
A companheira do ator Bruce Willis, Emma Heming Willis, publicou um livro de memórias e reflexões a partir de sua experiência como cuidadora do marido, que sofre de demência frontotemporal. Lá fora, o livro saiu pelo The Open Field, selo da Penguin Random House. Interessou? Boas novas: o livro será lançado este mês no Brasil. O rumo inesperado: Como recuperar a força, a esperança e se reencontrar na jornada do cuidado poderá ser lido em português através do selo BestSeller, da Editora Record, com tradução de Rita Paschoalin e Cláudia Mello Belhassof. A obra está em pré-venda na Amazon e chegará às prateleiras no próximo dia 6.
É de um lugar bem semelhante que a escritora Júlia Jalbut fala. Filha única, ela tinha apenas 22 anos quando a mãe recebeu um diagnóstico de câncer e o pai sofreu um infarto. Foram 12 anos de consultas, internações e aprendizados, que resultaram no livro Uma casa que não pode cair (Editora Planeta). Elogiada por referências no assunto, como o psicólogo e escritor Alexandre Coimbra Amaral e a médica geriatra, especialista em cuidado paliativo, e escritora Ana Claudia Quintana Arantes – autora do fundamental A morte é um dia que vale a pena viver, que está beirando as 900 mil cópias vendidas, segundo dados atualizados da assessoria de imprensa da Editora Sextante –,a obra amplia o debate sobre o cuidado, o adoecimento e o luto — temas áridos que, nos últimos anos, vêm ganhando espaço na literatura e nas rodas de conversa mundo afora.
Júlia já leu o livro de Willis. “Ela fala sobre a experiência dela de cuidadora e enfatiza a importância do cuidador cuidar de si mesmo, que é algo que eu também falo no meu livro. A experiência dela começou em 2023, então é um tempo mais curto, o que não quer dizer que não seja intenso. E ela foca numa demência específica, a demência frontotemporal, que não é muito abordada na imprensa nem nas conversas. Em geral a gente fala mais de Alzheimer e Parkinson, e ela traz muita informação sobre esse tipo de demência", adianta a autora paulistana. Leia a entrevista na íntegra:

PUBLISHNEWS – O cuidado familiar é visto como expressão de afeto. Na prática, quais são as armadilhas dessa visão idealizada? Como é possível lidar com o peso dessa responsabilidade sem cair na culpa? A carga sobre as mulheres costuma ser maior, não é?
JULIA JALBUT – O ato de cuidar (de pais, filhos, alunos, pacientes) é facilmente idealizado. Costumamos associá-lo ao amor, ao afeto, à compaixão. Mas é importante lembrar que cuidar também é cansativo, pode trazer emoções intensas, pode exigir muito mais do que temos: emocional, financeira, fisicamente. Não é simples cuidar dos pais que envelhecem e isso se dá por muitos motivos: porque há uma história prévia (e nem sempre é uma história simples ou feliz), porque é menos gratificante cuidar de um adulto em comparação a cuidar de uma criança, e porque em última instância envolve deparar-se com nossa própria finitude (para citar apenas três). Para que o cuidar seja mais leve, é importante poder acolher as luzes e sombras dessa experiência. Saber que não há nada de errado em desejar estar perto e também querer fugir. E, sim, 80 ou 90% das pessoas que cuidam dos pais são mulheres. E as mulheres estão exaustas, ficam doentes, e muitas não topam mais que esse trabalho invisível, não-remunerado, pouco valorizado recaia sobre elas, apenas. Há quem diga que nós, mulheres, temos mais facilidade para o cuidado, mas seja isso biológico, cultural ou uma mistura de ambos, pouco importa. Mulheres cuidam e homens também podem cuidar. Precisamos falar sobre isso, tanto para aliviar a carga das mulheres, como também para acolher os 15 por cento de homens cuidadores, que se sentem isolados e estigmatizados, como se, ao exercessem esse papel, tivessem sua masculinidade abalada.
PN – A experiência de cuidar costuma trazer uma mistura de afetos contraditórios. Como reconhecer e atravessar essa convivência entre amor, gratidão e, ao mesmo tempo, raiva, tristeza ou culpa? O novíssimo livro da Emma Willis, mulher do ator Bruce Willis, que enfrenta uma demência frontotemporal, fala sobre isso?
JJ – O cuidado pode fazer aflorar amor, compaixão, gratidão, e ao mesmo tempo despertar raiva, tristeza, culpa. Não é fácil lidar com essa avalanche de sentimentos, sobretudo em uma cultura que tende a dividir o mundo em binarismos: bom e ruim, luz e sombra, certo e errado. Quando sentimos algo que foge daquilo que é considerado ideal, facilmente surgem culpa e angústia e, com eles, mais sofrimento. Por isso é tão importante falarmos sobre essa experiência. Cuidar de alguém é um grande convite a aprender a conviver com emoções ambivalentes. Acho valioso se permitir sentir e expressar o que surge, com menos vergonha e mais autocompaixão. Saber que não é falta de amor sentir raiva; não é falta de esperança ficar triste. Somos humanos e nossos afetos são complexos. Outro caminho interessante - que inclusive foi o tema do meu TCC na pós em Luto que fiz no Instituto 4 Estações - é a arte: o contato com livros, filmes, artes plásticas ajudam muito. Quando alguém compartilha sobre o que sente, muitas pessoas saem de um lugar de inadequação e descobrem que não estão sozinhas. A arte é uma forma poderosa de conhecer histórias diferentes, mas ao mesmo tempo muito parecidas com a nossa. O livro da Emma Willis fala sobre a experiência dela de cuidadora e enfatiza a importância do cuidador cuidar de si mesmo, que é algo que eu falo também no meu livro. A experiência dela começou em 2023, então é um tempo mais curto, o que não quer dizer que não seja intenso. E ela foca numa demência específica, a demência frontotemporal, que não é muito abordada na imprensa nem nas conversas. Em geral a gente fala mais de Alzheimer e Parkinson, e ela traz muita informação sobre esse tipo de demência. É um livro bem informativo, que dialoga com o meu. Vale a pena conhecer também!
PN – Quais práticas e apoios foram decisivos para que você conseguisse atravessar esse período de cuidado intenso dos teus pais sem perder a conexão consigo mesma?
JJ – Contei com muitas ajudas ao longo do caminho para conseguir cuidar de mim. Fiz terapia e isso me ajudou muito a expressar minhas emoções, acolher e nomear o que sentia num espaço seguro e livre de julgamentos. Rapidamente percebi que só a terapia não daria conta e comecei a me abrir com alguns amigos e família. Construir uma rede de apoio é crucial neste processo. É importante lembrar que isso não se dá de uma hora para outra: é aos poucos que vamos encontrando as parcerias que podem nos apoiar nesse processo. Também pratico yoga e meditação há muito tempo e, através delas, desenvolvi uma intimidade comigo mesma, o que me ajudou muito a reconhecer minhas necessidades e a me conectar com meus recursos internos. Aprendi a reconhecer o que me dava força; o que me afastava de mim; quais eram meus limites. E, por fim, escrevi o livro Uma casa que não pode cair, a partir da experiência que tive com os meus pais. O câncer da minha mãe, o infarto de meu pai e as sucessivas internações e complicações que cada um viveu chacoalharam nossa casa como um terremoto interminável. Daí o nome do livro. Ora grau 1 – quase imperceptível, porém inegavelmente presente –, ora grau 9, derrubando tudo o que estava de pé. Rachaduras começaram a se abrir pelas paredes, o chão por vezes parecia faltar. Em meio a esse caos, eu fui para o centro. Filha única, 22 anos e saudável, parecia caber a mim ser forte e dar conta do recado. Ao longo do tempo, aprendi muitas coisas: que precisava cuidar de mim e também receber cuidados; que vulnerabilidade não é fraqueza; que estar ao lado de alguém que amamos e adoece é duro, mas também pode trazer muitas oportunidades. Minha experiência pessoal é o ponto de partida para abordar os temas universais que emergem quando nos deparamos com a finitude e impermanência.






