A biblioteca nasceu de uma iniciativa da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, que lançou em 2020 um projeto piloto como forma de oferecer conteúdo cultural para uma população que enfrentava a necessidade de isolamento social. Até o momento, já foram investidos mais de R$ 10 milhões na BibliON, sendo que 17% do valor foi direcionado para direitos autorais (mais de R$ 1,7 milhão). Até 2025, a biblioteca é gerida pela SP Leituras, organização social sem fins lucrativos, que também faz a gestão da Biblioteca de São Paulo (BSP) e da Biblioteca Parque Villa-Lobos (BVL), e é parceira do estado no Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de São Paulo (SisEB).
Para o diretor executivo da SP Leituras, Pierre André Ruprecht, um dos pontos fundamentais do trabalho é justamente a integração com o Sistema e a proximidade com as bibliotecas físicas. Em entrevista ao PublishNews, Ruprecht fez um balanço do primeiro ano de funcionamento da BibliON, e projeta um crescimento exponencial para a plataforma – o que também cria uma questão de financiamento que deve fazer parte da discussão sobre o projeto nos próximos anos.
PublishNews – Qual é o balanço que vocês fazem deste primeiro ano de atividades da BibliON?
Pierre André Ruprecht – Nós aprendemos muitas coisas. Na origem do projeto, existia uma enorme preocupação de não ser apenas mais uma prateleira. As bibliotecas contemporâneas são muito mais do que simplesmente dar acesso a livros. Isso é fundamental, mas existe um programa ligado à questão da leitura, em um senso muito amplo. Estou falando de bibliotecas públicas, responsáveis pela formação continuada das pessoas, e por vários letramentos. Entre os quais, o literário, da palavra, o oral, mas também letramento digital, informacional, midiático. Tudo isso está na pauta. Os números que atingimos formam um volume de leituras muito grande. Potencial enorme, estamos tocando ainda nesse potencial, mas o potencial é gigantesco.
Observando mais detidamente, notamos algumas coisas interessantes. Há uma curadoria, um trabalho vinculado aos objetivos da biblioteca pública, e observamos um perfil de leitura diferente daquele nas listas dos mais vendidos, por exemplo. Claro que temos best-sellers, mas para se ter uma ideia, entre os cinco livros mais lidos, três são de autoras brasileiras contemporâneas. Isso é surpreendente de maneira positiva. Sempre tivemos uma preocupação em conversar com a biblioteca física, estamos falando de um ecossistema de leitura, em uma série de instituições e ações. Tem que ser “figital” (físico + digital). Temos uma interação com um público formado por equipes de bibliotecas. Queremos incluir as bibliotecas públicas na discussão de acervo.
E o público leitor?
Notamos duas coisas. Um público leitor que terá sua vida de leitor ampliada, e outro formado por novos leitores, que não participavam da vida das bibliotecas públicas, mas que querem estar no circuito da leitura no meio digital. Temos uma programação direta para o público, mas também para apoiar as ações das bibliotecas físicas. Fizemos um programa de clube de leitura, podcasts. A gente sente ainda muito potência no sentido de ampliar o acesso para camadas mais vulneráveis da população. Onde o acesso é uma questão extremamente importante. Aí é um pouco uma guerrilha,
Qual foi o foco inicial da construção do acervo da BibliON? Parece bastante focado em literatura.
A gente começa as bibliotecas um pouco a partir daí. A ideia é que a comunidade tenha cada vez mais interferência no desenvolvimento do acervo. O ponto de partida do acervo da BibliON foi bastante literário. Muita literatura, nos seus vários gêneros, também muita preocupação com a bibliodiversidade. Temos ainda alguns limites para romper, como buscar produções que não estão no mainstream (pequenos editores, por exemplo). Temos também humanidades, num nível básico de difusão. O rumo (do acervo) vai também em função dos interesses temáticos que vão se apresentando. Uma parte do acervo já é hoje incluída com base nas indicações, e a partir de uma curadoria colaborativa com o SisEB.
Há algum tipo de produção editorial própria?
Há, mas é pequena, normalmente em trabalhos voltados para o campo da biblioteca e mediação da leitura, mas também podcasts, audiolivros, etc. Obras em domínio público temos normalmente por meio de editoras. Temos muita preocupação que a cadeia do livro esteja contemplada. Não há livros sem a questão dos diretos estar resolvida legalmente.
Como funciona essa negociação e a remuneração ao mercado editorial?
Aqui no Brasil essa discussão ficou encalacrada por muito tempo. Não havia um modelo de negócio adequado para bibliotecas públicas digitais, mas começamos a estudar formar uma biblioteca pública digital ainda em 2012. Esbarramos sempre nisso (a ausência de um modelo de negócio). Uma biblioteca digital tem duas questões: a primeira é o "prédio", ou seja, os serviços que ela oferece, outra coisa são os livros. É preciso as duas coisas: uma plataforma, uma base para estabelecer a relação da biblioteca com o público, e por outro lado, acesso aos conteúdos. A questão dos direitos, basicamente o que usamos são algumas das modalidades de negociação mundo afora, que podem envolver pagamento por uso, por check-out, por perpetuidade (que prevê apenas um uso simultâneo e controlado). Dependemos de como os distribuidores de conteúdo negociam, mas o mercado já conhece a questão. Outra coisa é que antes era um modelo fechado. A negociação se dava ou se dá por um número definido de associados ou de conteúdos, em que paga-se uma taxa para ter acesso. Mas a BibliON é uma biblioteca pública, aberta. O que continua em discussão é justamente como abrir. Optamos por não limitar, fazer o mais aberto possível, tentando trazer um pouco a experiência do digital, o que é a experiência das pessoas. Mas para responder, negociamos com agregadores de conteúdo digital, editoras, distribuidoras.
Como se dá a relação com as outras bibliotecas?
É um grande diferencial da BibliON para outras bibliotecas digitais que estão no cenário: a ideia de que estamos num ecossistema de leitura. Temos que conversar com mediadores de leitura. Como estamos numa relação com o governo, o conhecimento que é gerado é disponibilizado para o SisEB.
Quais são os planos para o futuro?
A SP Leituras começou o contrato atual em 2021, temos cinco anos, até 2025. A previsão que fizemos para o segundo ano de operação da BibliON é a de dobrar o número de empréstimos em relação ao primeiro ano. A razão de crescimento é muito acelerada nos cinco, seis primeiros anos. O que também vai fazer aparecer uma questão de funding (financiamento), é um desafio que temos pela frente.
*
BibliON em números
- 171 mil cadastros
- 333 mil empréstimos
- 17 mil títulos
- 9 usuários com mais de 1000 horas de leitura
Os 5 livros mais emprestados da BibliON:
- Eu e esse meu coração, de C. C. Hunter, com mais de 3200 empréstimos
- O peso do pássaro morto, de Aline Bei, com mais de 2800 empréstimos
- O amor não é óbvio, de Elayne Baeta, com mais de 2300 empréstimos
- 1984, de George Orwell, com mais de 1600 empréstimos
- Olhos d'água, de Conceição Evaristo, com mais de 1600 empréstimos
Os 5 escritores que mais tiveram empréstimos
- Aline Bei com mais de 3200 empréstimos
- C. C. Hunter com mais de 3300 empréstimos
- Stephen King com mais de 3000 itens empréstimos
- George Orwell com mais de 2900 empréstimos
- Machado de Assis com mais de 2800 empréstimos
Como funciona?
Para utilizar o serviço gratuito, basta que os interessados acessem o site ou baixem o aplicativo BibliON, disponível no Google Play e na Apple Store e realizem um breve cadastro. O usuário pode fazer empréstimo de até duas obras simultâneas, por 15 dias. A BibliON permite ações como organizar listas, adicionar favoritos, compartilhar um livro como dica de leitura nas redes sociais, fazer reservas, ver histórico e sugerir novas aquisições.