Três Perguntas do PN para Ulisses Capozzoli, autor de 'Plinio Martins Filho, Editor de seu tempo'
PublishNews, Guilherme Sobota, 04/07/2023
Em sua primeira semana nas lojas, a biografia do editor e professor, lançada pela WMF Martins Fontes, já entrou na Lista de Mais Vendidos

Jornalista especializado em divulgação científica, mestre e doutor em ciências pela Universidade de São Paulo, Ulisses Capozzoli conta que recebeu um convite de Plinio Martins Filho – editor, professor e figura central do mercado editorial brasileiro nos últimos 50 anos – para escrever sua biografia. "Argumentei, inicialmente, que ele conhece um número significativo de autores que poderiam fazer esse trabalho. Por alguma razão, que nunca perguntei qual seria, no entanto, ele insistiu comigo. Pedi um tempo e ao final desse período propus a ele que faria o trabalho mas deveríamos vistar, in loco, o passado dele. Ele topou e isso mostrou uma importância fundamental na recuperação de uma memória", explica Ulisses.

O resultado é Plinio Martins Filho, Editor de seu tempo (WMF Martins Fontes), que em sua primeira semana nas lojas já entrou na Lista de Mais Vendidos. No livro, Capozzoli conta a história de Plinio mas também oferece leituras sobre os movimentos do tempo e da profissão de editor. O jornalista respondeu por e-mail a três perguntas do PublishNews.

PublishNews – Você menciona no prefácio que você e Plinio têm praticamente a mesma idade. Como vocês se conheceram e como você decidiu escrever uma biografia sobre ele?

Ulisses Capozzoli – Sim, temos a mesma idade. Na verdade, Plinio é 150 dias mais jovem. Então, claro, a mesma idade e isso facilitou enormemente a escrita da biografia dele porque vivemos a mesma época, com as mesmas referências, ainda que estivéssemos separados no espaço, inicialmente, por quase dois mil quilômetros. Além disso, o pai dele era um vaqueiro e, o meu, um alfaiate, o que é muito diferente. Mas tive, nas propriedades de tios e tios-avós, uma fascinante vida no campo, com cavalos, frutas silvestres e cultivadas, além de acampamentos, etc. De muitas maneiras, creio que tudo isso aparece no livro.

– O livro tem um caráter particular de buscar extrapolar um pouco a vida do biografado e capturar movimentos do tempo e da profissão de editor como um todo. Quais foram os aprendizados que a pesquisa para este livro te proporcionou?

Sou fiel a uma frase de Ortega y Gasset, desde que a li pela primeira vez: "O homem e suas circunstâncias". Assim, na escrita de uma biografia as circunstâncias são fundamentais, como referências tempo-espaciais. Somos produtos de determinado meio, mas reconheço que a ignorância (no sentido do desconhecimento ou substimação dessa circunstância) seja frequente e tolerada. No caso de um editor é fundamental/indispensável trabalhar a circunstância e, em boa parte do período tratado estivemos (mais de uma vez) sob uma truculenta ditadura militar, o que impacta negativamente a produção de bens culturais, em que o livro tem fundamental importância. Então, não foi apenas uma questão de escolha (ainda que tenha havido uma) mas do que se pode chamar de indispensabilidade de se considerar o contexto. Ns USP, com reitores fascistas, a editora era vista como uma subserviência a interesses privados, no contexto nacional de capitalizar os lucros e socializar os prejuízos. Quanto ao aprendizado, eu diria que aprofundei mais especificamente um conjunto de circunstâncias para tornar tudo mais claro e compreensível aos leitores. Claro que, na história do livro, conheci fatos que desconhecia. Mas isso, digamos, de um ponto de vista de certa tecnologia histórica envolvendo o livro.

– Tanto você quanto Plinio têm trajetórias que consolidaram uma espécie de colaboração entre o percurso acadêmico e o percurso profissional prático (você, no jornalismo, ele na edição, e também na academia, claro). Como você avalia a intersecção entre jornalismo e conhecimento universitário no Brasil atualmente?

Esse cruzamento de rotas a que você se refere, tanto no caso do Plínio quanto no meu, existe, de fato. Fui editor, por 12 anos, de Scientific American Brasil e em um período menor, de Astronomy Brasil, publicação que eu mesmo trouxe para cá e que se mostrou impraticável em função de um contexto em rápida transformação (especialmente a rede de distribuição de publicações). Além disso, tenho formação acadêmica (mestrado/doutorado em ciências pela USP) o que fez/faz para mim um contínuo entre dois campos que podem parecer (em muitos casos de fato são) áreas distintas e separadas. Quanto à última questão: no momento temos uma rarefação constante em jornalismo, com queda brutal de qualidade no jornalismo, mergulhado em um vergonhoso sub/jornalismo que ajuda a construir uma alienação quanto à realidade a que estamos submetidos (social, moral, histórica, etc, etc). Na universidade, isso aparece também sob a forma de um sistema fechado, uma estrutura corporativa e em muitos casos seriamente carreirista, o que é inevitável. A crise de valores que estamos assistindo neste momento, após alguns anos de governo fascista (e a "lógica" fácil que caracteriza o fascismo) se espalha como praga bíblica dizimando esperanças que poderiam/deveriam ser materializadas. De certa forma vivemos sob o signo de Sísifo, aquele que levava uma pedra até o cume da montanha de onde ele rolava, para voltar a ser levada e novamente rolar. Neste início de governo democrático, com o questionamento (incipiente) de barbáries cometidas aparece alguma luz no fiim do túnel, mas que pode ser o farol da locomotiva chegando, e não o brilho do Sol.

[04/07/2023 09:30:00]