Hoje gostaria de compartilhar minha visão sobre a diferença entre bibliotecas comunitárias e bibliotecas instaladas nas comunidades. Também quero falar sobre a importância do trabalho de promoção da leitura realizado pelas inúmeras bibliotecas comunitárias nos diferentes cantos deste enorme Brasil.
Conforme conceito estabelecido pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), integrante da Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) no Ministério da Cultura (MinC), a “Biblioteca Comunitária é um espaço de incentivo à leitura e acesso ao livro. É criada e mantida pela comunidade local, sem vínculo direto com o Estado”.
A biblioteca comunitária se estabelece quando o Estado deixa de garantir a leitura e principalmente a leitura literária como um direito de todos. A biblioteca comunitária nasce pelo desejo de alguém ou de uma instituição que entende que o contato com a leitura e a escrita pode proporcionar à sua comunidade informações e conhecimentos importantes. Essa possibilidade de acesso proporciona uma reflexão mais profunda do papel do leitor como cidadão. Desta forma, o leitor pode interferir em situações ou cenários que antes pareciam distantes e impossíveis de serem mudados. O acesso por meio das palavras e das imagens contidas nos livros contribui para o empoderamento do cidadão. Por isso, garantir a qualidade deste acesso a materiais diversos e de qualidade ajudam a constituir um pensamento aberto às diferenças.
Uma outra característica das bibliotecas comunitárias é que elas são a cara da sua comunidade. Seus espaços dialogam com a cultura local, são geridas pelos moradores e recebem doações da comunidade. Muitas bibliotecas comunitárias se estabelecem nas próprias casas dos moradores e por isso, possuem horário de atendimento mais flexível com a demanda da comunidade. Mesmo no horário do almoço basta o menino ou a menina bater na porta com fome de história que sairá de lá com um livro. Estas são algumas características das bibliotecas comunitárias que garantem seus espaços apinhados de crianças todos os dias. O fechamento de uma biblioteca comunitária é sempre uma grande perda para aquela comunidade porque ela faz parte do seu dia a dia.
Recentemente o governo interino anunciou a criação de bibliotecas comunitárias no Programa Minha Casa, Minha Vida. Ter bibliotecas neste programa será muito bem-vindo. Mas precisamos fazer algumas diferenciações. Primeiro vamos deixar claro que o que o governo denomina bibliotecas comunitárias na verdade se tratam de bibliotecas instaladas nas comunidades. Já mencionei algumas características de bibliotecas comunitárias e agora vou levantar alguns pontos que devem ser considerados por governos (municipais, estaduais e federais) em bibliotecas instaladas nas comunidades:
Essa reflexão é construída numa trajetória profissional minha à frente da coordenação do programa Prazer em Ler do Instituto C&A durante cinco anos. Reflexão construída também pela experiência como um dos assessores da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), parceira do Instituto Ecofuturo na implantação de bibliotecas comunitárias do programa Ler é Preciso. Ambos importantes programas de implantação e apoio a bibliotecas comunitárias. Programas com metodologias diferentes, mas que levam em consideração o que está construído na comunidade e seus desejos em torno da leitura.
Minha sugestão é que os governos antes de implantarem bibliotecas nas comunidades possam aprender com ações realmente já consolidadas. Existe hoje a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, que surgiu pelo desejo das mais de 80 bibliotecas comunitárias de diferentes regiões do Brasil apoiadas pelo Instituto C&A. Uma forte rede que tem conhecimento e expertise suficiente para orientar qualquer governo na implantação de bibliotecas nas comunidades. Inclusive, os governos deveriam olhar para esta rede e apoiar suas iniciativas para que a mesma amplie suas ações. As bibliotecas comunitárias no Brasil exercem hoje um papel fundamental na promoção da leitura e na incidência das políticas públicas locais. Há alguns anos estas bibliotecas realizam um importante movimento de mobilização para a construção dos planos municipais e estaduais do livro, leitura, literatura e bibliotecas.
Desejo que tenhamos cada vez mais bibliotecas comunitárias ou bibliotecas implantadas na comunidade. Mas que isso seja uma ação pensada e sustentável.
Gostaria que cada casa tivesse sua própria biblioteca. O acervo pessoal é importante! Ter livros circulando pela casa ajuda a criar o valor simbólico e a importância que precisamos para o objeto-livro e para a leitura. Durante o Governo Dilma participei, como Diretor da DLLLB, de uma audiência pública no Senado sobre o Projeto de Lei 204/2013 do senador Cristovam Buarque (PDT/DF) que estipula que cada família beneficiada no Minha Casa, Minha Vida receba uma biblioteca composta de 20 livros de humanidades (selecionadas pelo Plano Nacional do Livro e da Leitura - PNLL ou pelo Plano Municipal de cada prefeitura), equipamento de informática com software instalados e acesso à banda larga. A audiência teve a presença de representantes dos ministérios da Educação e da Cultura. Discutimos a importância das bibliotecas instaladas na comunidade e também das bibliotecas pessoais. Portanto, este não é um tema novo para o Governo Federal e nem deve ser tratado como um projeto inovador.
Outro ponto importante é que num esforço de mapear as bibliotecas públicas, escolares, universitárias, especializadas, particulares, comunitárias e pontos de leitura, o SNBP lançou, em dezembro de 2015 um cadastro nacional. O cadastro é um aperfeiçoamento do antigo. Esta plataforma conta ainda com uma interface com o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) que visa coletar, armazenar e difundir dados e informações sobre a cultura brasileira. Neste cadastro cada biblioteca pode colocar dados como acervo, serviços, infraestrutura, gestão, relação institucional e público principal da biblioteca. O cadastro ainda possibilita que as bibliotecas tenham uma página para divulgar suas ações e também colocar as diferentes bibliotecas em contato umas com as outras. Em 2016 o SNBP / DLLLB tinha programando uma grande campanha de chamamento nacional para que todos os tipos de bibliotecas fizessem parte desta plataforma. Espero que o governo interino entenda esta plataforma como uma importante ferramenta de gestão e dê continuidade a esta ação. Somos um país com poucos dados sobre as bibliotecas, o que dificulta tomadas de decisões sustentáveis.
Um por todos e todos por um Brasil de leitores!
Volnei Canônica é formado em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em Literatura Infantil e Juvenil também pela Universidade de Caxias do Sul, e especialização em Literatura, Arte do Pensamento Contemporâneo pela PUC-RJ. É Presidente do Instituto de Leitura Quindim, Diretor do Clube de Leitura Quindim e ex-diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, do Ministério da Cultura. Coordenou no Instituto C&A de Desenvolvimento Social o programa Prazer em Ler. Foi assessor na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Na Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, assessorou a criação do Programa Permanente de Estímulo à Leitura. o Livro Meu. Também foi jurado de vários prêmios literários.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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