Com tom político sutil, Feira de Frankfurt 2024 abre oficialmente frisando o seu viés democrático
PublishNews, Talita Facchini, 16/10/2024
Cerimônia contou com discursos dos italianos Stefano Zecchi, Susanna Tamaro e Carlo Rovelli; 'Por favor, escrevam livros que nos ensinem como parar a loucura atual', pediu Rovelli em sua fala

Com um tom político menos enfático do que o visto nas edições anteriores, a abertura oficial da Feira do Livro de Frankfurt ocorreu na noite desta terça (15), reunindo mais uma vez profissionais do mercado editorial de todo o mundo.

“Quem não lê, aos 70 anos terá vivido só uma vida. Quem lê, terá vivido 5 mil anos. A leitura é a imortalidade antecipada” – com a frase do escritor e filósofo italiano Umberto Eco, o presidente da feira, Juergen Boos, iniciou seu discurso que mais uma fez buscou reforçar o papel democrático e diverso do maior evento do setor editorial.

Assim como nas falas que se seguiram, as menções aos conflitos ao redor do mundo foram sutis e com o objetivo de enfatizar o papel que os livros e a literatura têm na tolerância, no conhecimento, discernimento e nos diálogos do dia a dia. “Em um tempo dominado por conflitos e crises nas notícias, você pode se perguntar qual o benefício de ler? Qual o papel de uma feira do livro? (...) A literatura pertence a uma voz contrária e pode nos fazer assumir outras perspectivas. Nos próximos cinco dias aqui em Frankfurt viveremos debates engajados, controversos e políticos sobre livros e sobre nós como sociedade. Não se trata de quem tem a voz mais alta, mas de ouvir uns aos outros. Se trata de ouvirmos discussões e conversas que conduzam à abertura, à troca, à percepção respeitosa de outras posições. Essa é a ideia de Frankfurt”, finalizou.

País Convidado de Honra nesta edição, a Itália iniciou sua participação na cerimônia com um discurso do ministro da Cultura italiana, Alessandro Giuli. Antes que ele iniciasse sua fala, algumas pessoas na plateia levantaram e deixaram o local como ato de protesto do governo de ultra-direita italiano. "É uma piada convidar um racista populista da Itália depois de tais discursos", gritou o político Nico Wehnemann. No X (antigo Twitter) ele repetiu o que vociferou no evento em um tweet e disse que a Feira o baniu por ter atrapalhado a cerimônia.

O filósofo e escritor italiano Stefano Zecchi; a escritora Susanna Tamaro; e o físico Carlo Rovelli também discursaram na abertura. “Cada livro é um tijolo para a construção do futuro”, disse o autor de A ordem do tempo, O abismo vertiginoso e Buracos brancos – todos publicados por aqui pela Objetiva.

Ao clamar por um senso de comunidade mundial, Rovelli falou sobre como o mundo está acabando pouco a pouco e como “todos os desafios que enfrentamos, enfrentamos juntos”. “Isso faz de todos nós ao redor do globo membros de uma única comunidade de destino. As tribos humanas são agora uma única tribo”, disse. “Nós, os idiotas humanos, desperdiçamos uma quantidade colossal de recursos para construir armas e usá-las, gerando uma quantidade imensa de sofrimento para milhões”.

O físico lembrou ainda que no passado, no meio da Guerra Fria, a União Soviética e os EUA, apesar da grande diferença ideológica, conversaram e concordaram em reduzir o número total de armas nucleares, ogivas nucleares à frente em quase 90%. “Hoje, muito estupidamente, estamos fazendo exatamente o oposto. Estamos furiosamente construindo novas bombas atômicas em grandes números e mísseis”, disse, enfático.

Para encerrar, Rovelli fez um pedido: “Vou pedir a todos nós, nós comerciantes de livros, para nos envolvermos no uso de nossa inteligência, para vermos que precisamos – para o nosso próprio bem – reconhecer que a humanidade é agora esta única tribo. Precisamos aceitar as diferenças, parar de demonizar uns aos outros e culpar os outros, e começar a aprender uns com os outros, construindo juntos uma comunidade global compartilhada para este pequeno planeta errante e giratório, que é nosso único lar cruel. Por favor, escrevam livros que nos ensinem como parar a loucura atual. Esses livros publicados nos dão maneiras de pensar sobre todos nós como uma comunidade universal. Por favor, lembrem-se da responsabilidade, veja a comunidade do nosso destino. Eu acredito que um mundo melhor é possível. E os livros precisam ser”.

A cerimônia também contou com discursos de Karin Schmidt-Friderichs, presidente da associação de editores e livreiros alemães; Mike Josef, prefeito de Frankfurt; Boris Rhein, primeiro-ministro; Claudia Roth, ministra do estado, cultura e mídia.

Frases da abertura

  • "As democracias morrem lentamente. Isto é muito mais perigoso porque muitos só acordam quando já é tarde demais" – Boris Rhein
  • "Uma democracia forte precisa de uma diversidade de vozes e opiniões e isso se consegue com os livros" – Boris Rhein
  • "Os livros fazem a democracia funcionar e a mantém viva" – Claudia Roth
  • "A boa literatura não morre" – Susanna Tamaro
  • "Nós vivemos num mundo de narrativas" – Carlo Rovelli
  • "A palavra é um instrumento que pode unir as pessoas. E o livro, um ótimo instrumento pra espalhar a palavra da liberdade" – Mike Josef
  • "A literatura atravessa mundos e nos faz sonhar" – Juergen Boos

*A jornalista viajou com o apoio do CreativeSP, e do Publishing Perspectives, veículo de comunicação ligado à Feira de Frankfurt.

[16/10/2024 08:00:00]