Sobre essas questões, Gonçalo Junior respondeu a três perguntas do PublishNews.
PublishNews – Como a relação entre Adolfo Aizen e Roberto Marinho ajudou a moldar a trajetória das HQs no Brasil?
Gonçalo Junior – Essa pergunta é um pouco complexa de responder. O que eu posso dizer é o seguinte: Roberto Marinho começou como empresário de jornal e Aizen trouxe dos EUA – em uma viagem do Touring Club, uma viagem cultural, com 150 empresários, jornalistas, socialites, em 1933 – os suplementos de jornais, e um deles era de quadrinhos. Aizen propõe a Marinho uma sociedade, Marinho não aceita, diz que não, que aquilo é muito caro, que não conseguia viabilizar, aí Aizen lança pelo jornal A Nação, do coronel João Alberto, que era ligado a Vargas. Só que o suplemento de quadrinhos faz muito sucesso e vira um negócio que começa a vender 70 mil por edição, enquanto o jornal vendia 20 mil. Aí Roberto Marinho, espantado com aquele sucesso todo – Aizen começou a fazer três edições por semana, três, segunda, quarta e sexta – entra no ramo de quadrinhos. Então, o próprio Marinho cansava de dizer que por toda a vida que as revistas ajudaram ele a fundar Rede Globo, né. Então, Aizen e Marinho foram os dois grandes editores de revistas no Brasil dos anos 30 aos anos 60. Nos anos 50, Victor Civita entra no negócio, Chateaubriand também, em 1940, quando ele lança O Guri. Então, você tem aí os quatro maiores empresários da imprensa brasileira no século 20, entre os anos 30 e os anos 60, ganhando muito dinheiro porque as revistas em quadrinhos tinham tiragens de 200, 300, até 400 mil exemplares por edição. Então, esses caras capitalizaram muito o império deles com os gibis. E é disso que eu trato no livro, ao mesmo tempo em que há uma forte campanha de censura, porque psicólogos e psiquiatras diziam que as revistas induziam as crianças ao crime, à prostituição e até a serem homossexuais, entende? Então, foi uma guerra contra os quadrinhos. Daí o título do livro.
– O livro trata de um período em que os quadrinhos tiveram amplo alcance na discussão política, social e cultural do país. Como você avalia o papel das HQs atualmente nesses contextos? A ausência de polêmicas como aquelas retratadas no livro tem algum efeito nesse sentido?
Os quadrinhos hoje passam pelo mesmo tsunami da revolução digital que mudou tudo, mudou todos os hábitos. O computador não conseguiu substituir os gibis, as pessoas não curtem muito ler, isso está provado. O papel ficou tão evidente assim, a preferência pelo papel, que hoje a gente vive um fenômeno das chamadas lombadas, os lombadeiros, edições de capa dura. Os quadrinhos perderam o seu papel de massa, as bancas de jornais desapareceram e os quadrinhos foram juntos com essa coisa da perda do hábito de leitura. Eu não concordo que quando as pessoas falam ''ah, as pessoas não estão lendo mais jornais e revistas impressas, leem na internet''. Eu não concordo. Elas não leem simplesmente, elas não estão lendo. Elas preferem fofocar, usar redes sociais, brincar, paquerar, qualquer coisa, menos se informar corretamente. A maioria, né? Tem gente que ainda lê jornal, tem gente que ainda compra revista, tem gente que ainda lê notícias em sites confiáveis. E os quadrinhos foram arrastados por isso. Então, hoje, os quadrinhos viraram nicho de livraria. É como se... uma tiragem normal de livro, né? Um, dois, três mil exemplares. Mas tem uma novidade, que são os chamados omnibus. Que chegam a ter 1,2 mil páginas, capa dura, e que o preço vai de R$ 250, R$ 300, até quase R$ 800. São muito caros esses omnibus. Geralmente, eles têm mais de 500 páginas. Então os quadrinhos hoje geram ainda alguma polêmica quando trata de questões ligadas a temas LGBTQIA+. Como a gente viu lá que o prefeito do Rio de Janeiro, há alguns anos, mandou recolher uma revista em quadrinhos que tinha uma história gay de dois super-heróis. Mas os quadrinhos não incomodam mais, não. O preconceito ainda existe. Isso sim. Foi passando de geração para geração: 'quadrinhos é uma coisa de gente preguiçosa, né, que não gosta de estudar, não gosta de ler'. Antigamente os colégios faziam fogueiras para queimar os gibis, essas coisas assim.
– O livro foi editado em 2005 e agora aparece em nova edição. Quais foram as modificações e como surgiu a ideia (ou a necessidade) de reeditá-lo? Quais são as ampliações que os leitores vão encontrar?
Esse livro foi feito antes da internet. Embora eu tenha passado alguns anos pesquisando, mas ele foi apresentado como meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo em 1993. Como eu tive um tempo agora, eu voltei à Hemeroteca, que é uma fonte fabulosa, onde estão todos os jornais da Biblioteca Nacional, que você pode consultar online. Aí eu aproveitei e fiz uma nova pesquisa. Então, por exemplo, se tinha uma polêmica contra os quadrinhos do jornal Última Hora de Samuel Weiner, eu tinha encontrado antes nove reportagens. Pela Hemeroteca, eu consegui descobrir que eram 53. Além de outros aspectos tratados nessas matérias. E tem um capítulo adicional sobre Adolfo Aizen, que revela uma forte ligação dele com a máquina de propaganda fascista do Estado Novo. Ele foi muito engajado naquilo e se beneficiou bastante dessa aproximação com Vargas, com o ministro da Educação e com o ministro da Justiça da ditadura Vargas. Então, eu acho que é um capítulo que, não sei se se borra a imagem de Aizen pela legião de fãs que ele tem, mas é um aspecto interessante da vida dele.