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Lei Cortez: Alexandre Martins Fontes rebate Elio Gaspari
PublishNews, Alexandre Martins Fontes*, 25/04/2024
"A verdadeira tunga, palavra usada por Gaspari para descrever o esforço que os livreiros estão fazendo para tentar garantir que um pilar tão importante da nossa cultura possa sobreviver, está na desinformação"

Em 23 de abril, comemora-se o Dia Mundial do Livro. No Brasil – onde o número de leitores e de livrarias nos deixa muito atrás não apenas dos países mais desenvolvidos do mundo, mas também de vizinhos em eterna crise econômica, como a Argentina – é sempre bom ter uma data na qual a grande mídia e diversos setores da sociedade param a fim de prestar seu tributo a um item tão fundamental para a cultura de qualquer comunidade. Seria desejável que isso acontecesse todos os dias, assim como muitas vezes lamentamos que somente no dia 8 de março tantas pessoas se preocupem em alardear sobre a violência contra a mulher, ou só em 20 de novembro o tema racismo ganhe com tanta ênfase as páginas dos jornais ou as telas dos celulares e das tevês. Mas melhor um dia do que dia nenhum, certo?

Pois na celebração do Dia Mundial do Livro de 2024, em meio a tantas declarações apaixonadas de leitores de todos os cantos, o mercado livreiro recebeu de “presente” do jornalista Elio Gaspari um artigo nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo em que ele presta um dos maiores desserviços que o livro e a leitura viram nos últimos tempos. Seria quase como se o jornalista (também um renomado escritor) redigisse um artigo no dia 8 de março culpando as mulheres pelo alto número de estupros no Brasil, discurso que, infelizmente, já foi tão difundido à boca pequena em nossa sociedade.

A ideia de Elio Gaspari era tratar da Lei Cortez, projeto que, como ele mesmo pontua, é muito bem-sucedido em países como França, Alemanha e Espanha (e Itália, Japão, Coreia do Sul, México, Holanda, Portugal, e, mais uma vez, nossa “sofrida” vizinha Argentina). A ideia dessa lei é impedir que empresas gigantescas (como a Amazon, citada pelo jornalista – e ainda nomeada por ele como uma livraria!), sem nenhum compromisso com a cultura do nosso país, tratem o livro como isca e deem descontos abusivos.

A lei, no entanto, limita-se apenas a livros lançados nos últimos 12 meses, que teriam um desconto máximo de 10%. Ou seja, não atinge sequer 5% do total das obras disponíveis no mercado nacional e vale por um período que dará às pequenas livrarias a chance de uma concorrência mais leal, em produtos que atraem clientes e geram um movimento fundamental para as lojas menores. Ao garantir isso, a lei permite que mais livrarias possam coexistir e que mais livros, dos mais variados temas, possam ser descobertos pelos mais variados leitores. Se ficarmos apenas nas mãos de uma empresa (digamos, a livraria Amazon), podemos até comprar livros pela metade do preço, mas serão apenas os livros que ela entender que valem a pena ser vendidos.

Como no Brasil há historicamente uma falta de investimentos sérios em educação e cultura, e mesmo a parcela da população com maior poder aquisitivo se preocupa mais em investir em roupas (ou sabonetes) do que em livros, esse projeto de lei está há mais de uma década sendo jogado de uma gaveta a outra do Congresso Nacional, sem a menor chance de receber um debate minimamente sério a respeito do que ela se propõe. A prova disso é que mesmo um jornalista e escritor bem-informado e experiente como Elio Gaspari acaba por escrever textos que o fictício personagem “tio do zap” poderia ter feito, não estivesse o tio mais preocupado em afirmar que a Terra não é redonda.

A verdadeira tunga, palavra usada por Gaspari para descrever o esforço que os livreiros estão fazendo para tentar garantir que um pilar tão importante da nossa cultura possa sobreviver, está na desinformação. Está em fazer a população achar que não vai mais poder comprar livros com desconto quando a imensa maioria dos produtos não será atingida pela lei; está em fazer a população achar que livro e caminhão são produtos sem características únicas que mereçam atenções distintas e especiais; está em passar a ideia de que os livreiros formam uma máfia poderosa que busca apenas continuar nadando em dinheiro enquanto todos os outros negócios sofrem calados as agruras do capitalismo.

Aliás, é importante deixar claro que essa é uma luta de cada um dos milhares de profissionais que atuam no setor editorial brasileiro: autores, revisores, ilustradores, designers, editores, distribuidores, livreiros etc. Não por acaso, a aprovação da Lei Cortez é defendida por todas as entidades que representam a indústria do livro: SNEL, CBL, LIBRE, ANL, ABEU, ABIGRAF, ABDR etc.

O livro merece mais do que isso, caro Elio. Os livreiros não querem replicar o que há de pior e reprimir o que há de novo, como você disse, nem estão correndo atrás de uma jabuticaba amassada, como você também afirmou. No Brasil, essa jabuticabeira mal chegou a ser plantada; não foi adubada, cuidada, sequer valorizada. Porque muitas pessoas que deveriam estar ajudando a fazer isso, como você certamente poderia e deveria, não o fazem.

Visite uma livraria (uma de verdade). Venha abraçar a nossa campanha. Nós certamente precisamos de mais e mais pessoas dispostas a entender que comprar um livro na sua loja de bairro preferida é, acima de tudo, um ato político em defesa da cultura brasileira.


* Alexandre Martins Fontes é Diretor-Executivo da Editora WMF Martins Fontes e da Livraria Martins Fontes Paulista

[25/04/2024 11:00:00]
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