Três Perguntas do PN para Laura Di Pietro, diretora editorial da Tabla
PublishNews, Talita Facchini, 08/11/2023
Editora participou da Feira do Livro de Sharjah e comentou trabalhos recentes com o objetivo de instruir e se posicionar sobre os acontecimentos na Faixa de Gaza

Uma das fundadoras da editora Roça Nova e diretora editorial da Tabla – que foca na publicação de livros referentes às culturas do Oriente Médio e do Norte da África – Laura Di Pietro tem trabalhado para espalhar autores e a cultura árabe.

Com uma relação próxima com o Oriente Médio, Laura acompanhou de perto, por exemplo, o crescimento e expansão da Feira do Livro de Sharjah e em 2021 sua editora ganhou o Prêmio Turjuman de Tradução, que reconhece a promoção de obras literárias árabes para outros países, com a obra Onze astros, escrita pelo autor e poeta palestino Mahmud Darwich, e traduzida por Michel Sleiman.

Com o prêmio de AED 1,3 milhão (cerca R$ 1 milhão) nas mãos, a Tabla ganhou um fôlego e apostou no seu catálogo e comunicação, dando início também a diversos projetos como um clube do livro e mini-cursos sobre a história do Iraque e Palestina, por exemplo.

Mais uma vez participando da Feira do Livro de Sharjah, e com um catálogo que se torna ainda mais atual por conta da situação geopolítica, Laura respondeu a três perguntas do PublishNews.

– PublishNews: A Tabla tem um catálogo focado na publicação de obras referentes às culturas do Oriente Médio e do Norte da África e seus ecos mundo afora. Com a guerra entre Israel e Hamas, a editora vem divulgando diversos conteúdos com "o objetivo de combater a desinformação acerca dos últimos acontecimentos na Faixa de Gaza", por exemplo. Como você avalia o trabalho e a importância da editora em relação a esse tema?

Laura Di Pietro – Desde o início sempre tivemos a intenção de trazer outras narrativas sobre o "mundo árabe", de colaborar para a desconstrução de uma narrativa hegemônica e preconceituosa, que nós importamos sem nenhum senso crítico da grande mídia europeia e americana. A própria ideia de um mundo árabe uniforme e homogêneo colabora para generalizações e deformações. Esse é um longo assunto, então, para não me estender muito, vamos direto ao ponto: a guerra israelense a Gaza e ao povo palestino. Veja, não chamei de guerra entre Israel e o Hamas, porque essa é, por exemplo, uma ideia importada e que colabora para uma propaganda de guerra bem conhecida, aquela que promove a ideia de uma guerra entre o mundo civilizado e o terror; já vimos outros episódios promovidos por essa propaganda; é sempre o mesmo método: desumanizar e matar. A terminologia é fundamental na construção das narrativas; temos um enorme trabalho pela frente nesse sentido de desmascarar o que está velado pelas escolhas terminológicas. É preciso nomear: genocídio, limpeza étnica, ocupação, colonialismo... os termos são esses.

Nosso dever é a busca incessante de narrativas e terminologias mais verdadeiras e acertadas. Publicar literatura palestina, como as novelas de Ghassan Kanafani, os poemários de Marmud Darwich e a antologia poética da nova geração de poetas de Gaza (Gaza, terra da poesia), por exemplo, e também historiadores como Ilan Pappe (Dez mitos sobre Israel) são ações fundamentais nessa direção. E paralelamente às publicações procuramos disponibilizar o máximo de informação possível por meio das nossas parcerias com historiadores, professores de relações internacionais, estudiosos da questão palestina. Acredito que a Tabla tem um papel importante nesse sentido e que se alinha aos esforços de outras editoras, instituições e pessoas que lutam para trazer para o público brasileiro essas vozes por tanto tempo silenciadas.

Vimos no último mês como a guerra afetou também o mercado editorial, com a Feira de Frankfurt se envolvendo na polêmica da premiação de uma autora palestina e a recusa da participação de editoras e associações árabes na maior feira do setor. Você esteve presente na Feira do Livro de Sharjah – que iniciou na semana seguinte a de Frankfurt. Qual sua visão sobre o que vimos em Frankfurt e sobre essa edição da feira de Sharjah? Como a questão geopolítica influenciou e afetou os dois eventos?

O que aconteceu em Frankfurt foi uma vergonha, indefensável. Infelizmente a Feira de Frankfurt mostrou estar alinhada ao posicionamento do governo da Alemanha quanto à ocupação israelense e ao genocídio em Gaza. Qualquer manifestação pro-palestina, de um bottom com a bandeira palestina à presença de uma autora importante como Adania Shibli, é condenada. O que aconteceu em Frankfurt foi triste, desmoralizou o mundo literário e deslegitimou a ideia de um mundo editorial livre, aberto e diverso. Acho que a decisão de Sharjah e de alguns agentes e editores do mundo árabe de não participar da Feira foi acertada e muito elegante. Às vezes é necessário dizer não, um não que colabora para a paz, diferente do que muitos pensam.

Em Sharjah o que senti foi uma sobriedade, um silêncio, uma consternação e uma dor compartilhada pelo que está acontecendo em Gaza. E isso nada tem a ver com Frankfurt; a postura de Frankfurt não resvalou em Sharjah. Há algo muito mais fundamental acontecendo e esse algo é o genocídio em Gaza. A Feira é muito importante, não só para os editores, mas para a população, que lota a feira. Por isso, como todos os anos, e apesar de tudo, a Sharjah Book Authority está sendo impecável, consciente de que tem uma missão: promover a educação, a literatura e a comunhão entre as pessoas de todos os lugares do mundo. A eficiência, o profissionalismo, o amor e a hospitalidade estavam, como sempre, presentes.

Ainda sobre Sharjah, você participa do evento há anos, tendo ganhado em 2021 o prêmio Turjuman pela tradução de Onze astros. Qual a importância da Feira para a editora e como você avalia o crescimento do evento nesses últimos anos?

Laura Di Pietro: Participei pela primeira vez em 2011, quando criaram o Professional Program, que agora se chama Publishers Conference. Um encontro de editores do mundo todo onde acontecem seminários, mesas de conversa e reuniões entre compradores e vendedores de direito autoral. Desde então, Sharjah se tornou o evento mais importante para nós; inclusive o selo Tabla foi criado pelo estímulo que recebemos em Sharjah, a certeza de que nosso projeto tão sonhado não era uma loucura, e sim uma promissora aventura. Hoje se tenho que escolher uma Feira ao ano, essa Feira certamente é Sharjah. É lá que encontro os parceiros, agentes e editores do mundo árabe e também alguns autores — já que fico geralmente até o fim da Feira. Visito todos os stands, vejo as novidades, converso com todo mundo. Tenho muitos amigos aqui do mundo editorial. Acabou virando uma família!

Quanto ao evento de editores, principalmente, a evolução desses últimos doze anos foi imensa. Tanto em termos de quantidade de editores presentes quanto da diversidade dos países participantes. Foi incrível o número de editores africanos esse ano, que já vinha aumentando. A cada ano também as atividades para os editores ao longo dos três dias de programa vão variando, sempre com a intenção de estar o mais atualizado possível com as questões do mundo editorial. Em termos de negócios também houve um salto nesses 12 anos e os pedidos para a bolsa de tradução que eles oferecem escalonou.

[08/11/2023 09:00:00]