
Nesta terça-feira (4), o Comitê de Política Monetária (Copom) reafirmou na ata da última reunião o “firme compromisso de convergência da inflação à meta” – na última semana, o Banco Central aumentou os juros em 1 ponto porcentual, de 12,25% para 13,25% ao ano. O colegiado também reiterou a orientação de mais uma elevação na próxima reunião, em março, o que levaria a taxa Selic a 14,25%. O dólar comercial operava na manhã desta terça a R$ 5,80, menor patamar desde novembro de 2024 – depois de encerrar 2024 com uma valorização de 27,34% em relação ao real, a maior variação da moeda americana desde 2020, durante a pandemia.
Uma das principais questões relacionadas ao mercado editorial e o cenário econômico nacional e internacional é o papel. Em 2025, as fabricantes já repassaram ao mercado ajustes de 7 a 10% – menos da metade da variação do dólar. “A fábrica não repassou o dólar”, diz ao PublishNews o presidente do Conselho Diretor da Associação Nacional dos Distribuidores de Papel (ANDIPA), Italo Aguiar Bezerra de Meneses. “Eu não me surpreenderia com um novo aumento”.
Para o editor e presidente da seção paulista da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf-SP), João Scortecci, dólar e juros são fatores interligados, e a especulação com o dólar cria um clima de imprevisibilidade ruim para os negócios.
“Com a falta de previsibilidade, a indústria gráfica não consegue comprar direito, os prazos diminuem, o preço de outros serviços – como aluguéis, mão de obra (este ano tivemos aumentos sindicalizados de 4 a 8%), refeição, condução (reajuste das passagens) – independente do tamanho da empresa, tudo isso sobe. A indústria é então obrigada a reajustar. Só que ela muitas vezes fornece papel e joga a margem para as editoras – se há um aumento de 7% no papel, não pode passar só isso, porque tem que repassar os outros custos. Às vezes essas circustâncias fazem ser necessário passar o dobro do custo do papel, e o mercado editorial toma um susto. Já o aumento dos juros afeta toda a parte de financiamento. Não só de equipamentos, mas de outros custos. É uma insegurança geral”, analisa.
Para o editor e livreiro Diego Drumond, vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), a alta do dólar afeta diversas variáveis da produção editorial. “O aumento do dólar afeta significativamente os custos de insumos essenciais, como papel, tinta e equipamentos gráficos, muitos dos quais são importados ou com seus preços atrelados ao mercado internacional. Além dos custos de produção do livro, o frete, fundamental para a cadeia do livro, também sofre impacto”, diz.
Ainda do lado do editor, a aquisição de direitos autorais de obras estrangeiras também tende a se limitar. “Esse cenário se reflete no preço final dos livros, restringindo ainda mais o acesso da população à leitura”.
Como os editores acabam se defendendo dessas influências? “Imprimindo apenas o que ele precisa imprimir, o que já faz parte do catálogo, diminuindo a variedade de lançamentos”, explica Scortecci – com consequências negativas para a bibliodiversidade do mercado. Além disso, com o cenário imprevisível, as empresas acabam adiando decisões.
Por outro lado, no contexto da exportação, a valorização do dólar pode beneficiar as editoras brasileiras. “A internacionalização do setor editorial surge como uma alternativa para equilibrar os caixas das empresas, e a participação em projetos como o Brazilian Publishers pode ser uma estratégia viável”, explica Diego Drumond.
O vice-presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL) e editor Marcos da Veiga Pereira destaca a cultura de indexação, que faz subir os custos fixos a partir da inflação geral. “Os impactos do dólar na indústria são grandes, a começar pelo preço do papel, nosso principal insumo, e que é uma commodity internacional. Mas a renovação do parque gráfico, que está cada vez mais necessária, também fica mais difícil com o dólar na faixa de R$ 6,00. Outro aspecto é o custo de frete, indexado ao preço da gasolina. E finalmente a inflação brasileira como um todo, visto que o país ainda tem uma cultura de indexação (salários, contratos de aluguel, etc), que corrige todos os custos fixos”, explica.
Diego Drumond também menciona a dificuldade de novos investimentos em modernização com o cenário de juros altos. “Os juros elevados reduzem a disponibilidade e encarecem o crédito para editoras, livrarias e gráficas, dificultando investimentos em modernização, produção de novos lançamentos e financiamento de estoques. Esse cenário afeta especialmente editoras e livrarias, que já operam com margens reduzidas, comprometendo não apenas a saúde financeira do setor, mas também influenciando o preço dos livros”, afirma – além do impacto na capacidade de consumo da população em geral.
Papel
O presidente da ANDIPA detalha como essa discussão afeta o papel.
“O juro é um remédio para o preço alto. Quando sobe o juro, desce preço, os ativos se depreciam. Ou seja, é uma forma do governo dizer para a economia que quer menos movimentação econômica. Assim, do nosso lado, não tem investimento em maquinário. Quem vai comprar uma máquina? Quando joga para o mercado, o juro real sobe para 22%, no composto dobra… não tem máquina que se paga em três anos com esse fator. Como vou botar recurso próprio em maquinário quando tem aplicação financeira rendendo 16% sem fazer nada?”.
Em relação ao dólar, são muitas variáveis e elas também mudam de acordo com o tipo de papel necessário para o editorial. No papel para miolo (não revestido), o Brasil tem um superávit de produção – ou seja, os fabricantes produzem mais do que o necessário para abastecer o mercado interno, o que deixa margem para exportação.
Quando o assunto é papel cartão – usado para capas de livros, por exemplo – a importação vale a pena, muito por conta da sobreprodução e da grande oferta chinesa. “Quando vai pro cartão, a China é super bem aceita, e o preço só cai”, explica Italo. “A Nine Dragons Paper (empresa chinesa de fabricação de papel) quer entrar no Brasil com muita força. Os fabricantes chineses estão relutantes em reajustar o preço, mesmo com a subida do dólar, porque eles têm superprodução. O poder de fogo é um negócio imenso. Isso ajuda a segurar o valor”.
Por esses e outros fatores ele explica que não se surpreenderia com um novo reajuste do papel ainda este ano.
Para as editoras, é uma situação complexa: diferente da indústria, o editor não consegue automaticamente repassar os reajustes para o consumidor. “Mesmo assim, no livro, o papel não é o maior custo”, destaca Scortecci.
Diante do cenário – causado em parte por falhas de comunicação do governo, na sua avaliação –, ele ressalta a importância de uma regulação de mercado como a que pode ser promovida pela Lei Cortez. “Estamos com apenas 30% do que se produz no setor editorial nas livrarias. É pouco”, conclui.
Estimativas da ANDIPA sobre a produção de papel para livros no Brasil:
- Os dois maiores fabricantes (Suzano e Sylvamo) produzem 2 milhões de toneladas de papel para miolo (não revestido) por ano;
- Ao menos 70% do consumo de papel para livros no Brasil é nacional;
- Consumo total fica perto de 600 mil toneladas/ano;
- O papel amarelo representa menos de 10% do total.