Flip 2022 celebra a coletividade e completa 20 anos
PublishNews, Guilherme Sobota, 23/11/2022
Festa Literária Internacional de Paraty começa nesta quarta-feira (23), homenageia Maria Firmina dos Reis e tem curadoria tripla

Flip 2022 homenageia a escritora Maria Firmina dos Reis | © Walter Craveiro
Flip 2022 homenageia a escritora Maria Firmina dos Reis | © Walter Craveiro

Ao celebrar 20 anos de existência, a Festa Literária Internacional de Paraty busca celebrar a diversidade e a coletividade, tentando afastar de si mesma uma imagem sisuda do passado. Fruto de um movimento que já dura algum tempo, a Flip chega a 2022 com um coletivo de curadores, homenagem a uma autora negra – Maria Firmina dos Reis –, dezenas de casas parceiras em Paraty (inclusive a Casa PublishNews), e consolida o momento de retomada dos eventos presenciais do mercado editorial brasileiro. A Flip começa nesta quarta-feira (23) e vai até o domingo (27).

Além da discussão da obra da homenageada, a programação principal da Festa vai abordar o bicentenário da Independência, os 100 anos da Semana de Arte Moderna, trânsitos migratórios, discussão de gêneros (literários ou não), artistas de Paraty, a obra de Claudia Andujar, entre diversos outros assuntos. Todas as mesas serão transmitidas pelo Youtube e pelo canal Arte1.

Os curadores desta edição são três: a editora Fernanda Bastos (que atua no Rio Grande do Sul), a professora Milena Britto (da Universidade Federal da Bahia) e o professor brasileiro na Universidade de Princeton, Pedro Meira Monteiro.

Entre os convidados internacionais da programação principal estão a Prêmio Nobel de Literatura de 2022, Annie Ernaux, Camila Sosa Villada (Argentina), Benjamin Labatut (Chile), Pauline Melville (Guiana), Nastassja Martin (França), Teresa Cárdenas (Cuba). Eles conversam com autores brasileiros como Lázaro Ramos (BA), Cidinha da Silva (BH), Cristhiano Aguiar (PB), Cida Pedrosa (PE), Veronica Stigger (RS), Bernardo Carvalho (RJ), entre outros.

Sinal forte dos tempos, o escritor Davi Kopenawa testou positivo para covid-19 – mas a Flip ainda estuda a possibilidade de sua participação de forma remota e online.

“Tramamos a Flip online, não conseguiríamos sem ferramentas virtuais. O virtual é muito importante nesse momento”, admite Fernanda Bastos, em entrevista ao Podcast do PublishNews. “É a Flip da retomada. Apesar de termos tido edições incríveis online, há uma expectativa para estar fisicamente próximo. Estamos vivendo um momento feliz no sentido também de ver o quanto precisamos dessas festas”.

Para Pedro Meira Monteiro, a própria programação da Flip aponta para o coletivo. “Em grande parte, pela grande inspiração da figura da Maria Firmina dos Reis, pouco a pouco redescoberta. Maria Firmina está pulsando há bastante tempo, não estamos inventando a roda, mas falta a ela a visibilidade que queremos oferecer. A Flip também existe para muito além da tenda principal, o aspecto coletivo tem a ver com isso”. Monteiro faz ainda uma aposta: “desconfio que a experiência da curadoria coletiva vai longe, é um exercício muito interessante”.

Programação paralela

O PublishNews preparou uma programação especial para sua Casa, na Rua do Comércio, bem no fervo do centro histórico da cidade. Clique aqui para conferir. Diversas outros espaços terão programação pela cidade – e a própria Flip reuniu a programação das casas parceiras em uma página no seu site oficial.

“Na Flip, a gente acaba encontrando pessoas que às vezes você tenta uma agenda e não consegue”, comenta o presidente da Câmara Brasileira do Livro, Vitor Tavares. “É uma festa, e eu sei que a ideia não é ser um mercadão para fazer grandes negócios, mas não tem como, acaba acontecendo. A Flip dá oportunidades. A Casa PN está muito recheada nesse sentido. O livro é o que nos une”.

Tinha uma Nobel no meio do caminho

“Tinha uma Nobel no meio do caminho”. É assim que Pedro Meira Monteiro diz quando questionado sobre a distinção entregue a Annie Ernaux depois que ela já tinha sido anunciada como convidada da 20ª Flip. “Lembro-me de pelo menos uma vez em que a gente falou da Annie Ernaux como convidada, e a aposta era que ela ganharia o Nobel. Houve um medo de ela não vir, mas foi tão legal porque a gente mandou mensagem parabenizando, ela respondeu dizendo que estava muito feliz de vir ao Brasil”.

"Mesmo antes do Nobel, ela já era uma aposta para a gente pelo seu projeto estético, pelo que ela representa para a escrita não só de mulheres, mas de pessoas que trabalham entre gêneros literários, algo que queríamos colocar na programação”, explica Fernanda Bastos. “O Nobel coroou uma leitura nossa sobre a produção dela", celebra.

Paraty recebe a Flip há mais de 20 anos | © Walter Craveiro
Paraty recebe a Flip há mais de 20 anos | © Walter Craveiro

Os 100 anos da Semana de Arte Moderna também não devem passar em branco na Festa – apesar de os curadores terem se preocupado com o fato de que muitas reflexões já foram feitas ao longo do ano. ”A importância da Semana de Arte Moderna é uma construção agora secular. A pergunta do ‘gesto de ruptura’ é importante: o que é o Modernismo 100 anos depois? Quem construiu isso muito bem foi o Emicida, no AmarElo. Em certo sentido, estamos trabalhando com as histórias do colonialismo, da falta de independência, da história dos movimentos sociais. A mesa com Allan da Rosa e Eduardo Sterzi (sexta-feira, 25, 10h) contempla o assunto, mas essa reflexão atravessa toda a programação em certo sentido”, comenta Monteiro.

“Aquele lugar entre-gêneros”, completa Fernanda, “vários escritores modernistas trabalharam com isso, é um legado dos modernistas, de produzir o próprio pensamento sobre a literatura nacional, de tomarem as rédeas da reflexão”.

Outra transformação que a Flip sofreu entre a paralisação por conta da pandemia, seu anúncio para 2022 e agora sua realização, foi o contexto político nacional. “A gente se colocava essa questão: qual Brasil vamos encontrar?”, diz Monteiro. “Em certo sentido, acho que nós tínhamos a sensação de que fosse qual fosse o resultado, embora existencialmente reprimidos, mas mesmo com cenário adverso, a gente tinha a ideia de que o que trazíamos era de uma qualidade que aponta para certa dignidade, certa elegância, delicadeza… Termos que evidentemente deveriam ser dados no debate público, mas que foram por água abaixo nos últimos anos, com uma valorização do oposto: a vulgaridade, o anti-intelectualismo. A Flip, num quadro ou no outro, era uma aposta nessa resistência que tem a ver com não entrar no jogo do discurso apequenado, ligado a uma coisa visceral, sem nenhum filtro estético”, reflete – mas admite: “estaremos mais leves, ainda bem”.

[23/11/2022 09:49:23]