
Participei como convidada da 81ª edição e, para o PublishNews, escolhi comentar o que pode interessar o mercado literário brasileiro: uma convenção para marcar época e suas pontes para o futuro.
Uma conferência mundial digna do nome
A edição de 2023 foi em Chengdu e impôs um outro ritmo ao evento: “Finalmente colocaram o ‘world’ na WorldCon”, foi o que mais se escutou nos bastidores, comentário irônico sobre a centralização histórica do evento nos Estados Unidos. Em 81 anos, houve doze edições fora dos EUA e, para ilustrar a desproporção, ocorreram oito só na cidade de Chicago. Fora do eixo anglófono, somente Alemanha, Japão, Finlândia, Países Baixos, além da China, sediaram edições.
Pudera, a questão linguística impõe um desafio. Taiyo Fujii, escritor japonês, comentou o quão complexo foi realizar um evento falado todo em inglês no Japão ainda em 2007. Em 2023, entraram em campo a popularização de aplicativos de tradução no celular e muitos intérpretes contratados pela organização, tecnologias humanas e eletrônicas que permitiram uma comunicação fluida entre painelistas e público.
A vinda de escritores de diferentes países também marcou a edição. Além do número significativo de escritores da América Latina e de países asiáticos, como Coréia do Sul, Índia e Japão, foi possível a participação de escritores de países pouco representados, como Arábia Saudita, Nigéria e Romênia. Em painel, o editor Neil Clark (EUA) defendeu que “a ficção científica não conhece fronteiras entre países, não pertence a uma única tradição”, o que parecia ser bastante evidente em Chengdu.
Um dos efeitos prováveis da WorldCon em Chengdu é aprofundar os laços entre regiões, minimizando a atual validação dos EUA nessa produção. A presença da editora italiana FutureFiction, que publica ficção científica de diferentes idiomas em italiano, é uma mostra desses caminhos.
Na delegação latina, a maioria conhecia-se por força de conferências virtuais, a exemplo da Mexicona (México), AlciffCon (Chile), Relampeio (Brasil), FutureCon (internacional) e a própria WorldCon; e também por conta de antologias regionais, como a Futuras: Cuentos de ciencia ficción ecofeminista (Comfama, 2023) e El tercer mundo después del sol (Minotauro, 2022), ambas organizadas pelo colombiano Rodrigo Bastidas Pérez.
A inauguração do Museu de Ficção Científica da China

É essa mescla de ancestral com futurista que a China pretende imprimir em sua ficção científica, mostrando que veio para se consolidar. Essa magnitude completou-se com uma feira de tecnologia que acompanhou os debates literários, apontando como a imaginação presente nas páginas de livros flui entre os circuitos de robôs em exposição.
Um festival para o futuro
Um dos destaques do festival, sem dúvida, foi a participação ativa de crianças e jovens, proporcionada por um projeto pedagógico da província de Sichuan. Concursos de redação e de ilustração entre estudantes coroaram essa presença sorridente e animada, mostrando o raciocínio chinês em apostar na ficção científica para estar à altura dos desafios das próximas gerações, cuja única certeza é lidar com a mudança tecnológica cada vez mais veloz.
O público numeroso juvenil aclamou todas as aparições de Cixin Liu, convidado de honra do evento, autor do premiado O problema dos três corpos (Companhia das Letras, Trad.: Leonardo Alves), trilogia adaptada para a Netflix pelos mesmos criadores de Game of Thrones. O lançamento da série está previsto para janeiro de 2024 e parece que a força da ficção científica chinesa logo pousará em diferentes sofás ao redor do mundo, inclusive no Brasil.
A próxima WorldCon será em Glasgow (Escócia), nos dias 8 a 12 de agosto de 2024. Em 2025, em Seattle (EUA). Será que ainda teremos uma WorldCon latinoamericana? A próxima década nos responderá.
Podcast Página Cinco: A ficção científica e as formas de elaborar o futuro, Rodrigo Casarin entrevista Ana Rüsche sobre sua ida à China.
Sonhos e futuros na terra do urso panda, edição da newsletter Anacronista, ensaio sobre experiências de viagem [a ser enviada em 6/12/23].
