‘Prevejo uma queda de no mínimo 30% do mercado em 2020’
PublishNews, Lorenzo Herrero, 09/04/2020
Na segunda entrevista da série ‘Papo do Confinamento’, Bruno Zolotar (Rocco) fala sobre os impactos da crise do coronavírus na economia do livro

Segunda entrevista da série Papo do Confinamento é com Bruno Zolotar, diretor comercial e de marketing da Rocco. Na entrevista, conduzida por Lorenzo Herrero, editor do PublishNews em Espanhol, Zolotar fala sobre os impactos da pandemia no negócio – ele estima perda de no mínimo 30% no mercado caso as lojas físicas permaneçam fechadas por mais tempo –, sobre as possibilidades para o mercado de digitais e ainda revela as suas percepções sobre o governo.

PublishNews – Na sua visão, quais os efeitos do coronavírus no mercado editorial brasileiro?

Bruno Zolotar - Em 2018, tivemos o baque dos problemas financeiros da Saraiva e da Cultura, duas das maiores redes. Para alguma editoras, elas representavam 40% do faturamento. Houve muitas demissões e achávamos que 2019 seria um ano péssimo. Não foi. A Amazon cresceu e o Magazine Luiza entrou no mercado para brigar com a Amazon. Além disso, redes regionais e livrarias independentes começaram a crescer.

Com a crise do coronavírus e as medidas de confinamento implementadas pelos governos, elas fecharam as portas, não se sabe até quando. Algumas têm alguma venda pelo site, marketplace ou fazem delivery, mas são medidas paliativas. As livrarias físicas, assim como as editoras, vinham num processo de recuperação com pouca folga no caixa.

Se o comércio físico continuar paralisado eu prevejo uma queda de no mínimo 30% do mercado em 2020. Isso vai gerar uma onda de demissões em todas as áreas. Já vejo um freio de mão na compra de títulos, boa parte das editoras seguraram lançamentos e equipes de vendas que não entraram de férias, começam a ficar ociosas.

PN – O que você acha que profissionais do livro e empresas podem fazer para minimizar essas perdas?

BZ - Diminuir o número de lançamentos e as tiragens é um primeiro movimento óbvio de contenção de despesas. Mas falando da área comercial acho que há duas mudanças muito claras nesse cenário a curto e médio prazos. A primeira é que, nesse período de contingência, as vendas vão ficar mais concentradas do que já estão nos grandes e-commerces e nos sites das livrarias, ou seja, no comércio de livros físicos on-line. Isso vai fazer com que não só o comercial, mas o marketing tenham que cada vez ficar mais especializados no gerenciamento e criação de ações para as contas chaves.

O marketplace vai crescer. Desde o início da crise, vi os números da Rocco nesse canal, dobrarem de tamanho. A base não é grande, mas já é um indicativo importante. Há demanda contínua. O segundo ponto é que as editoras vão ter que enxergar os livros digitais e audiobooks, não como geradores adicionais de faturamento, mas como formatos que realmente podem ter um peso substancial no faturamento.

PN – Qual o impacto do coronavírus no mercado do livro digital?

BZ - No Brasil tanto o mercado de livros digitais como o de audiobooks é relativamente pequeno em relação ao de livros de papel. Com as livrarias fechadas e o temor da contaminação, acredito que temos uma boa oportunidade para as plataformas digitais. As pessoas estão em casa, com tempo livre para experimentar. As editoras e plataformas devem aproveitar o momento para buscar a experimentação e difundir o hábito do consumo de livros digitais e audiobooks. E lançar em digital mesmo que não possam lançar em físico. É hora de aumentar a base e criar o hábito.

PN – Como a pandemia afetou a sua vida profissional?

BZ - Na Rocco trabalhamos no Centro do Rio. Ficamos no escritório até o dia 20 de março. A cidade foi se esvaziando dia a dia e somente as populações de rua permaneceram. Mesmo as grandes lojas que ainda estavam abertas, como as Lojas Americanas, ficaram às moscas. Como a cidade não é segura e há o risco da contaminação, decidimos liberar a equipe para trabalhar de casa.

Sobre o home office, na verdade, hoje já trabalhamos o dia a dia inteiro com computadores e em cima do gerenciamento de e-mails ou “zap”. Essa necessidade de trabalho em escritório é mais cultural do que real. Você consegue trabalhar tão bem de casa, quanto no escritório. O que você perde é o convívio social, coisa que brasileiro adora. Se sociabilizar é um esporte nacional. Mas aqui no Rio a gente tem uma sensação de irrealidade com essa situação. Ainda está quente, você acorda e olha para a janela, o céu está azul, os dias são lindos, a praia fica a dez minutos de casa, mas você está sitiado em casa.

PN – O que você recomenda às pessoas que estão em isolamento?

BZ - O difícil nessa situação é você conseguir se concentrar para ler. Para isso você precisa fugir do noticiário, da Netflix e dos grupos de WhatsApp. Mas eu sugiro A lógica do Cisne Negro, do Nasim Nicholas Taleb, livro que divulguei por muitos anos e que sempre volta a vender em tempos em que o imponderável muda a realidade e É isto um homem?, de Primo Levi. Quando você vê que os judeus sobreviveram a tudo aquilo, onde pensar no amanhã era um luxo, tem a certeza de que o espírito humano vai sobreviver a tudo. Inclusive ao Corona.

PN - Qual sua opinião sobre a atuação do governo e autoridades brasileiras?

BZ - O atual presidente é completamente despreparado para administrar o país e assim como Trump, minimiza a questão e fica criando intrigas pelo Twitter. Já os governos estaduais brasileiros têm feito o que é necessário. Na minha opinião é preciso, num primeiro momento, parar tudo para tentar segurar o primeiro impacto do coronavírus e a saúde pública ter tempo de se organizar.

A questão é que o Brasil não tem a malha de assistência social de outros países com o agravo de que se a classe média fica em home office ainda com salário garantido por algum tempo, há milhões de pessoas vivem de subempregos, dependendo do que ganham a cada dia. Se a situação continuar assim por muitas semanas, teremos uma convulsão social, porque as pessoas não terão o que comer e o pequeno comércio, assim como várias livrarias, vai quebrar.

PN – Qual a primeira coisa que você fará quando isso acabar?

BZ - Vou correr na praia. Correr até não aguentar. Todo mundo anda engordando com o corona. E sinto falta do sol e da paisagem de Icaraí, bairro de Niterói, onde moro. Depois disso tudo, acho que nunca mais passo um dia sequer trancado em casa. O melhor do Rio é a paisagem. Ficar trancado em casa num dia de sol é até pecado.

[09/04/2020 10:00:00]