As estatísticas apontam crescimento do consumo de audiobooks, podcasts e e-books, no mundo e no Brasil. Os motivos são vários: as gerações multitarefas justificam o título enquanto ouvem um livro, a possibilidade de aceleração a voz da narração (e encurtar o tempo de escuta), a praticidade dos fones de ouvido que permitem ouvir o conteúdo em qualquer lugar, e não ser necessário espaço para guardar uma biblioteca de audiobooks ou e-books.
Essa é a ponta do iceberg de consumo desses novos tipos de livros. Por trás desses produtos existem novas regras de elaboração e edição, e a lente se dirige aqui para o contrato de edição de audiobooks e e-books. O livro pode ser narrado com qualquer voz? Humana ou sintetizada? Como é o contrato do narrador com a editora? É possível comercializar uma edição de audiobook, se a seguinte é publicada por outra casa editorial, com outra voz? O conteúdo do livro digital pode diferir do impresso?
Essas indagações são respondidas pelos contratos entre autores, agentes, editoras e narradores, no primeiro caso sob o ângulo da voz. À medida que as novas tecnologias e modalidades editoriais vão surgindo, os contratos vão retratando as alterações regulamentadoras dos direitos decorrentes dessas inovações.
Assim, num recente contrato celebrado com editora norte americana, foi determinado, quanto à narração do audiobook, que o direito transmitido era o de leitura sequencial reproduzindo (emulating) o texto impresso. Leitura não sequencial, dramatizada ou enriquecida, melhorada (enhanced) não era objeto do contrato.
Em outro contrato é especificando que a edição digital deve corresponder a uma versão homotética da edição impressa (“an homothetic version of the Printed Edition”), no sentido reprodução fiel do texto principal (cf. homotetia), ou “verbatim” (palavra por palavra) salvo termos decorrentes da adequação da tradução.
Óbvio, a meu ver, que vem por aí a leitura teatral, tipo rádio novela, com várias vozes, e o mercado produtor está se preparando para essa etapa, limitando os atuais contratos a versões simples de audiobooks e livros digitais.
No quesito narradores, itens como timbre de voz, sotaque, qualidade das gravações e entonação pesam na escolha da voz do livro. Para escutar opções o site Voices contém uma amostra de voz de 7.130 atores/narradores de livros e podcasts.
Na ponta do comércio, outra questão. Suponhamos que um audiobook seja publicado (no sentido de tornado público) por uma editora, com a voz de um narrador X. Encerrado o contrato, e mudando o autor de editora, aquela primeira edição deixa de ser comercializada e a voz do narrador contratado com exclusividade literalmente some do mercado, naquele livro. Nova edição, com nova voz (assim como no livro impresso, com nova fonte e diagramação), entra no circuito. Praticamente não conheço mercado secundário de audiobooks ou e-book, tipo uma “estante virtual sonora”.
Importante lembrar que a Constituição Brasileira protege, como direito fundamental, a voz dos intérpretes (art. 5º.. xxviii - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;) ; e a Lei de Direito Autoral também regulamenta ( art. 5º para os efeitos desta lei, considera-se: xiii - artistas intérpretes ou executantes - todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore. e art. 90. tem o artista intérprete ou executante o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir: i - a fixação de suas interpretações ou execuções; ii - a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas; iii - a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não; iv - a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem; v - qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções. ...........§ 2º a proteção aos artistas intérpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações.). Em seus contratos com as editoras eles se obrigam a ler o livro, com os requisitos exigidos, e a licenciar a gravação.
Portanto novas cláusulas vão surgindo, seguindo os novos modelos do mercado editorial. Achei curioso constar de contrato de edição que a leitura deve ser sequencial, sem emoção, não dramatizada. Parece que a audionovela vem aí.
* O título deste artigo faz referência e é uma paródia do título da genial composição de Chico Buarque de Holanda, “A voz do dono e o dono da voz”.
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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