Mercado editorial analisa e repercute notícia sobre falência da Livraria Cultura
PublishNews, Talita Facchini, 10/02/2023
Entidades do Livro, editoras e profissionais do setor se pronunciam e analisam a importância da rede e o impacto da notícia para a indústria do livro

Com a notícia da falência da Livraria Cultura, decretada por um juiz da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do TJ-SP nesta quinta-feira (9), o PublishNews procurou entender a repercussão do assunto com o mercado editorial.

Antes de terem suas recuperações judiciais decretadas em 2018, as livrarias Saraiva e Cultura chegaram a ser responsáveis por 40% do varejo de livros no Brasil e nos últimos anos, o mercado teve que aprender a lidar com uma reestruturação desse elo da cadeia.

Essa mudança foi citada em nota enviada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), que lamentou a notícia da falência da rede, “um dos ícones do varejo de livros no Brasil por décadas”. “As livrarias são fundamentais para um mercado saudável e sustentável. A diversidade de pontos de venda contribui para um mercado mais estabilizado e promove o acesso ao livro”, comentou Vítor Tavares, presidente da CBL. “Felizmente, podemos constatar, nos últimos meses, o surgimento de novas livrarias no país e expansão das redes de forma renovada e com foco no leitor. O interesse pela leitura continua vivo e isso é perceptível pela grande quantidade de conteúdos sobre livros nas redes sociais”, analisou.

A Associação Nacional de Livrarias (ANL) preferiu ainda não comentar a decisão.

A Cultura marcou a vida de milhares de leitores e profissionais do livro, fato lembrado por Gerson Ramos, diretor comercial da editora Planeta. "Um dos ônus de ser profissional no mercado de livros é o de precisar separar a emoção e a paixão que temos pelas obras dos autores e das livrarias para conseguir manter foco na obtenção dos resultados necessários para mantermos nossas empresas saudáveis", disse ao PublishNews. "Ao fazer isso, dificilmente poderíamos esperar outro resultado que não o anunciado ontem. Creio que já lamentamos tudo o que havia para ser lamentado desde 2018 e agora só nos resta fazer desta experiência o aprendizado necessário para evitar novos traumas semelhantes. Fortalecer a cadeia produtiva do livro, respeitando a atuação de cada um dos agentes (Livraria/Distribuidor/Editora), é mais importante do que nunca", destacou o Ramos.

Bruno Zolotar, diretor comercial e de marketing da Rocco, também lembra que a Cultura fez história no mercado brasileiro, com lojas grandes, acervo amplo, ótimos livreiros e um padrão que era modelo para outras redes e também com grande conexão com o público, mas completa: “É uma pena que o mercado tenha perdido uma rede como essa, mas a verdade é que o declínio vem de 2018 e esse desfecho não pegou ninguém de surpresa. O mercado como um todo assistiu a sua longa agonia”.

Sobre o impacto da notícia da falência para o setor, Gerson comenta que levando em conta a parte operacional, o impacto causado pela rede já passou. "O baque agora é mais emocional porque todos temos uma relação histórica de grandes ações com a rede e em especial com a emblemática loja do Conjunto Nacional".

Depois de anos em recuperação judicial e com o mercado se movimentando desde então, Zolotar comenta ainda que um fechamento agora da Cultura tem efeito praticamente zero para o mercado. “Já não tinha relevância em termos comerciais. A Rocco parou de fazer negócios diretos com eles ainda no início de 2020 e acredito que a maioria das outras editoras também. O ponto aqui é que não receberemos os valores que estavam na RJ, nem as dívidas posteriores, que são menores, mas existem”, avaliou.

O argumento lembrado por Zolotar também foi destacado na decisão do juiz que decretou a falência da rede, que lembrou que em mais de uma ocasião a empresa deixou de prestar as informações necessárias para comprovar o cumprimento do plano de recuperação judicial.

A mesma análise sobre o impacto no mercado é compartilhada por Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL). “Não foi exatamente uma surpresa, as operações já vinham em um declínio significativo, lamentamos muito. Aqueles que amam o livro lamentam toda e qualquer perda ocorrida no mundo das livrarias”, disse, completando ainda que ver o surgimento de outras livrarias é reconfortante. “Ver outras livrarias prosperando, abrindo novas filiais, em novos formatos, nos alegra. Observamos nesses últimos três anos, em meio a um cenário econômico complexo devido à pandemia, a retomada do hábito de leitura. Ao longo de 2022, esse comportamento foi mantido e influenciou o crescimento do mercado e a abertura de novas livrarias, isso resultou no número de livrarias abertas e superou o saldo de livrarias fechadas", analisou.

Gerson completa: "Apoiar ações que fortaleçam as livrarias, sejam elas pequenas, médias ou grandes, é o caminho para que em médio prazo possamos recuperar os espaços perdidos desde 2018. Lembrando que além das livrarias fechadas no últimos anos, as que ainda estão abertas reduziram sensivelmente suas metragens", disse. "Sempre comento que o problema não é a quantidade de lojas fechadas, o problema é a metragem linear de prateleiras de livros que estamos perdendo diariamente".

A editora Todavia também lamentou o ocorrido com a rede. "Deixar de existir é um estrago brutal na paisagem da cidade e no cenário cultural do país inteiro. Estantes de bibliotecas leitores de todo tipo estão repletas de livros comprados na Cultura. Esperamos que nossa indústria encontre nesse revés motivação para criar e manter caminhos sustentáveis para chegar ao leitor", disse em nota enviada ao PN.

O declínio da rede

A administração da Cultura justificou a derrocada financeira com alguns motivos: os altos custos de produção, a crise econômica que se iniciou no Brasil anos atrás e queda na demanda por livros.

Outros motivos podem se somar aos já citados, como o modelo de "megastores". Essas lojas imensas foram feitas para não só para vender livros, mas cds, dvds, blue ray e games. Isso ajudava a sustentar as lojas, mas as vendas desses produtos em mídia física hoje é praticamente inexistente, então você não segura uma loja daquele porte só com livro e como café. É inviável. Hoje o caminho são lojas médias, com acervo, como a da Livraria Vila ou da Leitura, redes que crescem. Não há mais espaço para livrarias gigantes no país", analisa o diretor comercial e de marketing da Rocco.

E a Saraiva?

Com a decisão da Cultura, é impossível não ligar um alerta em relação a Saraiva, que recentemente foi notícia ao enfrentar impasses com acionistas. Na visão de Zolotar, a varejista continua sem fôlego financeiro, mas pelo menos soube migrar para o modelo de lojas mais enxutas e tenta otimizar sua operação. “Até onde vai eu não sei, por isso preferimos apostar e colocar o foco em redes com a Leitura, Vila, Travessa, Vanguarda e Curitiba, para citar alguns exemplos, que têm crescido e se expandido de forma sustentável e consistente”, finaliza.

Para Gerson, apesar da decisão "apertar o laço no pescoço da Saraiva", ele vê a situação da Saraiva de forma diferente. "A decisão da justiça que determina a quebra da Cultura lista práticas e descuidos que não vemos nas ações atuais da Saraiva", comentou.

[10/02/2023 10:00:00]