A edição digital na era da mobilidade: América Latina (3/3)
PublishNews, OCTAVIO KULESZ, 11/08/2016
Nosso colunista argentino chega ao fim na sua missão de mapear a edição digital na era da mobilidade na América Latina

A seguir oferecemos a terceira e última entrega da série sobre a edição digital na América Latina (parte um pode ser lida neste link e a parte dois está aqui). O artigo descreve as atividades digitais das feiras do livro, assim como as iniciativas tecnológicas dos Estados, e conclui com uma revisão dos principais desafios que enfrenta a indústria editorial.

As feiras do livro na era digital

A incorporação de novas tecnologias na cadeia do livro impacta diretamente nas atividades das feiras. A Feira Internacional do Livro de Bogotá (Filbo) apresentou em 2015 seu espaço Alejandría Digital (veja o vídeo abaixo), no qual foram expostos diversos projetos de novas tecnologias aplicadas à edição.

Por outro lado, a Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL) já conta com uma área específica para o livro eletrônico, criada para fornecedores de suportes, conteúdos e serviços relacionados com a edição digital; essa área não abrange somente stands de mais de 20 expositores mas também desenvolve um programa profissional. Da mesma forma, a Feira Internacional do Livro de Santiago (Filsa) organizou em 2015 o primeiro seminário do livro eletrônico: ali se encontraram especialistas de diversos países para discutir de que maneira é possível facilitar a distribuição digital do livro chileno “em todo o continente e nas principais bibliotecas do mundo”.

[Nota do editor: embora, Octavio não cite, a Câmara Brasileira do Livro realiza o Congresso CBL do Livro Digital, que chega, daqui a alguns dias, a sua quarta edição. O evento acontece no dia 25/08, antecedendo a programação da Bienal Internacional do Livro de São Paulo e está com inscrições abertas].

Novas políticas de acesso: o impacto da digitalização nas bibliotecas e nos planos de educação

É preciso advertir que no Chile, a migração da leitura e a edição com padrões digitais constitui uma política de Estado. A nova Política Nacional de Leitura e do Livro (2015-2020) se propõe, entre outras coisas:

  • Fomentar projetos que permitam a edição de livros “acessíveis para todo o público em formatos impresso, digital, áudio e vídeo”;
  • Estimular a criação de prêmios literários para livros digitais;
  • Promover as edições eletrônicas e “facilitar o acesso a conteúdos digitais em bibliotecas públicas”.
  • Acelerar a conversão do livro chileno a suportes digitais “para sua distribuição e conservação, além de assegurar a migração/emulação da produção digital nacional”.

Claro, a inauguração da Biblioteca Digital do Chile em 2013 representou uma clara antecipação dos novos tempos. Esta plataforma brinda hoje um serviço de empréstimo gratuito de livros digitais para todos os habitantes do Chile e para os chilenos residentes fora do país.

Também a Biblioteca Nacional da Colômbia iniciou diversas iniciativas em torno à edição digital. Além de oferecer “livros digitais 100% colombianos”, a entidade conta com seu próprio laboratório de experimentação (vídeo abaixo) com novos formatos. E assim como ocorre no caso chileno, esses projetos se encontram em sintonia com a política do livro. Na verdade, o Plano Nacional de Desenvolvimento da Colômbia (2014-2018) é, neste ponto, contundente: o artigo 224 defende “fomentar e apoiar a digitalização e produção de livros, mediante o estímulo a sua edição e comercialização, facilitando o acesso a esta ferramenta tecnológica tanto em zonas urbanas quanto rurais”.

No Brasil, a Biblioteca Nacional Digital (BNDigital) formou um rico acervo online que recebe milhões de visitas por mês. O portal organiza mostras virtuais e produz artigos de investigação sobre os conteúdos exibidos.

Por outro lado, é preciso assinalar que as numerosas iniciativas de redução da distância digital realizadas na região também estão promovendo a produção e o consumo de textos eletrônicos. Claro, programas de entrega de laptops aos estudantes, tais como o Plano Ceibal (Uruguai) ou Conectar Igualdad (Argentina), permitiram a criação de materiais digitais ad hoc, a distribuição de clássicos digitais e a aquisição de e-books criados pelas editoras.

Desafios e oportunidades

Na América Latina, a edição eletrônica enfrenta grandes desafios; ao mesmo tempo que oportunidades inegáveis. No campo dos desafios, existe um tipo de círculo vicioso que afeta a sustentabilidade de uma parte do ecossistema:

  1. as lojas de e-books nem sempre conseguem oferecer materiais relevantes, a um preço acessível para o leitor local;
  2. assim, muitos leitores terminam descarregando os e-books por vias informais ou recorrem a outras variantes gratuitas;
  3. como resultado, as editoras tradicionais não veem muito interesse em oferecer seus textos em versão digital e preferem continuar jogando em terreno seguro – o formato papel;
  4. isso repercute negativamente na oferta de conteúdos: consequentemente, volta-se ao ponto 1 e assim sucessivamente.

No entanto, é preciso advertir que o círculo vicioso é especialmente prejudicial para o modelo de venda de e-books por unidade – quer dizer, para o esquema que imita o funcionamento da cadeia analógica. Mas existem outros atores localizados fora do setor tradicional que conseguem aproveitar o novo estado de coisas, de uma maneira mais eficaz. Estamos falando principalmente de:

  • plataformas de assinaturas e os grandes portais globais, que captam grandes massas de usuários;
  • editoras eletrônicas nativas, que podem subsistir por combinarem sua atividade com a oferta de serviços digitais;
  • setor público, que entrega materiais muitas vezes gratuitos, no campo das bibliotecas e no âmbito educativo.

Como apontamos, os usuários estão se equipando de forma acelerada – em especial com dispositivos móveis. A população está exigindo conteúdos digitais de maneira crescente e os custos de distribuição diminuem progressivamente. Dentro desse contexto, os jogadores antes mencionados – grandes plataformas, editoras eletrônicas nativas e setor público –, continuarão colhendo os frutos da mudança. Para os atores da cadeia tradicional se revela então urgente redobrar os esforços para poder encontrar – e reinventar – seu lugar. Sem dúvida, para isso será necessário colocar em prática alianças originais e incorporar habilidades novas. A tarefa não será fácil, mas os benefícios poderiam ser consideráveis.

A versão original deste artigo foi publicado no site da Aliança Internacional de Editores Independentes.

[11/08/2016 09:38:00]