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A modernidade de Conrad Gesner há 500 anos
PublishNews, Roney Cytrynowicz, 24/06/2016
Roney Cytrynowicz conta a história de Conrad Gesner e as obras fantásticas editadas por ele no século 16

Gesner manteve o unicórnio e outras 11 criaturas lendárias, em seu 'Historiae animalium' | © Reprodução Wikipedia
Gesner manteve o unicórnio e outras 11 criaturas lendárias, em seu 'Historiae animalium' | © Reprodução Wikipedia

Neste ano se completam 500 anos de nascimento do médico e naturalista suíço Conrad Gesner (1516-1565), autor e organizador de cerca de 70 obras, entre as quais duas consideradas fundadoras do conhecimento moderno.

Historiae Animalium, publicada em quatro volumes e 4.500 páginas ilustradas a cores, entre 1551 e 1558, é considerada a primeira enciclopédia moderna de zoologia (um quinto volume póstumo foi publicado em 1587). Folheie aqui parte da obra na U.S. National Library of Medicine.

Konrad Gesner também é conhecido como o “pai da bibliografia” por sua Bibliotheca universalis, sive catalogus omnium scriptorum locupletissimus, in tribus linguis, Latin, Graeca, & Hebraica: extantium & non extantium veterum & recentiorum..., de 1545, um catálogo bibliográfico, em latim, grego e hebraico, com cerca de 1.800 autores, descritos e comentados. É considerada a primeira obra bibliográfica publicada após a invenção da imprensa. Com comentários sobre autores e livros, revela a (nova) concepção de organizar, selecionar e comentar o nascente universo dos livros impressos.

Além de participar do movimento de invenção das ideias modernas, com o Renascimento e a dessacralização do mundo, que passou a ser concebido e observado sem os filtros da religião, Gesner esteve também na linha de frente do ideário que passou a integrar em um mesmo sistema as novas ideias sobre conhecimento, a pesquisa sobre as formas de sua organização em livros, técnicas de ilustração atraentes e preocupação com o leitor e a circulação do livro.

Assim, pesquisa, redação, ilustração, edição, impressão, circulação, todas estas atividades do novo mundo do livro impresso recriaram a lógica do conhecimento em todas as suas esferas: produção, circulação e consumo.

A transmissão de conhecimentos através de ilustrações – e a nada óbvia ideia de que a ilustração informava – foi uma mudança significativa na lógica do conhecimento, que se beneficiou da cultura e das técnicas artísticas renascentistas. A ilustração impressa, super apurada no caso de Gesner, deu novo sentido à experiência da pesquisa e difusão da imagem. Isto ocorreu, não por acaso, no século dos “descobrimentos” e da colonização, as viagens e as expedições criando também – junto à dominação – o impulso para o conhecimento.

Historiae animalium, um livro de história natural, é uma classificação universal dos animais, cada um em uma página, com gravuras impressas feitas pelo autor e colaboradores e uma série de informações padronizadas sobre a vida dos animais, incluindo a origem do nome e provérbios sobre eles.

Mas como, no século 16, ter acesso a informações e à observação direta de animais em todo o mundo? Só esta pergunta já dá a dimensão do desafio de escrever e editar uma enciclopédia mesmo de uma área específica do conhecimento, a zoologia.

Além disso, ainda próximo ao imaginário medieval, para o qual criaturas lendárias e fantásticas habitavam o mundo do conhecimento, como distinguir o que era “ciência” do que era “lenda”, como monstros e sereias, que viviam numa vasta zona entre o conhecido e o desconhecido?

É também aqui que Gesner introduziu soluções modernas: ele escreve e desenha (com assistentes) a partir de sua própria observação e, quando isto não é possível, cotejando fontes impressas variadas (da Bíblia aos bestiários medievais, de manuscritos a mapas ilustrados) e às vezes mantendo, por exemplo, ilustrações anteriores mesmo sabendo que elas pouco correspondem à “realidade”. É assim que Gesner manteve 12 criaturas lendárias, entre elas o unicórnio.

Nascido em Zurique, Suíça, Gesner estudou nas universidades de Brouges, Estrasburgo, Paris e Basiléia, tornou-se médico e professor de grego em Lausanne e de física em Zurique, onde exerceu a medicina. No início da Era moderna, o ambiente do protestantismo local estimulava o desenvolvimento dos estudos das ciências e outras áreas.

Ele foi contemporâneo de Leonardo da Vinci e seus desenhos, do primeiro livro inteiramente ilustrado de Anatomia, Commentaria super anatomia Mundini, de 1522, de Jacopo Berengario da Carpi (1460-1530), e de Humani Corporis Fabrica, de Andreas Vesalius, de 1543, com ilustrações de Jan Stephen van Calcar.

Segundo um texto disponível no site da Universidade de Zurique, onde ele foi professor e que está realizando uma exposição, “Conrad Gesner era um polímata estimulando a transformação da Europa do tempo medieval para o moderno. Enquanto seus contemporâneos se restringiam a criticar os antigos, ele criou novos conhecimentos usando seus próprios métodos. (...) Muito antes de internet e da fotografia, Gesner criou uma enciclopédia ilustrada compreendendo mais de mil animais. Sua Historiae animalium logo foi amplamente lido devido à invenção de técnicas de impressão modernas. Por gerações, o livro foi a base da ciência animal no longo caminho à moderna zoologia”.

Gesner publicou também, como projeto de uma enciclopédia de Botânica, Enchiridion historiae plantarum e Catalogus plantarum em quatro idiomas e, entre muitos outros, Mithridates de differentis linguis, uma compilação de informação sobre 130 línguas conhecidas.

Tudo isto no século 16.


Página de rosto da 'Bibliotheca universalis' publicada por Conrad Gener em 1545 | © Reprodução
Página de rosto da 'Bibliotheca universalis' publicada por Conrad Gener em 1545 | © Reprodução

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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