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Mais uma entidade?
PublishNews, Felipe Lindoso, 25/08/2016
Em sua coluna, Felipe Lindoso repercute sobre a criação da Abralc, a nova associação criada com o objetivo de gerenciar coletivamente os direitos autorais no Brasil

Ao ler, na edição da última quarta-feira (24) do PublishNews, a notícia da formalização da criação da Associação Brasileira de Licenciamento Coletivo (Abralc), tive duas reações. A primeira, um tanto irônica, de satisfação por saber que finalmente os editores fizeram autocrítica do ato insensato que perpetraram há quase 15 anos, quando fundiram a ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, com a ABPDEA - Associação Brasileira de Proteção dos Direitos Editoriais e Autorais.

Ato insensato porque a ABDR havia sido fundada precisamente para usar a prática do licenciamento para o combate da pirataria, enquanto a ABPDEA surgiu em contraposição a isso, defendendo a exclusividade de ações repressoras no combate ao que então se chamava de “xeroqueiros” (o que desagrada profundamente a Xerox, que apoiou a fundação da ABDR).

A segunda reação foi ao anúncio de que a CCC – Copyrigth Clearance Center fora a escolhida como modelo operacional da nova entidade, como se praticamente fosse a única alternativa tecnológica disponível. Isso não é verdade.

Mas, vamos por partes, pois acompanhei boa parte dessa discussão, nos seus inícios.

Já em 2012, aqui no PublishNews, publiquei um post intitulado Reprografia, direito autoral e licenciamento – para lembrar da história, do qual publico alguns trechos em seguida:

No começo dos anos 90, a CBL – Câmara Brasileira do Livro, instalou uma Comissão para debater e apresentar propostas relacionadas com o assunto [reprografia]. A partir das informações da IPA, essa Comissão, que foi presidida por Raul Wassermann, da Summus, propôs a criação da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos – ABDR. A ABDR foi fundada em 1992 e Raul Wassermann foi seu primeiro presidente.

Como já disse, alguns editores rejeitaram a perspectiva de cobrar pelo licenciamento, e defendiam, na época, a exclusividade das ações de repressão.

O resultado foi que, no ano 2000, esses editores, seguindo uma das mais lamentáveis e tradicionais tendências do mercado editorial brasileiro, resolveram fundar mais uma associação. E assim nasceu a ABPDEA – Associação Brasileira de Proteção dos Direitos Editoriais e Autorais, com sede no Rio de Janeiro. A ABPDEA deixava claro que considerava a solução da repressão como a mais correta, e divulgou amplamente o fechamento de copiadoras, prisão de “xeroqueiros”, etc.

A divisão obviamente não facilitou a vida de ninguém.

Pior, a questão acabou entrando na disputa da sucessão de Raul Wassermann na presidência da CBL, em 2002. O Sr. Oswaldo Siciliano, adversário de José Henrique Grossi, o candidato apoiado por Wassermann, comprometeu-se com a ABPDEA a apoiar suas posições, caso eleito. E foi, como se sabe.

O resultado foi que, já em meados de 2003, as duas associações foram “fundidas”. Na verdade, da ABDR só sobrou o nome. As formas e métodos de atuação que passaram a ser executadas desde então foram as da antiga ABPDEA, que não faziam inveja aos da RIIA [Recording Industry Association of America – o órgão das gravadoras] a não ser pela menor capacidade econômica dos brasileiros: apreensões, prisões, fechamento de copiadoras, e liquidação dos contratos de licenciamento.

O resultado, lamentavelmente, também foi parecido com o da indústria musical: foi oferecido de bandeja ao moribundo movimento estudantil um prato feito, o da “luta contra os gananciosos editores, que pouco se importam com a formação dos jovens universitários.

Nesse post também relato os esforços anteriores, destacando realmente dois, o do CCC, fundado em 1976, e o do KOPINOR norueguês, fundado em 1980:

Uma das primeiras instituições de licenciamento foi a Copyright Clearance Center, nos EUA, fundada em 1976. Hoje o CCC (acrônimo que provoca lembranças infelizes para os sobreviventes da literatura militar) licencia conteúdo para as grandes empresas, universidades, governos e gerou um rendimento de US$ 205 milhões ano passado, apenas com as comissões que recebe por lidar com os licenciamentos, empregando mais de 200 pessoas.

Outro exemplo notável é o da Kopinor, a agência norueguesa de licenciamento, fundada em 1980. País com menos de cinco milhões de habitantes, a Noruega gerou e distribuiu para autores e editores, noruegueses e estrangeiros, US $ 35.706.000 em 2010, e desde 1980 já pagou mais de US$ 615 milhões para os beneficiários desses direitos autorais. Através de negociações, a Kopinor recolhe royalties de licenciamento sobre materiais sujeitos a direito autoral, do governo norueguês, universidades, bibliotecas (para cada livro emprestado a biblioteca paga uma taxa à Kopinor), empresas, igrejas, etc.[Dados de 2012, n.b]

E concluo as observações sobre a história, ainda nesse post:

Toda essa experiência sempre foi acompanhada e incentivada pela International Publishers Association – IPA, que mantem um Comitê especializado para assuntos de Copyright. A partir da IPA foi fundada, em 1980, a IFFRO – International Federation of Reprodution Rights Organizations, ou Federação Internacional de Organizações de Direitos de Reprodução. A IFFRO tem hoje membros em todos os continentes e trabalha em estreita colaboração com a WIPO – World Intelectual Property Organization, que é quem administra o descendente da famosa “Convenção de Berna” sobre direitos autorais, a “mãe” de toda a legislação sobre propriedade intelectual e direito de autor.

Daí minha satisfação com a “autocrítica” atual, que reconhece a prevalência do licenciamento como forma de combater a pirataria e as reproduções não autorizadas.

Dois outros posts posteriores também voltaram ao assunto. No primeiro, Não existe almoço grátis ou como Carlos Slim ganha dinheiro relembro autores que usam do prestígio de suas publicações editadas (“professores doutores” de todas as áreas, mas principalmente do direito e da medicina) para aumentar substancialmente suas remunerações profissionais, e por isso mesmo não se importam com reproduções não autorizadas. Esse post foi reproduzido, com algumas modificações, no volume de comentários sobre a edição do Retratos da leitura do Brasil, de 2011.

No segundo, Por que não assinei o manifesto apoiando o 'livro de humanas' dei meus pitacos sobre uma das ações repressivas da ABDR, que tirou do ar um site que reproduzia obras da área de ciências humanas, e que sofreu enorme repúdio de alguns segmentos do público. Minhas discordâncias com a ação da ABDR eram demarcadas nesse post.

No entanto, minha irônica satisfação foi temperada pelo resto da notícia.

Como mencionei no início, a adoção da solução CCC foi apresentada (pelo menos na informação divulgada), como sendo praticamente única, ou a mais atualizada do ponto de vista tecnológico. Se bem que o CCC foi pioneiro nisso, não sei se a afirmação corresponde totalmente à realidade.

Devo reconhecer que não tenho conhecimento se foi buscada, e em que nível, a participação da IFFRO nessa discussão. Ainda que, sem dúvida, os avanços tecnológicos para a detecção das oportunidades de licenciamento tenham evoluído de forma geométrica desde os anos 1990, sem dúvida o CCC não é o único detentor de tecnologias adequadas. O equacionamento do modelo deveria, acredito, explicitar quais as alternativas disponíveis, inclusive com a participação ativa da IFFRO. E, principalmente, a tal exigência do CCC de recolher o pagamento em dólares é simplesmente incompatível com a legislação brasileira. A remuneração devida ao apoio tecnológico pode, e deve, ser remetida aos seus desenvolvedores. Mas recolhida em Reais e convertida pelo câmbio no momento da remessa. Assim são feitos os contratos de importação e de remuneração de serviços, ainda que com eventuais cláusulas de compensação de variações cambiais.

Finalmente, quanto à própria decisão de criar mais uma associação. Bastaria retomar os princípios da ABDR. Mas, como também não sei o quanto se mantém a pinimba entre os policialescos e os licenciadores, deixo isso para lá. O fato é que, contrário ao dito latino que afirmava a decisão de dividir para imperar (“Divide et impera”), aqui continuamos com a triste prática de nos dividirmos para nos enfraquecermos cada vez mais.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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