A inauguração do mais novo parque público na cidade de São Paulo, o Parque Municipal Chácara Jockey, na Vila Sônia / Butantã, consolida a popularidade do skate como prática urbana de jovens. Quem foi no dia da inauguração pôde observar um fenômeno surpreendente: havia mais gente andando de skate do que jogando bola nos belos campos gramados de futebol de campo do parque.
O skate é uma prática urbana singular, mistura de modo / estilo de vida, forma de sociabilidade e cultura jovem, lazer e também de esporte, transitando entre espaços demarcados, como parques e pistas projetadas, mas principalmente na rua, utilizando espaços da cidade de forma diferente da pensada pelo poder público e pela apropriação privada.
O mais atraente é a relação dos skatistas com a cidade. Dar um rolê de skate implica em conhecer profundamente os espaços, suas formas, curvas, passagens, paredes, arquitetura, estátuas, seus desníveis, vãos, cantos, pisos, materiais, texturas, suas porosidades, suas escadarias e seus degraus, para descobrir e escolher lugares para mandar uma manobra. O “olhar de skatista” está sempre olhando e buscando.
Segundo Giancarlo Marques Carraro Machado, em De carrinho pela cidade: a prática do skate em São Paulo (Intermeios / Fapesp), “Um corrimão não serve somente para dar segurança a quem utiliza uma escada, mas também para ser deslizado com o skate. Uma escada não é apenas para se passar de um nível ao outro, mas para ser pulada. Uma escultura não é só para ser olhada e apreciada, mas ao contrário, pode servir como uma inclinação propícia para manobras. Os exemplos se estendem aos bancos, às bordas, às placas de trânsito etc. Portanto, a cidade ganha novos contornos a partir da circulação dos streeteiros por distintos espaços”.
Assim, com leveza e flexibilidade, os skatistas rompem e transgridem as estáticas segregações de espaço e surfam, dançam, saltam, giram, fazem acrobacias, rolam e deslizam sobre rodas, em uma variedade infinita de manobras e possibilidades de usar a cidade, porque o skate é na rua, no espaço público. Ao literalmente inventar lugares para praticar, os skatistas reinventam a cidade, seus espaços e usos, e o fazem coletivamente, porque o barato do skatista é praticar coletivamente, por mais efêmero que seja o grupo.
Além de parques, como o do Sumaré, o da Juventude e o Centro de Esportes Radicais, também inaugurado há pouco, três lugares históricos do skatismo são o Vale do Anhangabaú, a Praça Roosevelt e a marquise do Parque do Ibirapuera, a “praia de paulista”, como diz o verso de Rita Lee. Os CEUS também têm pistas e há cada vez mais espaços oficiais públicos e privados.
A criação do Parque Municipal Chácara Jockey é resultado de uma luta de mais de 15 anos dos moradores e de um movimento local para que a área se tornasse um parque público, história que é contada em uma sala do parque. No dia da inauguração, com a presença do prefeito Fernando Haddad, o parque estava lotado de gente fazendo os mais variados usos, a maioria simplesmente passeando e curtindo o lugar e a natureza.
A edição do livro sobre skate de Giancarlo Marques Carraro Machado, originalmente uma dissertação de Mestrado em Antropologia Social na Universidade de São Paulo, teve coedição da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que mantém uma política institucional de apoio a edições de livros. Respondendo às dúvidas recentes do governador sobre “para que serve a Fapesp”, a própria Fapesp respondeu que “algumas pesquisas não se realizam para chegar a resultados práticos, mas sim para tornar as pessoas e as sociedades mais sábias e, assim, entenderem melhor o mundo em que vivemos, o que é uma das missões da ciência”. Além disso, qualquer pesquisa, a começar pelas ciências humanas, pode um dia, em diferentes prazos, se tornar “aplicada”.
Uma pesquisa do Datafolha, de 2010, sob encomenda da Confederação Brasileira de Skate, trouxe o seguinte número: cerca de 5% dos domicílios do país tem algum praticante do skate, somando 3,86 milhões de pessoas. E uma pesquisa realizada pela prefeitura em 2005 indicou que o skate era o segundo esporte mais praticado nas escolas municipais.
No livro de Giancarlo, um depoente, ao comentar a busca por um pico perfeito (chão de ida e de volta da manobra com superfície plana e lisa, boas condições para pegar impulso e obstáculo com materiais apropriados para mandar uma manobra), diz que a prática do skate é “tipo começar a ler um livro, onde você vai descobrindo, vai entrando cada vez mais nele e trocando ideia com a rua, vendo que tem muita coisa que você pode fazer. Na rua tem bastante opção para você ir cada vez mais procurando outros lugares”. Assim, escreve o autor, tornar-se streeteiro implica tornar-se “leitor” de picos.
Depois desta, é claro que fiquei sonhando, nas minhas leituras, em mandar uma bela manobra... nem que seja uma freestyle, e basicamente conseguir ficar de pé em cima do skate.
Aliás, qual editora olha para este público de jovens leitores da cidade?
Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.
Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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