dos livros digitais vendidos, contra 4% da Apple), e empregando suas melhores armas: softwares elegantes. Fazer um livro no Author é uma experiência sensual, especialmente se comparado à aridez do CreateSpace, o programa de autoria da Amazon. Já a vantagem da Amazon é ter a maior banca da feira — é de longe a maior loja do mundo, e pioneira dos livros digitais. Com a convergência dos leitores (iPads e Kindles ficando cada vez mais indistintos), o hardware já não representa vantagem, e restou às duas gigantes a fidelização — ganha o jogo quem mantiver o maior número de fornecedores (autores ou, vá lá, editoras) em seu cercado. Invertendo a lógica da indústria editorial tradicional, no mercado digital é preferível ter milhares de títulos que vendam poucos exemplares do que poucos títulos que vendam milhares. A Amazon lançou uma cartada de (pelo menos) US$ 6 milhões para manter escritores cativos. A Apple, por sua vez, adotou algumas estratégias mais sutis (e, talvez, questionáveis).

Se um autor resolver ler as linhas miúdas do contrato da Apple, as famosas EULAS (e há quem faça isso), verá que tudo o que ele criar e publicar por meio do Author/ iBooks será automaticamente exclusividade da Apple. Isto é, seu livro não poderá ser vendido em outras lojas (Amazon nem pensar) ou sites (nem mesmo seu blog pessoal). Ela também se reserva o direito de decidir-se por não publicar o livro e, neste caso, tudo o que o autor poderá fazer é converter todo seu exaustivo trabalho para um reles .txt e rediagramá-lo como ePub ou .mobi, sem vídeos, widgets ou músicas, para vender alhures. O formato .ibook, exclusivo da Apple não passa, por sinal, de uma variação do .epub, o formato padrão, e gratuito, da indústria. A maquiagem ecoa as tentativas da Microsoft de “privatizar” o código HTML criando penduricalhos que exigiam o uso do Explorer.

Em resumo, o livro só pode ser criado no software da Apple, só pode ser vendido na loja da Apple e só pode ser lido no aparelho da Apple. Quem quiser vender um livro para ser lido no iPad e em outras plataformas terá que passar pelo custoso e longo processo de programar uma app (e esperar que a Apple a aprove).

No documento (aquele mesmo em que clicamos “I agree” sem ler), a Apple estabelece, em negrito, que, mesmo detendo a exclusividade, não tem responsabilidade legal alguma por quaisquer danos que seu livro possa provocar (plágio, danos morais, uso indevido etc). Se não é a Apple, quem é o responsável, então?

A plataforma Author+iBook+iPad+iBookstore abreviou o caminho entre os autores e o leitor, tornando o editor e a editora atravessadores supérfluos. Agora, por exemplo, é possível que um professor publique um livro de geografia contendo um mapa do Brasil onde não exista o estado do Piauí — já que não haveria um editor responsável para corrigir. (O argumento teria mais valor se erros assim não fossem cometidos frequentemente por editoras.) O segundo ponto crítico, e talvez mais grave, é a dificuldade de assegurar a propriedade intelectual de terceiros. Quem usa o Authors é tentado a incluir todo o tipo de recurso multimídia — fotos, vídeos, músicas. Na falta de um editor responsável (juridicamente, que seja), como garantir que tudo seja licenciado e — já que o produto final será vendido — que seus proprietários sejam remunerados?

As grandes editoras estrangeiras — em uma posição que lembra a do “bobinho” no jogo infantil, tentando pegar a bola que está ora com a Amazon, ora com a Apple — ainda não apresentaram uma reação consensual aos mais novos ímpetos publicadores da Apple. No caso do Brasil, onde a venda de livros para o governo é o que mantém a indústria de pé, a perspectiva da chegada de uma empresa que obtém conteúdo de graça dos autores e o vende, com exclusividade, para sua própria plataforma, vai exigir, no mínimo, jogo de cintura das editoras.

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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