Rogério Pereira respondeu a três perguntas do PublishNews:
– A edição do Rascunho por tanto tempo certamente te expôs a uma quantidade enorme de crítica literária. Você diria que essa exposição tem efeitos diretos na sua escrita de literatura?
Não acredito que a leitura de crítica literária tenha um efeito direto na minha produção ficcional. Talvez não tenha na de nenhum escritor. A crítica talvez seja importante para o escritor ficar atento a possíveis equívocos cometidos em determinadas obras. E evitá-los. Uma crítica honesta e inteligente joga muitas luzes sobre as narrativas — o que não é nenhuma novidade. Mas a construção ficcional, no meu caso, está intimamente ligada à minha experiência como leitor de romances, contos, crônicas e (em grande escala) de poesia, às minhas escolhas como leitor, ao meu cânone afetivo — onde autores como Graciliano Ramos e Raduan Nassar, para citar apenas dois gigantes, têm um lugar especial — e às memórias que carrego o tempo todo para dentro do mundo ficcional que busco criar desde sempre.
– Antes do silêncio coloca o personagem em uma situação que você já havia elaborado literariamente em algumas crônicas, certo? Como esses dois gêneros se aproximam e se afastam nos temas que você trata?
Muito bem observado. Minhas narrativas longas — Na escuridão, amanhã e Antes do silêncio — são formadas por textos breves com os quais estou sempre às voltas. Alguns textos, publiquei no Rascunho (e em outros veículos) em formato, talvez, de crônica. Prefiro a definição “narrativas”. Mas já o fiz com o objetivo de compor o projeto de um romance. Sou um tanto obsessivo com alguns temas e também com a forma como conduzo o que tenho muito claro para a minha literatura: entremear ficção e memória. Mas isso não é algo original; é apenas a maneira que mais me agrada de construir meus livros. E há um método seguido à risca. Decidi estrear aos 40 anos, com Na escuridão, amanhã; agora, aos 50 anos, publico o Antes do silêncio. E estou trabalhando, para a publicar aos 60 anos, no A longa distância, cujo início é uma “crônica” publicada no Rascunho há muitos anos sobre o suicídio do meu avô durante o famigerado (para dizer o mínimo) Plano Collor. E com isso fecho a Trilogia da Ausência. Neste período, obviamente, podem surgir outros livros, como foi o caso de, no ano passado, Toda cicatriz desaparece (Maralto) — uma coletânea de 40 crônicas organizada pelo Luiz Ruffato. Enfim, sou um escritor muito afeito a certas obsessões de tema e de método.
– O lançamento desta quinta é um evento literário pós-pandemia. Com a sua experiência no setor, já é possível fazer uma avaliação mais geral de eventos literários (como festivais e feiras) no Brasil do pós-pandemia?
Sobrevivemos à pandemia “guiados” por um lunático, sádico e beócio, para ficar apenas em três das suas qualidades. Como a vida do mundo voltou ao normal (ou próximo a isso), é natural que eventos literários ganhem novamente o fôlego que merecem. No caso do Brasil, assistíamos há uns bons anos a um certo boom de eventos voltados à literatura — fenômeno, diga-se, impulsionado pela Flip e seu alcance nacional. A pandemia acabou freando o avanço dos eventos literários — assim como todo o mais no resto no mundo. Então, é natural que retomemos com esperança renovada os encontros, festivais, bate-papos, lançamentos, etc. A recente Bienal do Livro do Rio, com sua avalanche de leitores sedentos pelas novidades, é a certeza de que os eventos literários deram a pausa necessária para, novamente, saírem em busca dos leitores espalhados pelo país. Sem esquecer, é claro, que, como diz a máxima de Faulkner, somos um país onde a literatura/leitura “é um fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não ilumina quase nada, mas nos permite ver quanta escuridão existe ao redor”.