Os quadrinhos dão a volta por cima no Prêmio Jabuti
PublishNews, Silvio Alexandre*, 11/11/2015
Para Silvio Alexandre, a produção nacional de quadrinhos é grande o suficiente para abrigar uma categoria específica no Jabuti.

Com presença cada vez mais forte no mercado editorial brasileiro, os quadrinhos foram incluídos este ano no Prêmio Jabuti de forma clara, dentro da categoria “Adaptação”. Esta novidade acontece após vários anos com discussões, cobranças e polêmicas sobre se os quadrinhos deveriam ter uma categoria própria ou não. Ou, até mesmo, se os quadrinhos são literatura ou não.

Para Marisa Lajolo, atual curadora do prêmio "os quadrinhos são um bom exemplo da censura exercida em nome da estética. Vilões nos anos 1950, acusados de comprometer a imaginação de leitores e de conspurcar o (bom) gosto, seus artistas souberam lutar. E deram a volta por cima!!!".

E ela ainda completa: "por isso, o Jabuti 2015 se alegra por incluir, entre as categorias que premia, os descendentes do pioneiro Ângelo Agostini (1843-1910), que, ainda nos idos do século XIX, introduziu os quadrinhos na terra de Machado de Assis. Gênero que até hoje encanta leitores maiores e menores, estas figuras bem-amadas, nativas e cidadãs honorárias do mundo dos livros e da leitura."

Entretanto, se apenas nesta 57ª edição do Jabuti foram abertos novos horizontes com a inclusão dos quadrinhos e sua curadora lançou alvíssaras ao gênero ainda temos um bom caminho para percorrer. É preciso entender que a nova categoria Adaptação foi criada para "aceitar livros compostos por adaptações de obras anteriores, seja por meio de nova redação, seja, pela transposição de linguagens, tal qual a verbal pela visual, como ocorre nas adaptações de obras literárias para quadrinhos".

Ou seja, não foi criada uma categoria Quadrinhos, mas uma categoria na qual os quadrinhos podem entrar. Não acredito que esse processo esteja encerrado. Mesmo porque se trata de uma inclusão experimental. Com certeza ainda surgirão muitas dúvidas e haverá mais discussões.

Em anos anteriores já tivemos algumas tentativas para abrigar o gênero. Foi o caso quando em 2011 a organização incluiu a categoria de Ilustração Geral. Já existia a categoria de Ilustração em Livros Infantil e Juvenil, mas com essa nova foi possível incluir três álbuns de quadrinhos: Cachalote, ilustrado por Rafael Coutinho (Quadrinhos na Cia); Memória de Elefante, por Caeto (Quadrinhos na Cia) e Vó, por Jean Galvão (Leya).

Publicadas em 2012, entraram quadrinhos nacionais na categoria Ilustração: Dom Casmurro, de Mário Cau (Devir); V.I.S.H.N.U., de Fábio Cobiaco e roteiro de Ronaldo Bressane e Eric Acher (Quadrinhos na Cia) e Monstros!, de Gustavo Duarte (Quadrinhos na Cia).

Já na edição do 56º Prêmio, em 2014, a organização passou a impressão que não sabia distinguir o que era uma ilustração do que era uma história em quadrinhos, pois tivemos indicações de autores misturando tudo: Laerte, por Storynhas (Companhia das Letras); Ziraldo, por Os homens tristes e outros desenhos sem destino (Melhoramentos); José Aguiar, por Reisetagebuch – Uma viagem ilustrada pela Alemanha (Quadrinhofilia); Alex Shibao, por Hamlet de William Shakespeare (Nemo); Emir Ribeiro, por Fantasmagorias de R.F. Lucchetti (Devaneio); Caco Galhardo, por Dom Quixote em Quadrinhos – Volume 2 (Peirópolis); DW Ribatski, por Campo em Branco (Quadrinhos na Cia.). Outros que concorrem foram Alex Cerveny. por Decameron (Cosac & Naify); Meire de Oliveira, por Brasil – Imagens sob a ótica da artista Meire de Oliveira e Veridiana Scarpelli (Diário da Tarde).

Como se vê, não é de hoje que o Jabuti flerta com os Quadrinhos, embora sem uma categoria específica. A única premiação, de fato, aconteceu em 2008, quando Fábio Moon e Gabriel Bá (os gêmeos Araújo) ganharam o troféu na categoria Didático e Paradidático e Ensino Fundamental ou Médio, pela adaptação de O alienista, de Machado de Assis.

Este ano tivemos três trabalhos da nona arte indicados na recém-criada categoria Adaptação: A morte de Ivan Ilitch em quadrinhos, por Caeto (Editora Peirópolis); Grande Sertão: Veredas, por Guazzelli e Rodrigo Rosa (Biblioteca Azul); e Kaputt, por Guazzelli (WMF Martins Fontes).

Além disso, foram indicados cinco trabalhos em Ilustração: Lobisomem sem Barba, por Wagner Willian (Balão Editorial); e Vida e obra de Terêncio Horto, por André Dahmer (Quadrinhos na Cia.), Yeshuah – Onde tudo está, por Laudo Ferreira e Omar Viñole (Devir); e A Vida de Jonas (Zarabatana Books); Claudius, ilustrado por Claudius Ceccon (Editora SESI-SP), também indicado na categoria Capas.

Houve um enorme crescimento nos últimos anos motivado pela forte presença nas livrarias e pela expectativa de as editoras encaixarem os quadrinhos em programas de governo. O grande estimulador está sendo o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), suspenso nesse ano, além de programas estaduais de incentivo como, por exemplo, o Programa de Ação Cultural (ProAC), em São Paulo e o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura PE), em Pernambuco, entre outros mecanismos de fomento e difusão da produção cultural nos estados. Esses programas têm possibilitado que os quadrinhos sejam produzidos, comprados e levados em grande quantidade às bibliotecas de escolas públicas. Assim, podemos afirmar que hoje a produção nacional de quadrinhos é grande o suficiente para abrigar uma categoria específica no Jabuti.

Sem entrar em discussões teóricas, considero que as histórias em quadrinhos não são literatura. Elas são uma linguagem autônoma composta de palavras e elementos visuais. Por sua vez, o Jabuti não é um prêmio de literatura, mas um prêmio para incentivar o mercado do livro, do qual os quadrinhos fazem parte. Acredito que uma das funções do Jabuti é justamente estimular esta produção. Além de valorizar escritores o Jabuti destaca a qualidade do trabalho de todas as áreas envolvidas na criação e produção de um livro. Como a própria organização afirma: o maior diferencial do Jabuti em relação a outros prêmios literários é a sua abrangência. Que assim seja!


* Silvio Alexandre é editor e gestor cultural com formação em Letras pela USP. Criou e dirigiu diversas coleções de literatura fantástica e de quadrinhos. É o criador do Fantasticon – Simpósio de Literatura Fantástica e é membro da Comissão Organizadora do Troféu HQMIX.

[11/11/2015 08:45:25]