Bibliodiversidade x Distribuição
PublishNews, Tomaz Adour*, 17/03/2021
Presidente da Libre defende que editoras independentes digam não à proposta da Amazon de aumentar os descontos na compra de livros. 'Não há espaço para mais descontos', defende Tomaz Adour.

Na semana em que completamos um ano da oficialização do confinamento da pandemia do coronavírus, os editores receberam uma carta simpática da Amazon solicitando o aumento dos descontos dos livros para 58% e uma contribuição de marketing de mais 5%, de forma a incrementar as vendas das editoras na maior plataforma de comércio eletrônico mundial.

Vários grupos de editores receberam o comunicado estarrecidos e concordaram em não aceitar essas condições, que inviabilizaria a sobrevivência de vários pequenos e médios editores depois de um ano de sofrimento sem quase vendas presenciais em lançamentos, livrarias e feiras.

Desde a década, de 1980 as editoras têm vendido entre 300 e 400 milhões de exemplares por ano. Em 40 anos, houve pouca variação neste volume, mesmo com a população tendo quase dobrado de tamanho. Triste quadro para a cultura e educação do país. Porém, o número de editoras mais que dobrou, com a entrada de muitos pequenos editores de nicho, que vieram preencher lacunas não exploradas por grandes editoras, em sua maioria focadas nos best-sellers e nos sucessos de venda mundial.

Esses editores menores fazem edições de altíssimo nível e contribuem para a bibliodiversidade no país. Livros que jamais seriam lançados por editoras acostumadas a tiragens de milhares de exemplares agora têm espaço, em edições de algumas centenas de exemplares, com possibilidades de reimpressão. É importantíssimo considerar que essas edições têm o custo de edição equivalente ao de produção de um livro com tiragens muito maiores. E o pequeno editor precisa vender essa pequena tiragem para poder reimprimir e investir em novos títulos. Com um desconto de capa em torno de 60%, como propõe a Amazon, e pagando direitos autorais, custos de edição, impressão, tributos e frete, o editor fica com menos de 10% como margem, e isto se vender tudo.

Não há espaço para mais descontos.

Como editor, assinei contrato com a Amazon com desconto de 55% há dois anos. Mas fazendo as contas, não valia a pena para a minha editora, tendo ainda que arcar com o frete e o custo das entregas programadas nos centros de distribuição da Amazon. Acabei fechando contrato com um distribuidor, que me repassa 50% do preço de capa, e apesar do volume menor de vendas, pelo menos o retorno é decente. E conto também com a distribuição em POD (impressão sob demanda) pela Meta Brasil/UmLivro, que permite que nenhum título meu fique esgotado. Na semana anterior, a Meta Brasil tentou reduzir a comissão do POD em 5% para poder dar mais para as livrarias. Não aceitei, e recomendei que todos os editores não aceitassem. Por que um player deve ficar com 30%/40% e nós, depois de pagarmos direitos autorais, não ficaríamos nem com 15%?

Esse é o momento mais importante do mercado editorial. Durante a pandemia, a Amazon fez compras substanciais de diversos editores, muitas vezes pagando adiantado. Nesse canto da sereia, muitos editores acabaram tendo a empresa como principal comprador de seus livros. E com isso, estima-se que a Amazon conquistou 40% do mercado de livros do Brasil, enquanto as livrarias físicas agonizavam com suas lojas fechadas ou com um movimento muito menor devido às restrições da pandemia. Só que agora chegou a conta. A Amazon exige um desconto maior. Não podemos aceitar!

A Liga Brasileira de Editores (Libre) sempre apoiou a Lei do Preço Fixo, que faria com que os livros não pudessem ter descontos nos doze primeiros meses de vida. Desta forma, seria indiferente comprar de uma grande cadeia de livrarias ou da lojinha de bairro, que cada vez mais perde suas vendas para a internet. Neste momento de crise, em que a solidariedade fez com que apoiássemos os pequenos negócios locais, uma lei do Preço Fixo faria com que as pequenas livrarias tivessem as mesmas condições que um grande player, e os descontos poderiam até ser diminuídos para que o editor e o autor ganhassem mais e o leitor também, pois, cortando as margens, o livro poderia inclusive ficar mais barato. E mais livrarias pequenas e de nicho poderiam surgir.

É a hora da união. Não aceitando as condições da Amazon, ela não poderá se gabar de ser a maior livraria do mundo, tendo todos os títulos. Se os pequenos e médios, que são responsáveis pela bibliodiversidade no país, se unirem e baterem pé para não aceitar essa proposta, e mesmo tentar reduzir os descontos, a única forma da Amazon ter esses títulos seria através de distribuidores, com uma margem ainda menor para ela.

Foi um ano de muito aprendizado, sofrimento e queda nas vendas. O governo, que inclusive tentou passar uma reforma que faria incidir tributos sobre os livros (livro é isento de impostos pela constituição), deveria apoiar cada vez mais a cultura, num país onde a venda de livros não cresce há décadas, apoiando uma lei do preço fixo e ficando de olho nos grandes conglomerados que concentram lucro e levam divisas para fora do país. Que os editores se conscientizem desse momento e lutem por melhores condições para todo o mercado.

Estamos no ponto de inflexão. A bibliodiversidade é fundamental para a cultura de qualquer país. Resistindo agora, não permitiremos a concentração e inclusive fomentaremos o surgimento de novos parceiros de distribuição.


* Tomaz Adour é editor da Vermelho Marinho e presidente da LIBRE – Liga Brasileira de Editoras, que congrega mais de 150 editoras

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews

[17/03/2021 09:47:36]