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Os políticos brasileiros estão realmente preocupados com a infância?
PublishNews, Volnei Canônica, 24/11/2017
Com altos índices de trabalho infantil, descaso com a educação, fechamento de equipamentos culturais e outros tantos indícios, parece que a resposta para essa pergunta é não

Quando faço esta pergunta é porque gostaria de analisar junto com vocês, meus leitores, os últimos acontecimentos em torno do acesso à arte e educação por parte de crianças em nossa sociedade.

As bandeiras da educação, da economia, da segurança e da saúde serão sempre pilares de qualquer campanha política, não é mesmo? Todos os candidatos irão para a rádio, TV, jornal e para o palanque para dizer: “precisamos garantir que o país cresça economicamente para investir na segurança, na saúde e na educação de nossas crianças. O futuro de nosso país são as crianças e jovens!”. Que futuro será este a que eles tanto se referem já que, a cada dia, assistimos o sucateamento das escolas públicas e a superlotação dos presídios?

Diariamente estamos lendo ou assistindo nos noticiários que vereadores estão visitando escolas para verificar o trabalho dos professores, que senadores e deputados estão exigindo que o Ministério da Educação (MEC) recolha livros que tenha temática de gênero, ou ainda, que prefeitos estão cancelando apresentações de teatro e exposições de arte porque trazem imagens de nudez ou "imagens que estimulam a pedofilia, zoofilia, desrespeito religioso, etc".

Plenário do Senado Federal, onde os políticos deviam debater o futuro das crianças brasileiras, mas... | © Senado Federal
Plenário do Senado Federal, onde os políticos deviam debater o futuro das crianças brasileiras, mas... | © Senado Federal

Sabemos que a maioria dos políticos brasileiros não frequenta museus, nem bibliotecas, nem teatros. Talvez frequentem só os shoppings centers. Quando eu falo em frequentar equipamentos culturais não vale aquele momento em que vão para descerrar a fita na inauguração, certo? Ah, e também não está valendo frequentar só os da Europa e dos EUA. Quem sabe se os políticos frequentassem mais os equipamentos culturais brasileiros, tão fundamentais para o desenvolvimento da sociedade, estes mesmos equipamentos não estariam encerrando suas atividades país a fora.

Um exemplo é o caso do Teatro Nacional de Brasília que se encontra fechado desde 2013 conforme recomendação n. 57/2013 da Promotoria de Defesa de Justiça da Ordem Urbanística, do Ministério Público da União, exigindo que os 112 itens da Notificação n. 1253/2013 sejam realizados. Nestes 112 itens encontramos exigências como, apresentar projeto de incêndio, instalar sistema de sinalização de segurança contra incêndio e pânico, instalar sistema de iluminação de emergência, adequar as saídas de emergências, etc.

Bem, mas vamos voltar às polêmicas sobre as crianças estarem expostas a supostas “imagens fortes e impróprias para a sua faixa etária”. Permitam-me levantar algumas questões para refletirmos:

— Quanto tempo a criança fica diante de uma pintura, ou contempla uma escultura ou um desenho no museu? Dois, três, cinco minutos?

— Quanto tempo a criança fica exposta ao aparelho de televisão?

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a televisão estava presente, no ano de 2014, em 97,1% dos 67 milhões de domicílios brasileiros. Sabemos que os pais não controlam a programação e nem o acesso da criança a esse veículo. Portanto, a criança está vulnerável e exposta às muitas imagens que a televisão transmite. Também é do nosso conhecimento que a exposição de crianças à televisão é infinitamente maior do que sua frequência em museus. Poderíamos estar nos perguntando: se não estamos na casa de todos os brasileiros, como sabermos quais são as imagens a que as crianças estão expostas. Será mesmo?

Principalmente nestes dois últimos anos, quais foram as imagens que temos visto de manhã, de tarde e de noite, na televisão? Na televisão aqui de casa foram imagens de políticos (de todos os partidos e em todas as instâncias) sendo investigados ou presos por corrupção. Então me pergunto: essas imagens estariam estimulando nossas crianças a se tornarem corruptas quando adultas? A resposta será afirmativa se acompanharmos a mesma lógica dos políticos que invadiram as redes sociais com posts e vídeos afirmando que a índole da criança poderá ser corrompida e não se tornar uma “pessoa do bem” por ter ficado exposta a certas imagens que evidenciam “maus exemplos”.

Ainda seguindo essa mesma linha de pensamento, o que deveria ser feito para evitar isso? Jogar todos os aparelhos de televisão, rádio e computadores, numa fogueira? Exigir o fechamento das câmaras de vereadores, dos deputados e do Senado? É importante deixar claro aqui que não estou propagando nenhum tipo de censura. Só estou seguindo a lógica do “pensamento” dos que justificam censura à Arte e aos equipamentos culturais.

Com isso, gostaria de retomar a pergunta: Os políticos brasileiros estão realmente preocupados com a infância?

Trago aqui à tona algumas questões ligadas à educação e à infância, nesses dois últimos anos, em que a grande maioria (realmente a maioria esmagadora) dos políticos brasileiros ou contribuiu ou se ausentou, o que também pode ser lido como uma contribuição:

— O orçamento dos investimentos destinado para a área da Educação teve seu teto congelado para os próximos 20 anos;

O PNBE é um exemplo do descaso dos políticos com a infância dos brasileirinhos | © FNDE
O PNBE é um exemplo do descaso dos políticos com a infância dos brasileirinhos | © FNDE
— O Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), que garantia a compra de livros de literatura para abastecer todas as bibliotecas das escolas públicas do país, foi cancelado conforme o anúncio do MEC;

— As bibliotecas públicas, comunitárias e teatros do Brasil mínguam e tentam sobreviver com infiltrações, sem quadro de funcionários e sem dinheiro para comprar livros, enquanto os deputados e senadores dispõem de um valor considerável em emendas parlamentares que quase nunca é usado para investir na educação e nesses equipamentos culturais;

— Os parques e quadras de esportes nos bairros estão cada dia mais escassos e os que ainda resistem estão sem manutenção. Onde será que nossas crianças vão brincar? Na praça de alimentação dos shoppings?;

— Os prefeitos e governadores desrespeitam a Lei 12.244/10 que exige que até 2020 todos os equipamentos públicos e particulares de ensino tenham bibliotecas. Teriam de ser construídas mais de 65 bibliotecas escolares por dia para que essa Lei fosse cumprida e as crianças tivessem garantido o acesso ao conhecimento e à literatura. Tenho que destacar que o desrespeito é ainda maior quando alguns gestores públicos, como o caso do prefeito de São Paulo, fecham salas de leitura, bibliotecas, salas de informática e brinquedotecas com a desculpa de precisar transformá-la em salas de aulas (veja artigo que escrevi sobre isso clicando aqui);

— A cada dia cresce o número de crianças que sofrem abuso sexual por adultos em suas próprias casas. Será que esses adultos estiveram em alguma exposição de obras com representação de nudez durante a sua infância? Provavelmente não, já que não temos muitos museus, e os poucos que resistem, têm bastante dificuldade de promover exposições por falta de recursos públicos. Quais são as políticas públicas de informação, inibição e punição deste crime?;

Volnei questiona, por exemplo, se os nossos políticos estão preocupados com os índices de emprego de trabalho infantil. Na imagem, um garoto, que aos 16 anos, trabalhava no corte de cana | © Cícero R. C. Omena / WikiCommons
Volnei questiona, por exemplo, se os nossos políticos estão preocupados com os índices de emprego de trabalho infantil. Na imagem, um garoto, que aos 16 anos, trabalhava no corte de cana | © Cícero R. C. Omena / WikiCommons
— O Brasil é um dos países com maior incidência de trabalho infantil. Vocês sabiam que, segundo a Rede Peteca, nos últimos 10 anos, mais de 22 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos sofreram acidentes graves enquanto trabalhavam? O que os políticos estão fazendo para tirar essas crianças do trabalho infantil e garantir que elas estudem e brinquem?

— O Estado a cada dia parece mais ausente no seu papel de garantir educação de qualidade para as crianças deixando essa responsabilidade apenas para o professor. Mas como estão sendo tratados esses profissionais? Estão recebendo o salário parcelado em três vezes, sem receber 13º salário, férias, sem investimento na sua formação, sem material para trabalhar nas salas de aula, entre outros problemas.

Com todas essas questões, eu gostaria de saber porque os nossos políticos, tão “preocupados com o desenvolvimento da infância de nossas crianças” não apresentam projetos de lei para resolver tais problemas? Porque eles não invadem a timeline de nossas redes sociais ou sobem nas tribunas apresentando soluções para que esses problemas sejam resolvidos? Porque não usam suas emendas parlamentares para contribuir na melhoria dessas deficiências?

Agora gostaria de perguntar para vocês, independente de partido político, de ideologia, de religião, de raça ou de sexo. Que defendem o político A ou o político B: vocês viram esses mesmos políticos atuando nestas questões que apresentei? Se sim, por favor comente aqui embaixo na coluna, quero acompanhar esses políticos. Eles merecem sim, nosso olhar mais atento. Agora, se esses políticos não estão envolvidos com a referida questão, se pergunte: eu realmente estou defendendo políticos envolvidos em melhorar as condições para que as crianças brasileiras possam ter uma boa infância e no futuro tornarem-se cidadãos comprometidos com a sociedade?

O que temos visto são políticos omissos com a educação e a infância brasileira. Muitos deles estão votando para o retrocesso da educação, apesar de se dizerem preocupados e defensores de nossas crianças. Estamos vendo crescer um número grande de políticos, partidos, grupos fundamentalistas, conservadores e religiosos em busca de assumir o poder e colocar sua ideologia como supremacia em relação às outras. Políticos que nunca se posicionaram a favor de nossas crianças, aproveitando essa onda da “moral e bons costumes” ou de “cidadão do bem” denunciando tudo e todos para ganhar seguidores e votos.

Todas as questões que apresentei são muito anteriores às atuais polêmicas, envolvendo a censura de museus e livros que, nesses últimos três meses, ganharam os noticiários. Então, porque tais problemas nunca estiveram na pauta desses políticos brasileiros? Porque até agora não vimos nenhuma melhoria?

Acredito ser necessário discutir um projeto de educação amplo e para todos, que garanta o desenvolvimento da criança, da infância, em um Estado laico, permitindo o acesso às diferentes linguagens artísticas. Mas, para isso, os políticos brasileiros deverão garantir investimento em estruturas físicas, recursos humanos e discutir amplamente o projeto com a sociedade, contemplando a diversidade de pensamento.

Volto a pergunta, para não esquecermos: Os políticos brasileiros estão realmente preocupados com a infância?

Volnei Canônica é formado em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em Literatura Infantil e Juvenil também pela Universidade de Caxias do Sul, e especialização em Literatura, Arte do Pensamento Contemporâneo pela PUC-RJ. É Presidente do Instituto de Leitura Quindim, Diretor do Clube de Leitura Quindim e ex-diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, do Ministério da Cultura. Coordenou no Instituto C&A de Desenvolvimento Social o programa Prazer em Ler. Foi assessor na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Na Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, assessorou a criação do Programa Permanente de Estímulo à Leitura. o Livro Meu. Também foi jurado de vários prêmios literários.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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