As mil e uma noites talvez seja a coleção de histórias do universo árabe mais conhecida no mundo todo. Mas essa nota fala das 324 noites que faltam para a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, marcada para acontecer entre os dias 3 e 12 de agosto do ano que vem. O link entre as narrativas de Sherazade e a Bienal não é gratuito. É que, como já foi noticiado aqui no PublishNews, Sharjah, um dos Emirados Árabes Unidos, será o convidado de honra da Bienal. Uma comitiva de representantes da Sharjah Book Authority (SBA) esteve no Brasil para uma série de reuniões e encontros que vão dar o norte para a programação que o emirado prepara para o evento. Mas, por que razão foi feito o convite? O que Sharjah tem a apresentar para os leitores brasileiros? Quais oportunidades os editores brasileiros podem encontrar no emirado? E os árabes? O que eles esperam de nós? O PublishNews fez todas essas perguntas a Ahmed Al Ameri, o CEO da Sharjah Book Authority e a entrevista pode ser conferida logo abaixo.
PublishNews - Existe uma enorme distância entre São Paulo e Sharjah – estamos a 12 mil quilômetros de distância -, por que vocês estão tão interessados em nos conhecer melhor?
Ahmed Al Ameri - Sharjah Book Authority (SBA) tem a missão de aumentar seu interesse e influência no mundo todo e reunir-se com a Câmara Brasileira do Livro [organizadora da Bienal de São Paulo] é a oportunidade perfeita para que os dois lados se beneficiem da troca de conhecimentos e experiências sobre o patrimônio literário de cada um e entender nossas semelhanças e diferenças culturais.
PN - Sharjah será o convidado de honra na Bienal do Livro de São Paulo. O que vocês esperam com isso?
Ahmed Al Ameri - Como um dos eventos mais importantes desse tipo nas Américas, a Bienal de São Paulo lidera o mercado editorial da região e como convidado de honra na edição de 2018, Sharjah irá adicionar uma nova dinâmica e perspectiva ao evento, apresentando várias oportunidades para que os editores locais se envolvam com todas as formas de literatura árabe.
Entendemos que São Paulo desempenha um papel crucial como vitrine de autores e editores, para todo um setor de leitores que vão de crianças e jovens adultos a intelectuais, professores e profissionais. Para a SBA, esta é uma oportunidade excepcional para analisar as possibilidades de novas parcerias e potenciais empreendimentos cobrindo todos os gêneros.
Estamos absolutamente encantados por termos sido escolhidos como convidado de honra da feira e poder alcançar um novo público para nossos escritores, ilustradores e editores. É uma tremenda oportunidade para que eles se estabeleçam em um mercado tão importante e, ao mesmo tempo, abre as portas para o emocionante mundo editorial latino-americano em nossa própria região.
Sabemos que a Bienal de São Paulo impulsiona a promoção da leitura entre todos os setores da comunidade e acreditamos que podemos desempenhar um papel nesse sentido, oferecendo nosso estilo cultural único. É claro que a oportunidade para apresentar a literatura brasileira a nossos leitores é uma perspectiva incrível e faremos todos os esforços para realizar isso.
PN - Você poderia apontar os autores de Sharjah que os leitores brasileiros deveriam conhecer?
Ahmed Al Ameri - Sharjah e os Emirados Árabes Unidos desempenharam um papel fundamental no sucesso da literatura moderna em todo o Oriente Médio. Habib Yousef Abdallah Al Sayegh (foto ao lado), por exemplo, é considerado um dos pioneiros do novo movimento de poesia nos Emirados Árabes Unidos e na região do Golfo e, sem dúvida, é um dos mais influentes escritores intelectuais do mundo árabe. Seu trabalho foi traduzido para vários idiomas, incluindo inglês, francês, alemão, italiano, espanhol e chinês.
Outra autora prolífica, Dhabiya Khamis é escritora, tradutora e diplomata com mais de 45 trabalhos publicados, incluindo 18 coleções de poesia, quatro livros de ficção, nove volumes de ensaios e 12 traduções. Ela também foi diplomata na Liga Árabe e serviu como embaixadora dos Emirados Árabes Unidos na Índia.
Somos extremamente afortunados por ter uma base sólida de autores que representaram o Emirado e o país em várias grandes feiras internacionais, exposições e eventos, ajudando a ampliar o número de leitores de literatura árabe e apresentar sua gloriosa ficção, prosa e poesia a diferentes culturas e sociedades.
PN – Já existe alguma programação planejada para apresentar Sharjah aos paulistanos durante a Bienal? Existe algum autor confirmado, por exemplo?
Ahmed Al Ameri - Ainda não. Estamos confirmando acordos e a logística para que isso se torne possível. Em minha viagem ao Brasil agora pude ter reuniões com os organizadores e isso nos ajudará a criar um programa mais refinado e detalhado.
PN - Que tipo de oportunidades os editores brasileiros podem encontrar em Sharjah?
Ahmed Al Ameri - Como a indústria editorial de Sharjah continua crescendo, as oportunidades estão atraindo o interesse do mundo todo. Existe muita animação dentro do emirado. Indivíduos e entidades do setor público e privado veem o enorme potencial de Sharjah, que está rapidamente se tornando um dos polos literários da região.
A Sharjah Publishing City (SPC), por exemplo – a primeira zona livre de todo o Oriente Médio para editoras – está atraindo as principais empresas internacionais, que se beneficiarão de todos os incentivos fiscais e de propriedade que oferecem as zonas livres dos Emirados Árabes Unidos. É o portal perfeito para que as editoras entrem nos mercados da região e com 320 editoras e distribuidores alinhados para operar em SPC antes do final de 2017, tenho certeza que mais empresas latino-americanas estarão interessadas em expandir seus negócios. Estamos aqui para apresentar aos nossos pares brasileiros a Sharjah Publishing City, que é uma porta de entrada não só para os Emirados Árabes Unidos, mas também para toda o mundo árabe.
PN – Do outro lado dessa ponte, que tipos de parceria Sharjah espera fechar com editores brasileiros?
Ahmed Al Ameri - O mercado editorial brasileiro é um ponto de entrada fundamental para a América Latina. A maior qualidade do mercado brasileiro de livros é sua diversidade, além do fato de ser um megamercado com mais de 50% da população da América do Sul. Sharjah espera capitalizar esses fortes atributos, criando um mercado para que a população sul-americana aproveite nossas publicações.
PN - Um grupo de editores brasileiros participará do Programa Profissional da próxima Feira do Livro de Sharjah. Como foi feita a seleção desses profissionais?
Ahmed Al Ameri - Um evento-chave no calendário internacional editorial, o Programa Profissional da Feira Internacional de Livros de Sharjah foi lançado há seis anos. Os principais editores, atacadistas, livreiros, profissionais de direitos e agentes literários do mundo todo participam para ter acesso às ideias e ao mais recente know-how da indústria para alavancar o potencial existente e criar estratégias para participar no mercado de livros árabes, que se encontra em rápido desenvolvimento.
Sessenta países e mais de 300 editores participaram no ano passado e a seleção das editoras brasileiras foi feita com base em seu histórico de contribuição para a indústria. Foram selecionados para conhecer outras editoras do mundo todo, trocar ideias e obter informações sobre as realidades do mercado de publicação árabe.
[Nota do Editor: os editores selecionados para o evento foram: Rita Mattar (Companhia das Letras), Antonio Erivan Gomes (Cortez), Marco Antonio Garcia de Souza (ex-Melhoramentos), Kin Sampaio (Solisluna) e Suria Scapin (Pipoca)]
PN – Além dos incentivos da Sharjah Publishing City, o emirado mantém ainda um programa de subsídio à tradução. Você pode falar um pouco mais sobre ele?
Ahmed Al Ameri - O Subsídio de Tradução foi lançado em 2011, na 30ª Feira Internacional do Livro de Sharjah. O fundo de US$ 300 mil foi lançado para aprofundar a visão de Sua Alteza, o xeique Dr. Sultan bin Muhammad Al Qasimi, membro do Conselho Supremo e Governante de Sharjah, de construir uma sociedade baseada no conhecimento com forte base em redes melhoradas, compreensão religiosa e promoção da educação intercultural. O subsídio facilitou a tradução de cerca de 260 livros até agora, incluindo gêneros como literatura infantil, jovens adultos, ficção, não ficção, ciência, política, gastronomia, história e muito mais. Quarenta e uma editoras ganharam o subsídio em 2016. O programa ajudou a aumentar consideravelmente os leitores locais e regionais.
PN - Como foi sua primeira visita ao Brasil e quais são as impressões que está levando para casa?
Ahmed Al Ameri - Não há muito que se possa falar sobre este lindo país que já não foi dito. Lindas praias, cidades vibrantes, moradores incrivelmente amigáveis e a energia pura são contagiantes. Da floresta amazônica que representa um dos melhores tesouros naturais do mundo a autores como Jorge Amado e Paulo Coelho, que são parte da cultura literária global, o Brasil é um dos países que mais contribuem para o mundo. O fato de que as mais importantes obras brasileiras de ficção no século 21 foram traduzidas em inglês mostra a popularidade dos livros do país entre leitores do mundo todo. Adoramos vir aqui, e estamos levando boas lembranças da nossa visita.