Publicidade
Publicidade
A literatura salva
PublishNews, Vanessa Passos, 24/02/2025
Nova coluna de Vanessa Passos no PublishNews compartilha comentários e resenhas de livros e os benefícios da leitura

Como colunista do PublishNews, eu decidi que, em 2025, quero poder compartilhar minhas leituras, as provocações – e salvações – que elas me trazem. Leituras variadas, mas sempre focando nas autoras e nos autores vivos, no diálogo que eles podem trazer.

A primeira leitura que eu gostaria de compartilhar é o romance O cochilo de deus (2024), de Raïssa Lettiére, publicado pela Faria e Silva (Alta Books), um livro que me deixou sem cochilar. A autora apresenta personagens distintos: homens, mulheres, cães, jovens, velhos, adolescentes e crianças, que viajam entre diferentes países e períodos históricos. São, por sua vez, histórias fragmentadas que se conectam misteriosamente.

No seu livro, uma das personagens confessa ter raiva dos artistas e de sua suposta arrogância, como lemos neste trecho:

“Nunca entendi os artistas. Dizem que eles tocam outra dimensão da vida e tentam traduzi-la por meio da arte a nós, simples mortais, que necessitamos de seu dom e talento para acessar sensações nobres. Que disparate. Quanta sandice já ouvi a esse respeito. Seriam eles, então seres dotados? Seria, por acaso, um dom torturar pessoas simples com teorias e divagações sem sentido algum? Pessoas como eu, que precisam enfrentar o suor do dia, sobreviver ao tempo que corre sem lhes conceder prazer algum. Enquanto esses artistas ficam por aí, usando seu tempo com excentricidades?

Partindo do ponto de vista da personagem, o artista é considerado um ser “superior”. No livro Profanações, o filósofo Giorgio Agamben afirma que profanar é tirar da áurea de sagrado e trazer para o comum. Isso me fez pensar: e se fizéssemos isso com a literatura? E se ela deixasse de ser algo ainda tão elitista e para poucos? E se as pessoas soubessem como a literatura também pode nos salvar, quase como se ela pudesse ser também nossa religião.

Ler – e escrever – é algo mais simples do que imaginamos. É algo que pode ser acessível a todos. A ideia de que artistas são seres superiores, além de romantizar o processo de escrita, só reforça esse elitismo. Por sua vez, a personagem de Lettiére evidencia isso em seu diálogo: “Espero que Deus não tenha tanta consideração assim pelos artistas, mas pelo simples e normais deste mundo.”

Portanto, trazer a leitura para o cotidiano, o comum, não apenas democratiza algo tão relevante em nossa sociedade, como também pode contribuir para alterar as estatísticas do Retratos de Leitura de que 53% de brasileiros não leem, divulgadas aqui, inclusive.

Durante o meu mestrado em Literatura Comparada na Universidade Federal do Ceará (UFC), eu ouvi algo que até hoje, depois de tantos anos, me espanta quando eu me lembro: um colega disse, para uma aluna que tinha acabado de entrar na Graduação em Letras, que ela não tinha capacidade intelectual para ler Proust. Espantoso, não? Isso é apenas um dos exemplos em que os fiscais da leitura (que ditam quem pode ler e o que pode ser lido) atuam. É por essa razão que na vida e na literatura – como a personagem de Raissa Lettiére nos relembra – a grande maioria das pessoas se afastam da arte e dos artistas e continuam mais interessadas nas redes sociais, nos games, nos filmes e séries. Eles são mais acessíveis, menos arrogantes e pedantes.

É uma pena e eu espero realmente que esse cenário possa mudar e que eu e você possamos contribuir juntos para um movimento da democratização da leitura. Foi lendo que eu descobri que eu tinha voz. Foi lendo que eu descobri que existia alguém no mundo que me entendia e sentia o mesmo que eu. Foi lendo que eu pude esquecer das tragédias da vida (e também tomar consciência delas). Foi lendo que ri. Foi lendo que eu chorei (tantas e tantas vezes). Foi lendo que eu me tornei quem eu sou. Por isso eu continuo repetindo: a literatura salva.

Livros indicados:
O cochilo de deus, de Raissa Lettiére
Profanações, de Giorgio Agamben

Vanessa Passos é escritora, roteirista, professora de escrita criativa, doutora em Literatura (UFC) e pós-doutora em Escrita Criativa (PUCRS), sob orientação de Luiz Antonio de Assis Brasil. É idealizadora do Programa 321escreva, do Método Mais Vendidos e do Encontro Nacional de Escritoras. Lidera uma comunidade de escritoras que tem voz em mais de 9 países, orientando centenas de escritoras a escrever, publicar e divulgar seus livros. Autora do volume de contos A mulher mais amada do mundo (2020). Seu romance de estreia A filha primitiva foi vencedor do Prêmio Kindle de Literatura (2021), do Prêmio Jacarandá (2022), do Prêmio Mozart Pereira Soares de Literatura (2023) e vai ser adaptado para o cinema pela Modo Operante Produções, agora publicado pela José Olympio. É colunista do Jornal O POVO e do PublishNews. Nas redes sociais, a escritora pode ser encontrada no perfil: @vanessapassos.voz.

Publicidade

A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!

Leia também
Finalista do Prêmio Literário Voz, Valeria Macedo nos entrega um romance delicado e necessário, que atravessa gerações com voz firme e comovente
Em novo texto, Vanessa Passos compartilha comentários e sua resenha sobre o livro 'O filho que quero ter', de Gisele Fortes
'Linha da vida: a costura de nós', romance de Monique de Magalhães costura destinos marcados por violências ancestrais com uma habilidade rara: a de revelar sem julgar, de mostrar o horror sem perder a beleza da linguagem
Antes do fim do riso, romance de Bert Jr., é uma distopia que trata de temas muito atuais, como autoritarismo, intolerância e repressão
'O nome dela é Luana', romance de Eberson Terra e Gustavo Nascimento, trata de temas considerados tabus na vida e na literatura, como a intolerância religiosa, o abuso sexual e a injustiça social
Publicidade

Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.

Outras colunas
Todas as sextas-feiras você confere uma tira dos passarinhos Hector e Afonso
Espaço publieditorial do PublishNews apresenta nesta semana obras publicadas por Dani Caroline, Maria Medeiros Sampaio, Diogo Rigoni e Anelise Falcato
A protagonista é a encantadora pipa Zazá, cheia de vida e determinada a explorar o mundo
Manuel é um pequeno ouriço que vive de mau humor. Nada parece agradá-lo. Mas tudo muda quando ele encontra uma florzinha especial na floresta
A história gira em torno de Bia, uma coelhinha curiosa e encantadora que vive no galpão de Seu Antônio ao lado de seus irmãos Suzy, Paco e Quindim, e de seu amigo de infância, Barruada
A ficção é sempre uma invenção, o que não significa que seja sempre uma invenção mentirosa. Há autores que inventam grandes verdades.
Luis Fernando Verissimo
Escritor brasileiro

Você está buscando um emprego no mercado editorial? O PublishNews oferece um banco de vagas abertas em diversas empresas da cadeia do livro. E se você quiser anunciar uma vaga em sua empresa, entre em contato.

Procurar

Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.

Procurar

O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?

Assinar